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Nesta terça-feira (13) faz dez anos do acidente do avião modelo Cessna 560XL sobre uma área residencial da cidade de Santos, em São Paulo. Na aeronave, além de dois pilotos, estavam Eduardo Campos, dois assessores e dois integrantes da equipe de comunicação do presidenciável do PSB. Era manhã de quarta-feira. Assim, de forma súbita, foi interrompida a trajetória de um político experiente e, ao mesmo tempo, considerado promissor para a vida pública. Eduardo morreu três dias depois de completar 49 anos.
“Muitas vezes é fácil a gente falar das pessoas quando morrem. Parece que todo mundo fica bom. Mas Eduardo era excepcional”. Foi assim que o então ex-presidente Lula definiu o amigo nas primeiras declarações à imprensa, após a confirmação de que não havia sobreviventes no acidente aéreo. Daquele 13 de agosto de 2014 para cá, muitas outras coisas surpreendentes aconteceram na política brasileira.
Para marcar uma década sem Eduardo Campos, a Marco Zero decidiu conversar com pessoas que gozaram da confiança do homem que governou Pernambuco de janeiro de 2007 a março de 2014. Algumas dessas histórias contadas à reportagem estão reunidas aqui, para ajudar a explicar quem foi o político cuja capacidade de atuação era reconhecida até por adversários. Traçar um perfil de Eduardo Campos é também recontar parte da história recente de Pernambuco e do Brasil.
Eduardo Henrique Accioly Campos nasceu no dia 10 de agosto de 1965, no Recife. É o primeiro de dois filhos de Ana Lúcia Arraes de Alencar e do escritor Maximiano Accioly Campos.
Impossível falar de Eduardo Campos sem também falar de Miguel Arraes de Alencar, seu avô materno e maior referência política. A ditadura instaurada no Brasil com o golpe de 1964, quando Eduardo não era nascido, privou o neto do convívio com o avô. O governador eleito foi deposto pelos militares naquele 1º de abril, dois anos após derrotar João Cleofas, candidato da conservadora União Democrática Nacional. A diferença foi de 13.353 votos (2,4% dos válidos).
À época, Arraes representava uma ameaça “comunista” para latifundiários, por conta de posições em favor de trabalhadores rurais. Como se negou a fazer concessões aos militares, foi imediatamente deposto do Palácio do Campo das Princesas e levado à ilha de Fernando de Noronha, onde passou 11 meses preso, até ser solto por um habeas corpus. De lá, fez uma parada em Niterói, no Rio de Janeiro, até seguir para o exílio do outro lado do Atlântico.
Eduardo tinha nove anos quando conheceu o avô em Argel, capital da Argélia, para onde sua mãe, tios e primos viajaram para encontrar o ex-governador exilado. Era o período de férias de verão no hemisfério norte e o Brasil disputava a Copa do Mundo de 1974.
Depois disso, Eduardo só voltaria a ver o avô cinco anos depois, quando o anistiado Arraes desembarcou no aeroclube do Pina, na Zona Sul do Recife, vindo do Crato, no Ceará, em um “teco-teco”. O avião de pequeno porte e o local de chegada incomum foram a opção considerada mais segura, pois a família e aliados temiam um atentado no aeroporto ou mesmo no jato comercial que o traria à capital pernambucana.
A multidão que recepcionou o avô teria impressionado o adolescente. A partir daí, ele colou em Arraes. A proximidade das duas casas, separadas apenas por uma cerca, no bairro do Poço da Panela, na zona norte do Recife, ajudou bastante.
O jornalista Evaldo Costa, que atuou como secretário de Imprensa de ambos no Governo de Pernambuco, relata o que ouviu do próprio Eduardo: “Arraes não só permitia a presença do neto em reuniões com lideranças políticas, como chegava a pedir a opinião do adolescente. Quando Eduardo discordava de algo, o avô demonstrava interesse em ouvir os argumentos”.
Arraes e Eduardo estão unidos também na data do falecimento. No mesmo 13 de agosto, nove anos antes, Arraes morreu, aos 88 anos. O ex-governador passou 59 dias internado em UTI por conta de uma infecção pulmonar. Com a morte de Arraes em 2005, Eduardo assumiu a presidência nacional do PSB.
Era época de veraneio na praia de Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, quando Eduardo e Renata se conheceram e começaram a namorar ainda muito jovens, no final da década de 1980. Ele foi o primeiro namorado dela e ela, a primeira namorada dele. Seguiram juntos por mais de 30 anos, numa relação de amor e companheirismo.
Discreta, ela se constituiu como a pessoa que mais o influenciava. Eduardo a chamava, carinhosamente, de “dona Renata”. No governo do marido, ela comandou o Mãe Coruja Pernambucana. O programa foi considerado referência na área materno-infantil e premiado pela Organização das Nações Unidas.
A diferença de idade dele para ela era de dois anos. Casaram-se e tiveram cinco filhos. A única mulher, Maria Eduarda, é também a mais velha. Nasceu em 1992. No ano seguinte, veio João Campos, atual prefeito do Recife. Em 1995, Pedro Campos, hoje deputado federal.
Eduardo mantinha um ritmo intenso de trabalho. Mesmo assim, garantia também momentos com a família. Isso era algo inegociável. A presença assídua nas atividades do colégio dos filhos gerava comparações por parte de outras famílias e uma espécie de cobrança sobre pais ausentes.
Certa feita, uma mãe que assistia a uma apresentação escolar sacou o celular da bolsa, ligou ali mesmo para o marido e passou-lhe um carão. “Sabe quem está aqui? O governador do estado! E você não veio porque disse que estava muito ocupado”.
Em 2004 Renata Campos deu à luz o quarto filho do casal, José Henrique. O caçula, Miguel, nasceu no dia 28 de janeiro de 2014.
Pouco mais de seis meses após o nascimento do quinto filho do casal Eduardo e Renata, a TV Globo interromperia a programação dos telejornais locais para entrar com o jornalista Evaristo Costa, da bancada do Jornal Hoje.
“O secretário-geral do PSB confirmou ao repórter Gerson Camarotti, da Globo News, que o candidato à Presidência da República pelo PSB, Eduardo Campos, estava a bordo do jato que caiu hoje em Santos, no litoral de São Paulo”.
Os primeiros informes davam conta de que Renata e Miguel também estariam a bordo, o que depois foi corrigido. No dia anterior ao acidente aéreo, é verdade que ela estava com o marido no Rio de Janeiro. Acompanhava-o numa agenda importante: a entrevista como candidato a presidente ao Jornal Nacional, da Globo. Foi a última aparição pública de Eduardo.
Do Rio, pela manhã Renata e o bebê embarcaram num voo comercial de volta ao Recife. A candidata a vice na chapa com Eduardo, Marina Silva, sim embarcaria com o aliado naquele voo. Mas acabou indo para São Paulo com assessores em uma aeronave de carreira. Ela sucedeu o aliado como candidata a presidente.
No sábado (16), por volta das 23h, pousou no aeroporto do Recife o avião que trouxe os restos mortais de Eduardo, do jornalista Carlos Percol, do fotógrafo Alexandre Severo e do cinegrafista Marcelo Lyra. Fotógrafos e repórteres se espremiam numa área delimitada na pista para registrar a chegada.
O caixão do assessor político Pedro Valadares Neto foi levado em seguida para Aracaju (SE) na mesma aeronave. Outros dois aviões também viajaram. Um deles seguiu para Maringá (PR), levando os restos mortais do piloto Marcos Martins. A outra aeronave, com o caixão do copiloto Geraldo Magela da Cunha, desceu em Governador Valadares (MG).
Eduardo ingressou aos 16 anos na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e passou a fazer parte do movimento estudantil. Quem conviveu com ele nessa época conta que ali já era possível perceber um jovem com capacidade de comunicação e liderança acima do comum. Tanto é que foi eleito presidente do diretório acadêmico do curso de Economia e escolhido orador da turma na formatura de graduação, aos 20 anos.
O envolvimento com a primeira campanha eleitoral aconteceu nessa fase da vida. Em 1982, ele, Renata Campos e um grupo de jovens amigos entraram para a militância da campanha de Miguel Arraes. Naquele ano, Roberto Magalhães foi eleito governador de Pernambuco, com Gustavo Krause na vice, pelo PDS. Derrotou Marcos Freire (PMDB).
O Partido Democrático Social (PDS) havia sido criado após o fim do sistema que permitia o funcionamento de apenas dois partidos. Sucedeu a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e passou a ser a principal legenda da direita no estado.
No PMDB, partido mais forte da centro-esquerda, a eleição de 1982 era campo também de outro teste de força política e eleitoral: Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos disputaram intensamente quem seria o deputado federal mais votado do estado.
Arraes levou a melhor, com 191.471 votos. Jarbas contabilizou 172.004 sufrágios. O terceiro mais votado daquele pleito, Antônio Farias (PDS), ficou bem atrás da dupla, com 83.202 votos.
Aquela eleição deixaria sequelas pelos 25 anos seguintes, pois Jarbas e Marcos Freire, que em Pernambuco controlavam o principal partido de oposição à ditadura, barraram a candidatura de Arraes, que voltara há pouco do exílio com a aura de herói.
Aqui cabe um adendo: se Arraes é a maior referência política de Eduardo, é possível dizer que Jarbas Vasconcelos é o principal antagonista. O neto herda do avô uma relação complexa e de desconfiança mútua com o então correligionário, que mais tarde será de rompimento político e duros ataques.
Organizar a agenda de um candidato é uma das tarefas mais estratégicas numa eleição, principalmente majoritária. Quem assume essa função é, em geral, alguém com experiência e discernimento para definir o que é importante ou não o candidato fazer ou com quem deve encontrar nas diversas etapas do processo.
Em 1986, coube a Eduardo, com apenas 21 anos, desempenhar esse papel na vitoriosa campanha de Arraes para governador de Pernambuco. De quebra, avô e neto ainda arrastaram a eleição dos dois senadores da Frente Popular de Pernambuco (Mansueto de Lavor e Antônio Farias).
Antes dali, Eduardo havia exercido a função de chefe de gabinete na prefeitura do Recife, sob administração de Jarbas. Três anos depois, o jovem economista assumiria a chefia de gabinete do seu avô no Palácio do Campo das Princesas.
“Cuidado com o menino de Arraes”. A frase é atribuída a Roberto Magalhães, que a teria repetido em algumas ocasiões para aliados. O alerta, de certa forma, era um reconhecimento à capacidade política e organizativa de Eduardo.
Em 1990, Eduardo foi candidato pela primeira vez em uma eleição. Concorreu e conquistou um mandato de deputado estadual pelo PSB. Poderia ter integrado a “chapinha de Arraes” e sido facilmente eleito para a Câmara Federal, mas quem conviveu com os dois conta que o avô, apesar de ouvir bastante o neto, também não dava-lhe todas as facilidades.
Naquele ano, Miguel Arraes impôs uma condição ao neto: não poderia “invadir” territórios de nenhum dos aliados e apoiadores. Eduardo foi o terceiro mais votado, com 22.477 votos. Joaquim Francisco, pelo Partido da Frente Liberal, derrotou Jarbas Vasconcelos (PMDB) para governador.
Dois anos depois, em 1992, aconteceu um fato hoje pouco lembrado na biografia de Eduardo Campos: a eleição municipal do Recife. Arraes o indicou a Jarbas para ser seu companheiro de chapa. Mas o peemedebista disse não e Eduardo, então, foi lançado candidato pelo PSB. Ficou em quinto entre seis postulantes. Trinta e dois anos depois, seu filho mais velho é hoje o prefeito da cidade.
Em 1994, Arraes venceu, de novo, as eleições para o governo. Superou Gustavo Krause (PFL). Eduardo foi eleito para o primeiro mandato como deputado federal. Licenciou-se do cargo para integrar o secretariado do avô. Naquele ano, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também era eleito presidente da República.
A relação política e administrativa entre FHC e Arraes foi conflituosa. O governador enfrentava uma crise financeira e administrativa e acusava o presidente de discriminar Pernambuco. “O Governo Federal liberou recursos para 17 estados, mas negou para nós”, disse ele, numa entrevista à Rádio Jornal de Caruaru, no Agreste.
Arraes se referia aos recursos da privatização da Celpe. O governo estadual aguardava a antecipação de parte desse dinheiro. Mas os adversários jogaram para segurar o repasse e fizeram uma consulta ao Tribunal de Contas da União. O governador revidou, chamando o presidente de “ventríloquo do PFL”. No seu livro de memória, anos depois, Fernando Henrique admitiu que recebeu pressão de aliados para dificultar a vida do governador de Pernambuco.
“Eles têm raiva porque conseguimos equilibrar as finanças do estado. Agora querem fazer mistério com isso. Essa questão dos precatórios já foi julgada”, seguiu Arraes, na mesma entrevista no rádio, se referindo à operação que ganhou dos opositores e da imprensa o nome de “escândalo dos precatórios”.
Por meio da venda de títulos públicos para pagar precatórios (dívidas resultantes de sentenças judiciais), o governo arrecadou cerca de R$ 400 milhões. Desse montante, R$ 71 milhões foram usados para o pagamento do 13º salário da administração direta. “Todas as operações foram legais”, frisou trecho de nota divulgada à época por Eduardo como secretário da Fazenda.
Mas o estrago já estava feito. Em dezembro de 1996, o Senado instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar possíveis irregularidades na emissão de títulos. A fraude consistia na negociação desses papéis para arrecadar dinheiro. Na mira, estavam os estados de Pernambuco e Santa Catarina.
Com o envolvimento da gestão Celso Pitta na prefeitura de São Paulo, porém, o caso ganhou destaque nacional. Aos 31 anos, Eduardo se viu como depoente numa CPI. Politicamente, aquele caso ainda iria perturbá-lo bastante.
Com baixa popularidade, Arraes se viu obrigado a disputar a reeleição. Era preciso fazer a defesa daquele projeto político e o governador, aos 81 anos, já havia dado provas de resiliência ao longo da vida. No pêndulo da política local, estavam em alta Jarbas Vasconcelos e sua aliança inédita com o PFL, que Arraes classificou como “o caminho da perdição”.
Os arraesistas haviam se transformado em sinônimo de “atraso”. A cobertura da mídia e a forma como os adversários exploraram o caso ajudam a explicar o fenômeno. E as urnas refletiram esse sentimento. Jarbas venceu por uma diferença até então inédita, de exatos 1.065.512 votos.
Eduardo foi eleito o deputado federal mais votado de Pernambuco. Mas o feito de pouca coisa adiantou. O momento era difícil e, no ano seguinte, ele decidiu se mudar com a mulher e os três filhos para Brasília. Quando vinha ao Recife, preferia pousar no aeroporto de João Pessoa (PB) ou Natal (RN). Queria evitar ser hostilizado no voo ou no salão de desembarque. Dois amigos íntimos se revezaram na tarefa de buscá-lo de carro e trazê-lo em paz.
Arraes se impôs um período sem aparições públicas e o PSB sofreu uma debandada em Pernambuco. Dos mais de 100 prefeitos do partido, ficaram apenas 12 deles. Eduardo Coutinho em Água Preta, na Mata Sul, Antônio de Pádua em São João, no Agreste, Ângelo Ferreira em Sertânia e Cleuza Pereira em Salgueiro, no Sertão, foram alguns dos aliados fiéis.
Arraes quebrou a reclusão em agosto de 1999. Com o neto, esteve ao lado do prefeito Eduardo Coutinho na inauguração de um conjunto residencial com 68 casas em Água Preta.
O pleito de 2002 se aproximava e Eduardo vivia um dilema. Pensou em se candidatar ao governo. Chegou até a formar um grupo de trabalho com pessoas da sua confiança. Mas sabia que Arraes seria contra. O avô acreditava que era preciso, antes, vencer o caso dos precatórios no Supremo Tribunal Federal, o que aconteceu em novembro de 2003. Outra derrota, naquele momento, poderia ser um baque grande demais.
Eduardo também chegou a cogitar a possibilidade de lançar-se candidato ao Senado. Pesquisas encomendadas pelo partido indicavam que a vitória era possível, apesar de pouco provável. Eduardo chegou a apresentar os números do levantamento para seu avô.
“É, os números não são ruins. Mas, pense bem: você pode perder essa eleição?”, questionou Miguel Arraes. Eduardo saiu pensativo. Outra possibilidade seria fazer uma jogada mais segura e mirar a Assembleia Legislativa para ajudar o PSB a eleger uma bancada numerosa, capaz de enfrentar o jarbismo.
Tentar mais um mandato federal parecia arriscado, pois seu avô também se organizava para voltar à Câmara Federal. Por isso, havia o temor de não haver votos suficientes para eleger os dois. Seria a primeira vez que avô e neto concorreram para o mesmo cargo da mesma eleição.
Os colunistas de política noticiavam essas perspectivas, ressaltando sua hesitação.
Eduardo contava aos amigos que o encontro com um personagem anônimo forçou a tomada de decisão. Foi no encerramento de um evento do PSB em Pesqueira, quando um senhor desses que gravita em torno da política do interior o chamou para conversar. Com um pé na parede, o homem disse assim:
– Deputado, o senhor vai ser candidato a quê? Ora o jornal diz que o senhor vai sair pra senador, ora diz que vai ser pra deputado… vou lhe dizer uma coisa que aprendi com meu pai: gato que fica de olho em dois ratos não pega nenhum”.
Eduardo voltou ao Recife e, no outro dia, foi direto à casa de doutor Arraes informar que seria candidato a federal. Disse para o avô ficar com as bases eleitorais históricas do partido, enquanto ele se viraria para construir uma rede própria de cabos eleitorais e aliados.
Os dois foram eleitos. O avô com mais de 181 mil votos, o neto com pouco menos de 70 mil. Naquele ano também, na quarta vez que disputou a Presidência da República, Lula foi eleito pelo PT e o PSB integrou o governo.
Para a pasta de Ciência e Tecnologia, Arraes preteriu o neto, de novo, e bancou a indicação de Roberto Amaral, que deixou o cargo pouco antes da primeira reforma ministerial do governo. O presidente se antecipou e o substituiu por Eduardo em janeiro de 2004. Tinha início ali um ponto forte na relação íntima com Lula.
O contexto para lançar a candidatura que o levou ao governo de Pernambuco era pantanoso. Naquele momento, ser candidato pelo PSB numa eleição em que o PT teria candidato implicaria abrir mão de ter o presidente Lula em seu palanque. Era um “imprensado”, como se diz na gíria política. Mas Eduardo se mostrava decidido.
No início daquele ano, o então prefeito do Recife João Paulo era considerado o nome mais forte do PT, mas quem acabou sendo indicado candidato foi Humberto Costa. Antes disso, João Paulo e Eduardo tiveram uma conversa ao pé da escada do terraço da casa da família Campos, no bairro de Dois Irmãos. Era início de noite, Eduardo havia acabado de chegar de uma viagem oficial como ministro.
“- Você vai ser candidato?”
“- Ainda não sei, tem que ver com o partido…”
“- Se eu fosse você, eu sairia pra governador. Se eu estivesse no lugar em que você está, seria candidato. Do lugar em que estou, que não é assim tão bom, eu vou ser, mesmo que seja para perder”.
O PT indicou Humberto Costa e, mais à frente, Lula tomou a decisão de subir no palanque dos seus dois ex-ministros. Contrariando correligionários, o presidente alegou que a sua reeleição e um provável segundo governo precisavam do PSB. Situação parecida com o atual contexto nacional.
Eduardo, então, montou uma chapa com o PDT na vice, com a indicação de João Lyra Neto, pai da hoje governadora Raquel Lyra. Atraiu também dois aliados de primeira hora: o PL de Inocêncio Oliveira e o PP de Severino Cavalcanti. Ambos eram deputados federais veteranos, com histórico de atuação na direita e uma imagem pública já desgastada.
Naquela eleição, Severino estava no centro das atenções. Viu-se forçado a renunciar à presidência da Câmara dos Deputados, ferido pela publicação de uma cópia do cheque que seria a prova de que teria cobrado propina a um empresário em troca da concessão para o funcionamento de um restaurante nas dependências da Câmara.
O acordo do PSB com Severino incluía uma exigência: o parlamentar teria algum apoio, mas não apareceria nos programas do programa de televisão, para que não fosse fornecida munição aos adversários.
Certa vez, num comício, Severino compareceu ao evento meio que sem avisar. Como não era possível deixá-lo embaixo do palanque, foi preciso montar uma fileira de aliados, posicionados lado a lado, para que cobrisse a baixa estatura do folclórico ex-presidente da Câmara Federal.
Os socialistas acreditavam que o Jornal do Commercio queria dar destaque demasiado à foto de Severino ao lado de Eduardo. O periódico era visto como apoiador da reeleição de Mendonça Filho governador. Ana Arraes e o então deputado João Fernando Coutinho foram duas das pessoas que ajudaram a formar a barreira à frente do deputado do PP.
Naquele 2006, Eduardo iniciou distante de qualquer favoritismo. Era o terceiro nas pesquisas, bem atrás de Mendonça e Humberto. Fazia campanha com a chamada “tribuna 40”. Um caixote de madeira amarelo e com o número do candidato. De cima dele, discursava em praças e locais públicos.
Humberto, que havia sido ministro da Saúde, foi atingido pelo indiciamento no caso que ficou conhecido como a “máfia dos vampiros”. Ele reclamou de um “complô”. Mas o prejuízo eleitoral já havia sido computado nas pesquisas de intenção de voto.
O petista entrou na mira do método e da máquina de propaganda da União Por Pernambuco, como era chamada a coligação do PMDB e PFL, agora também com o reforço do PSDB e PPS. A mesma artilharia que alvejou Eduardo anos antes, no caso dos precatórios, tirava agora o petista da disputa.
À época, circulou a informação de que o marqueteiro Antonio Lavareda acreditava que era mais estratégico eliminar logo Humberto do jogo, pois Eduardo seria um adversário mais fácil de bater no segundo turno. Faltou combinar com o povo. Derrotado, Humberto se posicionou. “Meu apoio será integral a Eduardo Campos”. O candidato do PSB seguiu na crescente e venceu Mendonça com 65,3% dos votos válidos.
Em 2010, o governador foi reeleito no primeiro turno. Derrotou o senador Jarbas Vasconcelos, naquele que foi um momento de gozo para os socialistas. Eduardo devolvera a surra eleitoral de 1998, que Jarbas deu em Arraes por mais de um milhão de votos. O troco do neto foi acachapante, por uma diferença muito maior: exatos 2.865.150 votos – ou 82,8%, superando o recorde de 72% obtido por Etelvino Lins no distante ano de 1952.
Após a euforia da vitória, o governador passou a ter a pretensão de ser uma unanimidade em Pernambuco. Acreditava ser essa uma das condições para a consolidação da futura candidatura à Presidência da República. O avô, naquela altura já falecido, costumava pensar o contrário. Dizia que “precisava de adversários para o povo saber quem nós somos”.
Resolver-se “por cima” com o senador seria forte o suficiente para Eduardo provocar um efeito cascata sobre as disputas municipais e a Assembleia Legislativa. O governador, então, decidiu pedir ao Supremo Tribunal Federal que arquivasse duas representações criminais por calúnia que havia movido contra Jarbas.
A MZ teve acesso à cópia da petição assinada pelos advogados de ambas as partes. O documento é simples, de apenas uma página, mas funcionou bem como uma ferramenta milagrosa naquela complexa engrenagem política.
Eduardo queria mais do que fazer um aceno a Jarbas. Desejava propor uma aliança. Parceria fechada para 2014, quando Jarbas indicou Raul Henry (PMDB) para a vice de Paulo Câmara para o Governo do Estado.
Em 2013, outro passo para se tornar unanimidade foi agradar aos deputados gregos e troianos: enviou à Assembleia Legislativa proposta de emenda constitucional que tornou as emendas parlamentares impositivas ao orçamento do Executivo. Em seguida, seu governo criou um fundo especial para o “desenvolvimento municipal” e distribuiu R$ 241 milhões para as prefeituras pernambucanas, indo além do repasse obrigatório do Fundo de Participação dos Municípios.
Torcedor do Náutico, não era um alvirrubro assíduo. Aqueles que conviveram com Eduardo seja como amigo, assessor, colaborador ou aliado político são unânimes em apontar que ele era mais interessado em rir do que em futebol. O bom humor como um de seus traços marcantes. O homem adorava contar e escutar piadas. Gargalhava fácil.
“Algumas imitações ele fazia na frente da pessoa. Eu mesmo, ele imitava na minha frente. Outras imitações, ele só fazia quando a pessoa dava as costas. Mas, uma coisa é certa: ele imitava todo mundo! E fazia bem, era muito engraçado”, conta, divertindo-se, Evaldo Costa, alvo preferencial do bullying eduardista.
As imitações envolviam pacote completo: sotaque, modo de falar e trejeitos. Às vezes, Eduardo dava a impressão de gostar mais de plateia para testemunhar suas imitações, causos e piadas do que escutar discursos políticos.
O bom-humor somado a outros atributos lhe renderam a imagem de um político sedutor. E esse é um capítulo, mais à frente, à parte. Políticos desejavam fazer parte do grupo restrito que desfrutava de momentos de descontração com o governador, às vezes com direito a uma dose de uísque, boa conversa e muitas risadas.
Eduardo zelava por sua imagem pública. Um exemplo disso é que era fumante, mas não permitia ser visto por pessoas fora da sua intimidade ou fotografado com cigarro na mão.
No primeiro mandato como governador, compareceu ao casamento da filha de Sérgio Guerra e Neném Brennand. Conversava com repórteres que cobriam o evento, quando pediu licença e caminhou pelo extenso gramado, até sair da vista dos jornalistas. Após dispensar o cigarro, voltou e retomou a conversa.
Três pessoas eram responsáveis pela agenda de Eduardo Campos como governador de Pernambuco: Evaldo Costa, Tadeu Alencar e Renato Thiebaut. A parte mais trabalhosa era convencê-lo a receber políticos ou empresários com quem não simpatizava ou se sabia que pretendiam fazer pedidos difíceis de serem atendidos.
Demorava dias até ele aceitar conceder algumas audiências que a equipe julgava relevante para o momento. Houve ocasiões em que a pessoa estava na sala de espera há horas, mas ele ainda protelava, questionando “vou ter de conversar com esse cara mesmo?”. Quando finalmente recebia, ele não liberava o interlocutor até perceber que ele estava encantado”.
Assim, audiências previstas para durar 15 minutos poderiam passar de uma hora. Bastava que resolvesse contar piada ou lembrar causos passados na terra natal do visitante. “A pessoa que tinha ido lá para pedir algo, saía da sala se sentindo grato e devedor”, diverte-se Evaldo Costa.
Os deputados estaduais, mesmo os da oposição, vinham de oito anos tendo que lidar com o estilo sisudo de Jarbas, eram recebidos por um governador que começava a conversa perguntando como estava a saúde da mãe e dos filhos. Para além dos olhos verdes, a diferença no trato era sedutoramente perceptível.
As histórias dos bastidores do Palácio do Campo das Princesas retratam um lugar com intenso movimento de secretários, lideranças políticas, parlamentares e amigos. De amigos, principalmente. Eduardo não abria mão de tê-los por perto.
As luzes do gabinete do governador e das salas adjacentes ficavam acesas até de madrugada. Quando precisava tomar uma decisão ou decidir algum problema grave, Eduardo convocava seus colaboradores diretos. O chefe de gabinete Renato Thiebaut, o então procurador-geral do Estado, Tadeu Alencar e Evaldo Costa figuravam nesse grupo.
A depender da gravidade do assunto, o círculo chegava a incluir sete ou oito pessoas. Danilo Cabral, na época secretário de Educação, e Geraldo Julio, então secretário de Planejamento, também eram acionados.
As primeiras horas dessas reuniões que varavam a madrugada eram intensas, depois o ritmo ia caindo. Alguns bocejavam e se queixavam:
“- Eduardo, a essa hora não vai sair nada que preste dessa conversa. Vamos deixar pra amanhã…”
Invariavelmente, quem dizia isso, ouvia como resposta “Não, não vou embora daqui sem um caminho pra gente resolver isso”.
“Tem gente que leva problema para casa, que leva problema para passear, para almoçar, que dorme com o problema. Eu não dou intimidade a problema”. Esse era um dos seus bordões prediletos.
Campos escutava mais gente além dos assessores. Ele sabia que, por conta do vínculo hierárquico, alguns deles se esquivavam de críticas mais sinceras e contundentes às posições do chefe. Para isso, ele contava com dois interlocutores. Um deles era o deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB), seu amigo mais próximo. Os dois, que se conheciam desde a campanha pelas eleições Diretas, em 1984, se tratavam como irmãos.
O outro era um personagem surpreendente: Sérgio Guerra, à época aliado de Jarbas Vasconcelos e senador pelo PSDB, partido que lhe fazia oposição em Pernambuco.
Só uma coisa era capaz de interromper ou adiar esses encontros: se um dos filhos estivesse doente ou tivesse uma apresentação na escola. Aí, realmente, a solução do problema ficaria para depois.
A decisão de lançar Geraldo Julio à prefeitura do Recife, em 2012, levou quase quatro meses. O primeiro mês de discussões foi para definir se o PSB teria candidato próprio, o que romperia a aliança com o PT. Vencida essa questão, restava saber quem seria o nome.
Mensurar os prós e os contras de Geraldo, Tadeu Alencar, Danilo Cabral e do médico Antônio Carlos Figueira, que morreu em dezembro do ano passado e, na época, era secretário de Saúde.
Coube a Evaldo Costa providenciar a gravação de uma entrevista fictícia com cada um dos postulantes para verificar quem se sairia melhor diante das câmeras. O exercício em vídeo serviu para descartar o nome de Figueira, o mais acanhado, mas não foi decisivo para resolver a questão.
“Talvez aquele tenha sido o tema que mais se arrastou, eram reuniões intermináveis”.
O processo de decisão de Eduardo Campos incluía um método pouco usual. Era comum ele segurar na sala o rapaz ou a senhora que serviam cafezinho no Palácio para ouvir a impressão deles. Ele perguntava ‘se a gente fizer assim ou assado, a senhora acha que vai dar certo?’”. Inicialmente, os funcionários se calavam, assustados com a pergunta feita pelo mandatário. Com o tempo, se acostumaram e não se furtavam a dar seus pitacos. Era assim que ele testava as teses do seu grupo político, além das pesquisas, pois era notório que Eduardo e o grupo duro no seu entorno monitoravam as demandas e as respostas aos temas com várias pesquisas qualitativas e quantitativas ao ano.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.
Com 19 anos de atuação profissional, tem especial interesse na política e em narrativas de defesa e promoção dos direitos humanos e segurança cidadã.