Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
A precoce e ruidosa demissão do jornalista João Valadares das funções de colunista do portal OP9 e comentarista de política da TV Clube, pertencentes ao Grupo Opinião, ligado à Hapvida Assistência Médica, expôs o que qualquer estagiário novato das redações está cansado de saber: a subserviência das empresas de mídia e seus prepostos a quem exerce o poder em Pernambuco.
As ameaças e pressões não costumam chegar ao conhecimento público. Desta vez, porém, um fato novo tornou evidente aquilo que costuma ser absorvido pelo medo: os profissionais envolvidos não aceitaram a pressão.
João Valadares não mudou o tom dos seus artigos e o diretor de redação do portal, o jornalista Márcio Markman, também reagiu imediatamente: entregou o cargo apenas duas horas após a demissão do seu subordinado pelo conselho empresarial do Grupo Opinião.
No dia seguinte à demissão, as postagens do blog Zero Filtro com os artigos e reportagens mais ácidas de Valadares foram apagados.
Protagonista e coadjuvantes do episódio foram procurados. Valadares e Markman pediram reserva e preferiram não conceder entrevista.
O diretor do Grupo Opinião, Daniel Cabral, também foi contactado via whatsapp e também por telefone, mas não respondeu às mensagens nem deu retorno aos telefonemas.
Para se entender o poder de pressão dos integrantes dos três poderes sobre o Grupo Opinião é preciso conhecer um pouco das relações e da história do plano de saúde Hapvida em Pernambuco.
A Hapvida é beneficiária, desde agosto de 2017, de um contrato de R$ 22,8 milhões para prestação de assistência médico-hospitalar aos funcionários do Detran. O problema é que, em março deste ano, o setor de Benefícios e Assistência do órgão apresentou um relatório sobre a incapacidade da Hapvida em cumprir o contrato. Hoje, o contrato está sob análise do Tribunal de Contas do Estado e pode ser rompido.
Há uma semana, João Valadares publicou na Folha de S.Paulo, para onde escreve como correspondente no Recife, reportagem com a lista de parentes de desembargadores do Tribunal de Justiça e do próprio governador Paulo Câmara abrigados com cargos comissionados bem remunerados no Tribunal de Contas. Basta ligar os pontos para conhecer como e porquê se exerceu a pressão.
Manter a conta do Detran é vital para as finanças e para a imagem da Hapvida.
Em 2011, antes de entrar no mercado de comunicação, a Hapvida enfrentou problemas junto ao Governo de Pernambuco. Beneficiada por uma dispensa de licitação que gerou um contrato emergencial de R$ 2.364,551,16. Poucos meses depois, teve o contrato suspenso por causa da má qualidade do atendimento. Foi punida e ficou sem poder participar de licitações no Detran até 2014.
Na mesma época, a Agência de Tecnologia de Informação de Pernambuco (ATI) já havia punido a Hapvida pela mesma razão. O plano de Saúde ficou dois anos sem o direito de apresentar propostas nas licitações da Agência.
Apesar dos percalços, a empresa mantêm plano de saúde para os funcionários da Empetur (contrato de R$ 1,8 milhão), Lafepe (R$ 1,9 milhão) e Secretaria de Administração de Pernambuco (R$ 2,6 milhões). Nesta última, o secretário que assinou o contrato foi Milton Coelho, personagem de uma das postagens de Valadares, que tornou público o fato dele estar sendo investigado pela Polícia Civil por peculato.
Pausa para juntar lé com cré e compreender os interesses em jogo.
Como não são apenas os funcionários dos órgãos públicos que reclamam do mau atendimento da Hapvida, existem inúmeros processos judiciais movidos por clientes que precisam recorrer à Justiça para ter direito a tratamento de saúde. Em maio, a Hapvida ocupou a 37ª posição no ranking de reclamações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas costuma aparecer com frequência entre as 20 piores.
Em meio a tantas demandas judiciais, João Valadares denunciou no OP9 a compra de 50 SUVs da Honda a serem usadas pelos desembargadores do Tribunal de Justiça por quase R$ 4 milhões. Boa hora para ligar os pontos novamente.
Tantas queixas abriram outra frente de pressão no Poder Legislativo. Em 12 de junho deste ano, o jornalista já havia concluído a apuração da matéria para a matéria da Folha de S.Paulo sobre o nepotismo cruzado entre TJ-PE e TCE-PE. A Comissão de Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa havia marcado para aquela data uma audiência pública cuja pauta tratava exclusivamente da “atuação do plano de saúde Hapvida em Pernambuco”.
A audiência só pôde acontecer a duras penas. O presidente da Assembleia Legislativa, Guilherme Uchoa (PSC), fez de tudo para impedir sua realização. O caso levou Uchoa, que controla o legislativo estadual com mãos de ferro há 11 anos, a ser denunciado à comissão de ética pelo deputado estadual Edilson Silva (PSOL).
Em plenário, o parlamentar do PSOL contou que, na manhã do dia 12, os representantes das instituições convidadas para participar da audiência sobre a Hapvida começaram a receber telefonemas da mesa diretora da Assembleia Legislativa informando que a audiência estava suspensa. De acordo com Edilson Silva, os auditórios estavam fechados à chave e os funcionários receberam orientação para impedir que a audiência acontecesse. Um técnico de som chegou a sair correndo para não colaborar (veja aqui o vídeo com as denúncias)
Naquele mesmo dia, o portal OP9 não publicou a reportagem de João Valadares sobre as pessoas que ocupam cargos comissionados no TCE, inclusive a Evalúcia Góes Uchoa Cavalcanti Barbosa, neta de Guilherme Uchoa, beneficiada com uma função com salário de R$ 14,3 mil mencionadas na matéria.
A matéria só foi publicada no dia seguinte pela Folha de S.Paulo.
Texto atualizado em 25 de junho de 2018, às 13:57min.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.