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Há dez anos, centenas de pessoas ocuparam por quase um mês o cais José Estelita. Com barracas, festas, aulas públicas, reuniões e sessões de cinema levaram ao debate público as mudanças sociais e urbanísticas que o cais e o Recife enfrentavam e ainda enfrentam. A luta contra a construção do paredão de torres de prédios do consórcio Novo Recife – das construtoras Moura Dubeux, Ara e Queiroz Galvão – provocou a união de diversas organizações da sociedade civil, estudantes e militantes por uma cidade mais justa. Para marcar o 10º aniversário da ocupação – que foi de 21 de maio a 17 de junho de 2014 – as pessoas que fizeram o movimento Ocupe Estelita estão propondo uma agenda com o direito à cidade em pauta, no mesmo período da ocupação da 2014.
O início da celebração dos 10 anos do Ocupe Estelita será com uma sessão solene na Câmara dos Vereadores, no dia 21 de maio, promovida pelo mandato do vereador Ivan Moraes (PSOL), que teve participação ativa na ocupação. Antes, no dia 19 de maio, está prevista uma festa para arrecadar fundos para o movimento. A agenda conta também com mostra de cinema (dias 22, 23,24 e 26), debates, bicicletada (09 de junho), audiência pública sobre despejos (11 de junho), entre outros eventos. A programação culmina com uma ocupação no cais José Estelita, no dia 16 de junho. Para acompanhar a divulgação dos eventos, acesse: https://www.instagram.com/ocupeestelita/
Neste domingo (21), pelo menos 40 ativistas de várias organizações se reuniram no quintal da Cozinha Solidária do MTST, no bairro da Torre, para discutir pessoalmente a agenda do movimento. Desde janeiro, há reuniões virtuais para a elaboração da agenda. “Além de rememorar a ocupação, a ideia dessa agenda é de a de ser uma ferramenta de ativação das lutas de direito à cidade hoje. A pergunta orientadora principal é: ‘o que é que o Estelita tem a dizer à cidade dez anos depois e como é que essa reaglutinação de sujeitos pode potencializar o que tem acontecido de disputa e de debate em torno do direito à cidade de hoje?’”, explica o jornalista Chico Ludermir, militante do ocupe Estelita e integrante do Coque Vive.
A ideia é que a pauta não se concentre apenas em torno do cais José Estelita. “Durante aquele período de 2014 e, depois em 2019 também, quando teve a reocupação, o Estelita era um ponto focal, era um ponto de convergência para onde todas as lutas meio que iam, e o Estelita funcionava um pouco como metáfora para o debate do direito à cidade. Hoje, pensamos em irradiar do Estelita para a cidade, e a ideia é espalhar durante esse período atividades e ações na cidade do Recife como um todo”, afirma.
Uma das pautas é o despejo provocado pela especulação imobiliária, que vai ser tema de uma audiência pública. A advogada Luana Varejão faz uma comparação com a Vila Esperança, no bairro do Monteiro, para falar sobre o que pode ser o futuro em comunidades próximas ao Novo Recife, como o Bode e o Coque.
“Naquele momento, 10 anos atrás, a gente alertava para o grande perigo que a especulação imobiliária naquele território poderia gerar, em relação a despejos nas comunidades do entorno a longo prazo. Esses despejos ainda não aconteceram, porque é algo que acontece só depois de um tempo histórico mais longo. Mas, por exemplo, estamos vendo o que acontece nos últimos três anos com a Vila Esperança. É exatamente o que alertamos que pode vir a acontecer com o Estelita”, diz Varejão.
Nos últimos dez anos, o cais José Estelita foi o foco de vários processos judiciais. Segundo Varejão, praticamente todos já foram arquivados. Mas ainda há algumas formas de se tentar ganhar mais valor público para o local. A ativista cultural Carol Vergolino, ex-codeputada pela Juntas, afirmou na reunião que se está analisando a possibilidade de se criar um corredor para as agremiações de carnaval no cais. “As agremiações sempre quiseram um lugar fixo, e está se levantando o debate sobre o uso de um dos galpões para esse corredor”, afirmou.
Militante do MTST e do Ocupe Estelita, a arquiteta e urbanista Cristina Gouveia vê o movimento como um legado não só no ativismo social, mas também no discurso sobre a cidade. “Quando a gente vê hoje um prefeito que fica usando como propaganda o fato de ir de bicicleta para a prefeitura, isso é uma bola que o Estelita levantou. O Estelita ajudou muito a gente ver que um problema da cidade está relacionado com o outro. As pautas, não são isoladas, elas se conectam. O transporte de bicicleta, por exemplo, é uma das principais formas que a população de baixa renda se transporta na cidade. E a hora que a gente abre espaço para isso, está reconhecendo soluções que a própria cidade já tem, mas que normalmente a gente deixa de olhar”, diz.
Quem passa hoje pelo Estelita e vê os prédios enormes construídos não deve achar que o movimento fracassou. “Aquele letreiro ‘Ressignificar’ que colocaram lá, eu acho de uma cara de pau… mas acho que tem a ver com essa conversa de quem ganhou e quem perdeu nessa história. O fato de eles estarem construindo torres lá pode parecer uma vitória, mas pensa no tamanho que essas construtoras têm, a ingerência que eles têm dentro do poder público. E se agora, dez anos depois, eles ainda estão precisando responder a essa luta, é porque essa luta criou um chão comum de reflexão sobre a cidade”, afirma Gouveia.
“Tem um legado que tem a ver com estratégias de luta, tem um legado que tem a ver com esse momento em que todas essas pessoas estiveram conectadas e que através dessa rememoração podem se reconectar de novo, como estamos fazendo agora. Tem um legado que é do discurso e tem um outro legado que é em relação àquele terreno mesmo”, acrescenta a ativista. Uma das vitórias do movimento foi a diminuição do gabarito (altura) de alguns prédios e mais área pública em frente aos prédios, sem muros.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org