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Sob a mesma bandeira, dia da luta contra LGBTfobia marca avanços e debate mais maduro

Débora Britto / 17/05/2018

A LGBTfobia pode ser definida como aversão e hostilidade a pessoas com orientações sexuais  e identidades de gênero que estão fora do padrão heteronormativo. Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são alvos da discriminação e violências – psicológicas, sociais, físicas – motivadas pelo ódio.

Em 2017, um levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia identificou o assassinato de 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) relacionados à sexualidade ou identidade de gênero. O estudo chegou à conclusão de que a cada 19 horas uma pessoa LGBT é morta no Brasil.

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HISTÓRIA
A data surge como Dia Internacional de Combate à Homofobia, em celebração ao dia 17 de maio de 1990 – 28 anos atrás –  quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou o “homossexualismo” da Classificação Internacional de Doenças (CID) como um distúrbio mental. Atualmente, fazer referência ao “homessexualismo” demonstra ignorância sobre a questão (na saúde o sufixo “ismo” determina condição de patologia, doença). A afirmação da homessexualidade de maneira positiva, na contramão da depravação, vem sendo construída pelos movimentos LGBT desde então. A demonização na orientação sexual homossexual com respaldo da medicina foi responsável, no passado, por “tratamentos” que previam realização de castração, choques elétricos, lobotomia e outras métodos de tortura para curar o que é apenas expressão da sexualidade de alguém. [/pullquote]

Pernambuco ocupa o quinto lugar neste assustador ranking nacional, com registro de 27 homicídios. Apesar disso, ativistas apontam que a subnotificação e deficiência no registro e atendimento a violências contra pessoas LGBT pode esconder a real dimensão do problema. Rivânia Rodrigues, uma das coordenadoras do Fórum LGBT pelos segmentos de lésbicas e bissexuais, lembra que Pernambuco não tem nenhum legislação que puna a discriminação ou violência contra população LGBT.

Com o tema “LGBTFobia dói, machuca e mata!”, o Fórum Estadual LGBT realiza, hoje, data que marca o Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia, um ato em frente à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Com teor diferente do Dia do Orgulho Gay, celebrado em setembro, mais do que comemoração, os movimentos e coletivos que compõem o Fórum Estadual LGBT reforçam a necessidade de cobrar políticas pública que garantam segurança, qualidade de vida e saúde à população LGBT. Para Tiago Rocha, da coordenação colegiada do Fórum pelo segmento gay, a falta de investimento para efetivação de políticas é um sinal de que ainda há muito a ser feito. Como prova, a necessidade de retomar todos os anos a pauta da segurança. “Ainda temos medo de sair para as ruas e não voltarmos. Não existe publicização efetiva de casos de violência com motivação homofóbica”, diz.

Outra crítica do movimento é o enfraquecimento dos espaços de participação da sociedade. Rocha denuncia que o Conselho Estadual LGBT, por exemplo, não foi empossado desde a eleição de que definiu sua composição.  Segundo Tiago, o Governo do Estado, apesar de não ter oficializado no Diário Oficial a nova gestão do conselho, lançará o plano estadual de políticas LGBT. “A gente não consegue entender como pode lançar um plano construído pela gestão anterior sem empossar a nova”, questiona.

Para Well Leal, integrante do Fórum pelo segmento gay, e do Coletivo RUA, apesar de a data nascer como um dia de luta da comunidade gay, a transformação na luta contra a LGBTfobia fortalece a cobrança política por direitos. “É uma coisa muito doida a gente comemorar que a gente não morreu. No dia 17 é importante uma mobilização política de cobrança”, defende. Apesar de diferentes bandeiras, ativistas dos segmentos concordam que o avanço das violências contra a população LGBT reforça a importância de atuarem juntos pela efetivação de políticas que combatam o ódio.

“A gente precisa efetivamente construir formas de participação direta na política”

Com objetivo de efetivar a participação de travestis e transexuais das decisões políticas, Amanda Palha, travesti e estudante da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), decidiu lançar sua pré-candidatura à deputada federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Historicamente a gente sempre dependeu muito das verbas de saúde para poder tocar as pautas das pessoas trans e travestis”, explica a jovem, que lembra que as vitórias do movimento são resultado da pressão e organização da pressão unificada.

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Foto: Thiago An

“É possível construir junto sem apagar as diferenças e demandas específicas dos grupos que compõem a sigla LGBT”, defende. Segundo a pré-candidata, conquistas como a retificação do nome social de pessoas trans e travestis são importantes, mas não basta que sejam alcançadas apenas no judiciário. “Minha candidatura para o legislativo federal pretende pressionar para que leis que já existem sejam de fato efetivadas e avancemos na participação da sociedade. Não é só nos consultar, é que nossa opinião seja legitimada para construir o que precisa ser construído, independente de quem está lá num mandato [executivo]”, explica.

Como combater expressões de ódio

Afirmar as identidades LGBT ainda é um desafio diário. Para Daniela Marreira, 23 anos, estudante do curso de Rádio, TV e Internet, expressar sua sexualidade – considerado por muitas pessoas algo do âmbito privado – é um ato político. Mulher negra e lésbica, ela aponta caminhos para afirmar sua identidade como legítima, natural. No dia a dia, ações como não se furtar a fazer referência à namorada ou andar de mãos dadas são atos de resistência e afronta ao preconceito. “Isso acontece também com a família da minha namorada. Quando estamos juntas sempre me apresentam como a namorada de Gabriela, algo natural”, explica a jovem. Apesar da determinação em afirmar o relacionamento lésbico em locais públicos e dentro de casa, o temor por sofrer violência a acompanha. Em fevereiro deste ano, uma mulher foi baleada na perna na Avenida Boa Viagem quando passeava com sua namorada. A suspeita de lesbofobia (termo para o ódio contra lésbicas) foi levantada sobre o caso.

Rivânia alerta para a vulnerabilidade em especial das mulheres que sofrem não apenas com o ódio pela sexualidade, mas com o machismo. Segundo ela, muitos casos de estupros corretivos (ato de violar uma mulher para “ensinar a gostar de homem”) acontecem em ambientes da vida familiar e, portanto, são silenciados. Existe, ainda, dificuldade de acessar dados da segurança pública sobre essas violências.

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Daniela e a companheira defendem a afirmação do relacionamento para combater o ódio. Foto: acervo pessoal.

Well Leal acredita que  o combate ao ódio passa necessariamente pela abertura ao diálogo. Diferente da ideia de aceitação ou convencimento, ele defende que a luta por direitos tem que estabelecer contato com segmentos da sociedade para além das pessoas LGBT. “Para você se afirmar como questão política você também tem que se assumir, dar a cara a tapa. Nós precisamos de aliados nesse processo político. Nosso processo de luta, de conquista não se dá só por nós mesmos”, explica.

“A gente fica muito assustado com o crescimento de Bolsonaro. A juventude sente isso, fica meio desesperada com o cenário. Não gosto de dizer que a gente vive um momento de polarização porque acho que a gente sempre viveu uma polarização. Mas eu acho que temos que chamar as pessoas para um debate político que seja compreensível”, argumenta.

No diálogo com a sociedade, Rivânia destaca outras pautas que muitas vezes são determinantes na afirmação da população trans na sociedade: investimentos em educação, emprego e acesso a tratamentos de saúde que garantem outros direitos, a exemplo da garantia de inseminação artificial pelo SUS para casais homoafetivos. “Depois de tudo que o Brasil está passando com o golpe, com a crise, o mercado de trabalho se fecha primeiro para a nossa população. E muitas vezes o público LGBT está muito nessas empresas de call center, onde o trabalho é precário”, reflete. Na opinião de Amanda Palha, focar em educação e acesso ao mercado de trabalho formal é estratégico também para a população T. “Mais de 90% da população é profissional do sexo, não porque gosta, e sim porque muitas vezes é a única possibilidade de sobrevivência. Precisamos garantir formação profissional e entrada no mercado formal, avançando na discussão sobre condições mínimas de trabalho para profissionais do sexo”, pontua.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.