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Relatório mostra violações dos direitos humanos das pessoas LGBT+ nos presídios da Zona da Mata

Maria Carolina Santos / 13/12/2023
Presídio de Vitória de Santo Antão

Crédito: Google Street View

A organização não-governamental GTP+ Prevenção e Cidadania lançou nesta quarta-feira (13) o relatório da quinta edição do projeto Fortalecer para Superar Preconceitos, que faz um diagnóstico sobre o tratamento da população LGBT+ nas unidades prisionais da Zona da Mata pernambucana. O que o relatório mostra é que, afastada dos grandes centros, essa população é ainda mais vulnerável às violências.

O diagnóstico se propôs a fazer pesquisa e análise do tema nas três unidades prisionais da Zona da Mata: presídio de Itaquitinga – PIT, presídio Vitória de Santo Antão – PVSA, e o presídio Rorinildo da Rocha Leão – PRRL (Palmares/PE).

Dentro de uma população carcerária de 2.916 pessoas, o projeto teve acesso e entrevistou 12 pessoas autodeclaradas LGBT+: oito estavam na PVSA, 4 no PRRL e nenhuma no PIT. Dos entrevistados, 60% se declararam homossexual, 20% heterossexual, 10% HSH (homens que mantêm frequente ou esporadicamente relações sexuais com outros homens) e 10% bissexual. Sobre identidade de gênero, 54,5% se declararam mulher trans, 18,2% travesti e 27,3% homem cis. Os dados foram coletados entre outubro e novembro de 2022.

Apesar da amostra pequena, os dados são alarmantes: 75% da população entrevistada afirmou ter sofrido violência, sendo as de natureza física e sexual responsáveis por 55,6% dos casos. Quando a mesma pesquisa foi feita nos presídios da Região Metropolitana do Recife, em 2020, o percentual de pessoas LGBT+ que sofreu violência foi menor, de 35,5%.

Nas duas unidades prisionais com pessoas autodeclaradas LGBT+, a de Palmares e a de Vitória de Santo Antão, não há pavilhão ou cela específica para elas. Também, de acordo com o relatório, não podem escolher o local onde se sentem mais seguras dentro do presídio, nem as mulheres trans e travestis foram questionadas sobre se queriam transferência para uma unidade feminina.

Leia aqui o relatório da quinta edição do projeto Fortalecer para Superar Preconceitos

Para o coordenador do projeto, o advogado Lucas Enock, há vários fatores que explicam essa violência maior nos presídios do interior, mas todas elas potencializadas pelo fato de que há pouca ou nenhuma vigilância ou supervisão externa dessas prisões por órgãos de direitos humanos. Em uma das visitas, uma pessoa entrevistada informou que há mais de 2 anos nenhuma entidade de defesa comparecia à unidade.

“Para a falta de espaços próprios, a justificativa é de que as pessoas privadas de liberdade não querem ir para esses locais. Mas como pode se embasar nisso se não há qualquer tipo de conversa ou conscientização com essas pessoas?”, questiona Lucas Enock. Ele também afirma que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obriga juízes e juízas a questionarem na audiência de custódia qual unidade a pessoa prefere, se masculina ou feminina. “Aqui em pernambuco, sequer está havendo a audiência de custódia, em muitos casos. E isso repercute nas unidades prisionais”, diz.

Para o ativista, o que está acontecendo em Pernambuco é um retrocesso na garantia de direitos. “Em uma unidade, o diretor, evangélico, proíbe roupas femininas para as travestis e mulheres trans, citando normas do presídio. Às vezes encontramos gestores que citam até portarias, ainda que não haja menção dessa temática no código penitenciário de Pernambuco e seja uma violação de tratados internacionais que o Brasil é signatário. Configura tortura atos que tendem a violar a personalidade da pessoa, causando sofrimento mental”, afirma.

Superlotação no interior

Com os olhos dos defensores dos direitos humanos mais voltados para o Grande Recife, os presídios do interior estão recebendo mais e mais presos, ficando superlotados. É um movimento iniciado ainda no governo Paulo Câmara (PSB) e que tem se intensificado neste quase primeiro ano do mandato de Raquel Lyra (PSDB), diz o advogado.

“O governo do estado está superlotando as unidades prisionais mais afastadas, como Caruaru, Petrolina e Limoeiro, para esvaziar o Complexo do Curado justamente para aparentar que o Brasil está cumprindo as determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. É um movimento muito claro, inclusive com transferências compulsórias”, denuncia Enock.

Lotação dos presídios da Zona da Mata:

Presídio de Vitória de Santo Antão (PVSA): População carcerária de 610 pessoas para 112 vagas, havendo uma superlotação de 545%. Foi identificado pelo CNJ a existência de mais de 30 pessoas em celas que deveriam comportar 6.

Presídio de Itaquitinga (PIT): Inaugurado em 2017 para receber presos em regime fechado.
Considerada de “segurança máxima”, conta com uma população prisional de 1.410 para 912 vagas, uma superlotação de mais de 120%. O local do estabelecimento penal chama atenção pelo difícil acesso, sem transporte público.

Presídio Dr. Rorenildo da Rocha Leão (PDRRL): Localizada em Palmares/PE. Já foi considerada a unidade mais superlotada da América Latina. Passou por uma reforma aumentando a quantidade de vagas para 532 para uma população de 869 pessoas.

Sem privacidade, sem tratamento

Com a superlotação, fica ainda mais difícil manter a privacidade das pessoas privadas de liberdade. Quando são pessoas que vivem com o HIV, podem ficar expostas à violência e constrangimento. “Muitas vezes as pessoas deixam de tomar a medicação nas unidades para não serem descobertas, por conta do preconceito. Teve uma mulher trans, no Curado, que foi violentada sexualmente, o agressor foi infectado e após isso ela passou a ser ameaçada e intervimos para ela ser transferida”, afirma Lucas Enock.

A população trans não dispõe de tratamento hormonal nas unidades prisionais da Zona da Mata. “Inclusive, no PVSA foi proibido o uso, sob a promessa de que teria acompanhamento médico no tratamento, informação esta que até o momento não se concretizou. Assim, 75% das mulheres trans e travestis estão sem uso e sem acompanhamento médico na utilização de hormônio”, diz o relatório.

Mecanismo contra tortura precisa ser remodelado

Em 2012 Pernambuco foi o estado pioneiro na implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Previsto em lei, o órgão era formado por seis peritos, em cargos comissionados, para supervisionar a defesa dos direitos humanos de pessoas privadas de liberdade por meio de visitas regulares a diferentes sistemas, inclusive o prisional.

Desde o polêmico decreto do começo do mandato de Raquel Lyra, quando a governadora exonerou todos os cargos comissionados, o mecanismo está desativado. Apesar das críticas à forma de atuação dos peritos, o GPT+ defende a volta do órgão.

“Esse órgão era previsto no protocolo facultativo contra tortura da ONU, do qual o Brasil é signatário. Existiam vários problemas no mecanismo de Pernambuco, como o fato de serem cargos comissionados e a qualidade dos relatórios, que inclusive não eram publicados pelo governo. Os relatórios eram enviados com muito atraso apenas para o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, que a partir deles tentava fazer as deliberações”, diz Enock, que também é membro do comitê.

Temáticas específicas, como população LGBT+ e indígena, não eram incluídas nos relatórios, por exemplo. “Eram muitos superficiais. A gente entende, mas não aceita, porque eram cargos em comissões, sujeitos à vontade política. Mas é importante que esse órgão exista e seja reformulado, com a garantia de autonomia desses peritos. Pernambuco hoje está agindo contra uma recomendação da ONU. No Brasil, poucos estados têm esse mecanismo. Tivemos um diálogo na caravana dos Direitos Humanos, promovida pelo ministro Silvio Almeida, em outubro. Houve uma promessa superficial, mas nada concreto. Já já faz um ano que o mecanismo está desativado e sem nenhuma perspectiva de volta”, critica o advogado.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org