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Exu em disputa: marcha para o orixá é pivô de briga na Justiça

Inácio França / 26/08/2025
A foto mostra um cortejo de carnaval nas ruas, com um grupo de pessoas desfilando ao redor de grandes bonecos típicos do carnaval de Pernambuco, conhecidos como bonecos gigantes. No centro, há um estandarte vermelho com o nome “Afoxé Elegbára” e a data de fundação “13-06-2006”. Atrás do estandarte, aparecem três bonecos gigantes: à esquerda, uma mulher negra com roupa vermelha estampada e acessórios dourados; no meio, um homem de chapéu preto e capa prateada, exibindo o peito nu e musculoso; e à direita, outro homem negro com coroa dourada, capa vermelha e colar com medalhão. À frente, muitas pessoas acompanham o cortejo, algumas usando roupas brancas e turbantes, outras com camisas coloridas e cabelos soltos.

Crédito: Rennan Peixe/Divulgação

Exu é um dos orixás mais conhecidos do candomblé e da umbanda. Sua fama é sólida até mesmo entre praticantes de outras religiões, provavelmente por, ignorância ou preconceito, ter sido associado pelos cristãos à figura do diabo. Orixá da ordem, do movimento, da comunicação e da fecundação, ele abre caminhos, vigia os mercados e vive nas encruzilhadas.

Agora, Exu é o pivô de uma batalha judicial, iniciada em abril deste ano, na 1ª Vara Empresarial da Justiça de São Paulo.

De um lado, o empresário paulista Jonathan Maschio Pires dos Santos, autointitulado “o macumbeiro mais famoso do Brasil”, que, em 2023, registrou a marca “Marcha para Exu” no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e tentou obter uma liminar para impedir a realização da Primeira Marcha para Exu, no Recife. Do outro, estão os organizadores do evento recifense, o produtor cultural Renato Fonseca e seu sócio André Arruda Beltrão.

“Fomos informados de que estavam usando o nome oficial da Marcha para Exu sem qualquer autorização. Assim que confirmamos, adotamos imediatamente as medidas judiciais necessárias. Não podemos permitir que oportunistas tentem se colocar como donos de um movimento que tem origem, história e registro legal”, argumentou o empresário paulista. Ele também pede uma indenização de R$ 30 mil por reparação de danos morais.

Ele é enfático ao advertir: “qualquer pessoa que tentar utilizar o nome ‘Marcha para Exu’ sem autorização está sujeita a responder judicialmente, porque não se trata apenas de um título, mas de uma luta reconhecida, consolidada e registrada. A Marcha para Exu não é invenção de última hora, nem algo que qualquer pessoa pode pegar e sair usando. Esse movimento nasceu comigo!”. Pires garante que realizou três edições consecutivas gastando no total R$ 500 mil do próprio bolso. No Instagram, ele já anunciou a realização da versão carioca do evento: “O Rio de Janeiro vai estremecer”.

Sua argumentação, entretanto, não convenceu o juiz André Salomon Tudisco, que negou a liminar pedida por Jonathan Pires.

Em sua decisão, o magistrado afirmou que a Marcha para Exu é uma “marca que envolve expressões comuns, que não mantêm exclusividade para o uso das palavras ‘marcha’ e ‘Exu’, em conjunto ou separadamente, pois são palavras com baixa distintividade”. Na sentença, ele arguiu que o deferimento de liminar “importaria na impossibilidade de uso por terceiros de expressão que se refere a caminhada em homenagem a divindade cultuada pelos praticantes da umbanda e candomblé.”

Para o juiz “devem suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes ou com o uso da expressão por terceiros de boa-fé, como no caso em tela”. O processo continua tramitando em fase de instrução, mas a versão recifense da Marcha para Exu acabou acontecendo no domingo, 17 de agosto, uma semana antes do megavento paulistano.

A foto mostra Jonathan Pires cantando em cima de um trio elétrico diante de uma grande multidão. Ele segura um microfone na mão direita e veste um chapéu preto de abas largas e uma camisa listrada nas cores preta, vermelha e amarela. Tem tatuagens visíveis nos braços e usa relógio no pulso. Ao fundo, vê-se uma imensa plateia reunida na rua, muitas pessoas vestidas de vermelho e preto, transmitindo clima de festa popular. Atrás dele, outras pessoas também estão no trio, incluindo uma artista com vestido vermelho brilhante. O cenário é de evento ao ar livre, com árvores altas de um lado e prédios da cidade ao fundo.

Jonathan Pires garante ter custeado três edições da Marcha em São Paulo

Crédito: Divulgação

“Apropriação e exploração”

A defesa de Renato Fonseca e André Beltrão rebateram as pretensões de Jonathan Pires afirmando que “a expressão ‘Marcha para Exu’ não constitui uma invenção ou um ‘ativo’, mas sim a designação lógica e descritiva de um evento que se propõe a ser exatamente isto: uma marcha em homenagem a Exu. Tal manifestação pertence à coletividade, ao povo de axé, e não pode ser objeto de apropriação singular para fins de exploração comercial exclusiva”.

Criador do perfil Macumba Ordinária, Renato Fonseca admite que se inspirou no evento da avenida Paulista. “Nunca neguei que a inspiração foi na Marcha de São Paulo, na qual estive em 2024. Sempre repito isso nas entrevistas que dou, mas nosso objetivo não é fazer cortes para lacrar nas redes sociais, nossa marcha cumpriu o propósito político da defesa do povo de axé”, critica.

Fonseca responde a Jonathan Pires com ênfase semelhante a do empresário. “Ele é um empresário, branco, interessando em fazer dinheiro se apropriando da fé do povo negro. Um cara que pensa que todo mundo do Nordeste é burro, que não temos acesso a advogados, que a gente é um bocado de leigos ignorantes”, desabafa o produtor cultural.

Jonathan se apresenta como proprietário de uma loja de artigos religiosos, empresas no ramo automotivo e está “montando um haras no interior de São Paulo para ajudar a cuidar de crianças com síndrome de down e autismo”.

Macumbeiro bolsonarista?

Jonathan Pires está longe de ser unanimidade entre os praticantes das religiões de matriz africana de São Paulo. No entanto, o distanciamento aumentou em 2023, quando veio à tona a informação que o empresário teria apoiado Jair Bolsonaro na eleição de 2022.

Em artigo publicado em 10 de agosto de 2023, sem citar o nome do organizador, Egbomy Ana Laura Oliveira e Lauro Castro, militantes da Rede Emancipa Axé, alertaram que “a Marcha para Exu, convocada por setores da direita em São Paulo, não representa a luta ancestral dos povos pretos”. Na mesma época, publicações evangélicas repercutiram a divisão do candomblé por causa da revelação dos supostos vínculos bolsonaristas do empresário.

Em mensagem para a MZ, ele nega ter votado ou apoiado Bolsonaro.

Se hoje ele acusa Fonseca e Beltrão de oportunismo, desde 2017 ele sofre acusação idêntica de um grupo de quatro mulheres – mãe e três filhas – integrantes do terreiro Caminho da Luz, dos projetos Samba de Seu Zé, Batucaxé e Prêmio Jovens de Axé.

Em vídeo publicado no Instagram (ver post no fim da matéria), Suzane de Nanã, Bella de Oyá acusam Jonathan de ter se apropriado de marcas de iniciativas criadas por ela, como o projeto Somos Todos Macumbeiros, que teria sido fundado por Bella em 2014 e registrado pelo empresário dois anos depois.

Em 2017, Suzane e as filhas também teriam realizado a primeira das Marchas para Exu em São Paulo e feito o pedido de registro no INPI, mas não teriam dado andamento ao processo. Seis anos depois, o empresário efetivou o registro e se tornou dono da marca, chegando a obter uma vitória na Justiça ao impedir a realização de um evento em Manaus que usaria a mesma programação visual usada por ele.

Nas postagens das quatro mulheres, uma das críticas é semelhante aquelas feitas por Renato Fonseca: “ele não escuta os movimentos sociais, ele não escuta os movimentos raciais”. Nas conversas de Whatsapp expostas por elas, Pires reage com ameaças de processos e intimidação: “Se quiser guerra comigo, eu tô aqui, mais [sic] não por celular não. Nois [sic] vai desenrolar no papo, olho no olho”.

Para a Marco Zero, Jonathan assegurou: “Eu não gosto de nada errado. Não vivo da religião em absolutamente nada. Não se trata de impedir que outras pessoas lutem contra a intolerância religiosa, pelo contrário: queremos que esse grito de resistência se espalhe”.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de conteúdo da MZ.