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Na manhã desta segunda (4), a comunidade quilombola de Ilha de Mercês, em Suape, Ipojuca, Litoral Sul de Pernambuco, fechou, em protesto, por volta das 6h, a principal rotatória que dá acesso ao complexo industrial portuário. A comunidade, onde vivem mais de 200 famílias, exige que Suape se comprometa a não remover nenhuma família de Mercês e que abandone as ações de reintegração de posse contra moradores do quilombo e demais territórios. Dezenas de famílias pescadoras também se juntaram ao protesto para exigir o pagamento de auxílio dragagem que havia sido negado pela administração de Suape.
Em setembro, Suape e Universidade de Pernambuco (UPE) assinaram um convênio para a “realocação e preservação cultural dos remanescentes do Quilombo Ilha de Mercês“. Segundo o comunicado conjunto das duas instituições na época, a intermediação do Instituto de Apoio à Universidade de Pernambuco (Iaupe) garantiria participação ativa da comunidade, do planejamento à implementação do processo que recebeu o nome de “Raízes em Movimento: projeto de realocação e preservação cultural dos remanescentes do Quilombo Ilha de Mercês”. A comunidade, porém, não aceita o projeto.
Além disso, o protesto reúne outras comunidades pesqueiras de Ipojuca que exigem que Suape pague o auxílio dragagem a outras famílias 89 pescadoras de Ipojuca que foram afetadas mas que tiveram o benefício negado. O valor do auxílio é um salário mínimo e uma cesta básica. A comunidade reivindica também que o complexo não realize dragagens no verão, período mais prejudicial ao ecossistema marinho, obedecendo a uma determinação da Justiça Federal; e desenvolva estudos de impacto ambiental referentes ao despejo de efluentes feito pelas empresas que compõem o complexo.
Pescadores e quilombolas assinam uma carta-protesto com diversos pontos que será entregue à Suape para uma tentativa de negociação.
Marinalva Maria da Silva, uma das lideranças da comunidade quilombola, contou que a “avó morou em Mercês desde que nasceu, em 1912, sem contar o tempo da mãe dela que já vivia aqui. E, hoje, a refinaria joga uma água podre que desce para o mangue matando tudo, contaminando o pescado que a gente come, imagina o que vai acontecer com a gente depois?”. Segundo ela, por causa das dragagens, se tornou impossível pescar porque há áreas tão assoreadas onde só dá para passar descendo da jangada, ficando em pé na lama e empurrandio a embarcação.
A líder quilombola explicou que as famílias de moradores não têm informações do local para onde Suape quer realocá-las: “eles estão achando que vamos sair de um lugar onde temos a barriga cheia pra passar fome lá fora? Eu já passei uns tempos morando em rua, eu sei o que é rua. Aqui é diferente. Eu vou lutar até morrer por meu território”.
À frente do bloqueio que impediu o acesso de veículos ao complexo portuário, Ednaldo de Freitas, conhecido como Nal Pescador, presidente da Associação de Pescadores e Pescadoras, deu entrevista explicando que estavam “protestando contra as violações de direitos por parte do Complexo Industrial Portuário de Suape, que há mais de 40 anos vem desrespeitando os territórios, desrespeitando a pesca, desconsiderando pescadores, obrigando pescadores pagando pra passar em pedágio, ameaçando deslocar uma comunidade do seu ambiente natural pra ser colocada ninguém sabe aonde dentro da cidade, onde não tem renda pra essas famílias”.
Enquanto faixas com as frases “Nenhum mangue a menos – nenhuma dragagem a mais” eram colocadas na estrada, Nal Pescador relatou que as famílias de Mercês foram surpreendidas pelo anúncio do convênio firmado entre a administração do complexo e a UPE: “não ouviram a comunidade, ficamos sabendo quando saiu no Diário Oficial. Em nenhum momento a comunidade quilombola de mercês foi chamada para participar de qualquer conversa ou diálogo como seria a realocação”.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa de Suape. Pouco depois do meio-dia, a assessoria de Suape enviou uma nota oficial sobre o protesto. A íntegra da nota segue reproduzida abaixo:
A empresa SUAPE – Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros esclarece que mantém, permanentemente, diálogo com representantes das colônias de pescadores Z-08 e APPPACSA, ambas do Cabo de Santo Agostinho, e da comunidade Ilha de Mercês, situada em Ipojuca, com o intuito de resolver em conjunto questões que possam afetar o bem-estar dos trabalhadores e dos moradores da localidade.
A direção da estatal portuária tem canal aberto de negociação com os representantes legais dos pescadores e da comunidade, sempre se colocando à disposição para a realização de encontros presenciais que resultem em acordos benéficos para as partes envolvidas.
Apesar de manter diálogo aberto com as comunidades, em momento algum, foi comunicada, previamente, sobre a realização de protesto que resultou no bloqueio da rodovia PE-009, nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira (4), trazendo transtornos para o funcionamento do porto e para a sociedade.
Tão logo tomou conhecimento da manifestação, representantes da empresa se dirigiram ao local para propor que os protestantes formassem uma comissão para estabelecer o diálogo e tentar encontrar uma solução para o impasse, pondo fim à interdição da rodovia.
A empresa esclarece que, em cumprimento à condicionante constante em autorização ambiental para dragagem do canal externo do porto, vem realizando o pagamento de auxílio mensal de R$ 1.412 a 377 a pescadores, além de cesta básica. Do total de cadastrados, 234 são beneficiários da Colônia Z-8 e já receberam as dez parcelas acordadas. Os demais pescadores beneficiários já receberam três parcelas do auxílio, restando mais sete pagamentos a serem realizados. Para honrar o acordo, a empresa Suape aportou, até o momento, o total de R$ 2.824.080 para a Colônia Z-08 e R$ 571.860 para a APPPACSA em pecúnia.
O auxílio mensal aos pescadores foi uma das condicionantes para emissão da licença ambiental de nº 04.23.10.009098-4), pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), para a obra de dragagem do canal externo, tendo sido os seus critérios de pagamento acordados formalmente entre as partes. A intervenção, iniciada em dezembro de 2023, foi concluída em abril de 2024.
No entanto, no processo de cadastramento para concessão dos benefícios, 89 pescadores não conseguiram atender aos requisitos mínimos acordados entre as partes para recebimento do benefício, fato este que resultou no protesto da manhã desta segunda-feira (4).
Em relação à Comunidade Ilha de Mercês, a empresa Suape firmou parceria com a Universidade de Pernambuco (UPE), por meio do Instituto de Apoio à Universidade de Pernambuco (IAUPE), para execução da iniciativa Raízes em Movimento: projeto de realocação e preservação cultural dos remanescentes da Ilha de Mercês, que conta, inclusive, com representantes indicados pela comunidade.
O projeto foi dividido em cinco fases, com duração de dois anos, compreendendo a preparação e diagnóstico inicial; análise do contexto socioeconômico, ambiental, antropológico, histórico e cultural; planejamento estratégico e negociações de indenização e realocação; implementação e monitoramento; e a publicação de um livro memorial sobre a comunidade, além da organização de eventos e exposições para celebrar a história, a cultura e as contribuições da comunidade.
Por volta das 9h30, com a chegada do diretor de sustentabilidade de Suape, Carlos Cavalcanti, os pescadores e quilombolas pressionam por algumas garantias e compromissos para poder liberarotrânsito. Em contato com a cúpula do complexo, Cavalcanti ofereceu 15 dias de prazo para avaliar cada uma das reivindicações, o que não foi aceito. A essa altura, a Polícia Militar insistiu para tentar reabrir o acesso base da força, mas não conseguiu.
Às 12h35min, a comunidade aceitou liberar o tráfego na rodovia PE-009, administrada pela Monte Rodovias, e uma comissão de lideranças foi dialogar com Suape na sede da administração. Ficou sugerida a construção da solução para as 89 famílias pescadoras junto ao Ministério Público Federal, visando apoio, transparência e salvaguarda legal.
Já as demandas de realocação de Mercês serão discutidas em um novo encontro, programado para 8 de novembro, em Suape. Os demais pleitos serão discutidos por Suape e pelas comunidades com data e local a serem definidos a partir dessa reunião agendada para o dia 8.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com