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Como um shopping center se tornou o lugar mais quente do Recife

Jeniffer Oliveira / 31/01/2025
A imagem aérea de Boa Viagem, no Recife, mostra um forte contraste urbano: de um lado, prédios modernos e um grande shopping; do outro, uma comunidade de moradias simples. O cenário reflete desigualdade socioeconômica e evidencia o fenômeno da ilha de calor, com áreas verticalizadas e pavimentadas retendo mais calor do que as regiões arborizadas. Ao fundo, o oceano destaca a localização litorânea da cidade.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

“Recife tem um sol para cada um” é uma frase que os recifenses repetem a cada verão. Não é à toa, afinal ela faz jus ao cotidiano de quem mora na capital pernambucana. Em uma cidade onde os moradores vivem a se queixar do calor, do mormaço e da falta de ventos, quais seriam os bairros mais quentes? Dois artigos científicos, resultantes de 15 anos de pesquisa sobre o clima intraurbano da cidade, apontam a resposta para essa pergunta: quem vive na Zona Sul sofre mais com o calor, pois, apesar da proximidade da praia, é ali que se concentram as principais “ilhas de calor” do Recife.

Doutor em Meteorologia e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Ranyére Silva Nóbrega coordenou o projeto de pesquisa Recife Ilhas de Calor/Recica quando era pesquisador no programa de pós-graduação em Geografia da UFPE.

Segundo ele, o modelo de ocupação urbana de Boa Viagem favorece o aumento da temperatura. A região tem 43% da superfície edificada com construções verticais acima de 20 metros de altura. Além disso, Boa Viagem é o bairro do Recife onde é mais difícil de se ver o céu, pois seu FVC (Fator de Visão do Céu) é 0,53, contra 0,80 da Várzea e 0,79 do Poço da Panela.

E o bairro mais quente da cidade tem um local que é o mais quente de todos. O estudo revelou que o Shopping Center Recife é a principal “ilha de calor” recifense, onde as temperaturas chegam a ser 6ºC mais altas do que as áreas mais frias (ou menos quentes) da cidade. “O tipo de construção que é o Shopping Recife tem toda uma área horizontal grande, pois tem um estacionamento amplo. Então, ao identificar aquela cobertura, que trocou o tipo de pavimentação, passou de paralelepípedo para asfalto, é possível ver o aumento da temperatura naquele local”, detalha Ranyére Nóbrega.

No entanto, por mais que os pontos de calor mais intenso estejam no bairro, que é um dos mais caros da cidade, as consequências não ficam por lá. O meteorologista explica que o bloqueio do vento por conta dos edifícios de Boa Viagem aquece ainda mais os bairros do Ipsep e Imbiribeira, que estão mais ao oeste. Esses bairros que sofrem muito com o aumento das temperaturas, sobretudo no período da tarde. Ou, como diz o texto do estudo, as construções verticais influenciam “diretamente as temperaturas das estações ao oeste da linha de prédios durante o período diurno, e ao leste, durante o período noturno”.

O professor pontua uma característica curiosa do clima no Recife, onde as ilhas de calor fogem do padrão que é ter as temperaturas mais altas no centro da cidade e que diminuem ao se distanciar dessa área. Isso acontece pelo processo de urbanização da cidade e pela formação geográfica dela também.

A imagem aérea mostra uma área densamente urbanizada com muitos prédios altos e modernos, predominantemente brancos e cinzas. O mar azul aparece no horizonte, contrastando com a paisagem urbana. O céu está limpo e a forte iluminação realça sombras e reflexos nos edifícios. A cena destaca o adensamento urbano e o fenômeno da ilha de calor, causado pela falta de vegetação e o excesso de concreto e asfalto.
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Como foi feita a pesquisa

As análises aconteceram por meio de dados de satélites e o uso de termohigrômetros – um instrumento que mede a temperatura e a umidade do ar -, para criar um banco de dados com informações de temperatura e de umidade.

Os dados foram coletados em sete estações de coleta de dados espalhadas pela cidade, além de uma pertencente ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) que, por estar em uma área florestal, serviu como parâmetro de comparação para as informações de temperaturas das estações pesquisadas. O campus da UFPE também serviu de referência por possuir áreas com alto percentual de vegetação e baixa densidade urbana, características presentes em diversos estudos sobre o tema. 

Parte desses resultados foram apresentados nos artigos científicos Variações temporais e espaciais da intensidade de ilha de calor urbana na cidade do Recife – PE e Morfologia urbana e ilhas de calor na cidade do Recife/PE: distribuição espacial e intensidade, publicados na Revista de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.   

O estudo identificou que, apesar de Boa Viagem ter a temperatura mais elevada, o fato de estar em uma faixa litorânea faz com que possua menor variação de temperatura. É o que acontece, por exemplo, no Parque Dona Lindu.

As maiores variações encontradas durante o dia foram registradas na UFPE, Imbiribeira e Torre. Esta última é a que apresenta a maior variação de temperatura, mais amena durante o dia, por causa das correntes de ar trazidas pelo rio Capibaribe, e ilhas de calor à noite.

O Recife está mais quente?

A sensação de que a cidade fica cada vez mais quente é real. O professor explica que realmente houve um aumento da temperatura média do ar nos últimos anos e associa a dois fatores: aquecimento global e processo de urbanização.

“São duas coisas que se somam. O aumento da temperatura média do ar devido ao aquecimento global e o aumento da temperatura média do ar devido ao processo de urbanização. O que isso significa? Nas grandes cidades, como a Região Metropolitana do Recife, as temperaturas elevadas devido ao aquecimento global, serão maiores ainda, por conta do processo de urbanização”.

Ou seja, quanto maior o crescimento da população e, consequentemente, de moradias, edificações e consumo nas cidades, maior é a chance do aumento das temperaturas e dos impactos causados pelas mudanças climáticas.

Há anos especialistas falam sobre as consequências e fazem alertas para a capital. Em 2023, no Seminário Recife Cidade Parque, de uma parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco e a Prefeitura do Recife, apontou um cenário crítico.

Com o aumento da temperatura global a cidade pode alagar totalmente. O então vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima, apresentou que com apenas 0,5 grau na elevação média da temperatura, o mar pode subir um metro. Com um grau mais quente, sobe 2,10 metros.

Na época, a Marco Zero acompanhou o seminário e entrevistou especialistas sobre o tema. A reportagem completa pode ser conferida aqui:

AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.