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Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo
Em meados de 2020, o projeto de extensão Reportagens Especiais do curso de Comunicação Social do campus Caruaru da UFPE levou a estudante Géssica Amorim a relatar os impactos do auxílio emergencial nas famílias do interior de Pernambuco. A reportagem foi publicada pela Marco Zero como parte da parceria com o Observatório da Vida Agreste. Este ano, Géssica foi contratada como estagiária da nossa equipe. Essa semana, ela retornou à casa da sua entrevistada de um ano atrás.
Quando visitei a casa da agricultora Ivonete da Silva, 48, pela primeira vez, há pouco mais de um ano, no distrito de Sítio dos Nunes, sertão do Pajeú, ela tinha acabado de realizar o sonho de fazer a feira do mês em fardos (como se vende em atacado), comprar um celular para se comunicar com a família e pagar as contas atrasadas que tinha nas bodegas do distrito.
Àquela época, o que possibilitou a dispensa cheia de Ivonete, a quitação das suas dívidas e a compra do seu primeiro celular, foi o pagamento provisório do Auxílio Emergencial em 2020, que, inicialmente, durou de abril a setembro, destinando o valor de R $1.200 a mulheres mães e chefes de família cadastradas no Bolsa Família. Com a sua prorrogação de três meses, o valor do benefício caiu para R $300, com parcelas pagas até o mês de dezembro.
Durante seis meses, os R$1.200 do auxílio proporcionaram um pequeno e momentâneo salto na qualidade de vida de Ivonete e de sua família. Ano passado, a renda mensal da família da agricultora era de R$ 2.239, somando o valor do benefício à aposentadoria rural do seu marido José Januário da Silva, 77, que recebe um salário mínimo.
Segundo estudo publicado em 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 4,4 milhões de domicílios brasileiros sobreviveram apenas com a renda do Auxílio Emergencial, em julho daquele ano. Entre os domicílios mais pobres, o rendimento das famílias atingiu 124% do que seriam as suas rendas “normais”.
Mais comida, dinheiro para custear despesas com água e eletricidade, gastos com saúde e transporte, mas por tempo determinado. Com fim do Auxílio Emergencial, Ivonete volta a receber os R$ 265,00 do seu cadastro do Bolsa Família e a contar apenas com o valor da aposentadoria de José Januário para manter uma família de oito pessoas.
Fazendo as contas, levando em consideração o preço do gás, do aumento dos valores dos itens da cesta básica e a conta de luz mais cara, não há dificuldade em imaginar que a situação da família de Ivonete, agora, está ainda mais complicada do que antes. “A gente compra carne de vez em quando. Agora está muito cara, não dá pra ser sempre. Feira de fardo, também, não dá mais. Tem que comprar o que dá e pagar as contas. E em um canto ou outro fica alguma coisa pendurada, que a gente precisa pegar quando falta durante o mês. E ele [José Januário] tem problema de saúde. Tem que comprar remédio pra pressão todo mês”, conta Ivonete.
Descobri que Ivonete gosta de transcrever livros. De todo tipo, sejam didáticos ou paradidáticos. Usando como apoio dois tamboretes que ficam na varanda da casa onde mora, ela costuma passar as tardes transcrevendo para os seus cadernos o que está escrito nos livros que ganha de professoras da escola do distrito ou os que encontra e recolhe na rua ou no lixo.
A agricultora conta que tem esse costume desde que parou de frequentar a escola, aos 15 anos, quando teve o seu primeiro filho. Ela não chegou a terminar o ensino fundamental, mas diz que, se tivesse continuado a estudar, provavelmente hoje seria professora. “Eu parei de estudar muito nova, quando tive meu primeiro filho. Eu tinha 15 anos, queria ser professora, mas depois que engravidei, pronto, meu ‘ser professora’ foi cuidar de menino”.
Ivonete faz tudo com muito gosto, já perdeu a conta do que leu e transcreveu ao longo de mais de 30 anos, mas, durante esse tempo, infelizmente, não considerou e nem considera voltar a estudar. “Quando eu não estou fazendo nada, eu pego um livro e vou pintar, escrever. Tem livro, aí, que eu já li mais de 500 vezes. Eu não penso em voltar pra escola. Meu negócio é só ler e escrever, não tenho mais paciência pra outras coisas. Eu prefiro ficar quieta, aqui, mesmo”.
Ler, escrever e colorir as ilustrações e desenhos dos livros é o que envolve Ivonete e as palavras. O critério para a escolha dos livros é que eles não sejam de matemática. Os números, ela dispensa. “Eu recebo todo tipo de livro. Quem quiser me dar, eu aceito. Agora, só não mande de matemática. Eu não gosto de jeito nenhum, nunca gostei de conta”.
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