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Aos pés do farol de Olinda, vive Glorinha do Coco, a matriarca do coco de roda

Marco Zero Conteúdo / 08/03/2024
Foto colorida, em close, de Glorinha do Coco, uma mulher idos e negra, com óculos de aro negro, usando chapéu branco de abas largas e vestido estampado floral em tom azulado.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Erika Muniz

Do lado direito de uma ladeira, uma casa abriga a pintura de uma mulher com seu chapéu de abas extensas, no Amaro Branco, bairro aos pés do farol de Olinda. A imagem aponta que é ali que mora Maria da Glória Braz de Almeida, ou, nas palavras dela: “na cultura popular, me chamam de Dona Glorinha do Coco.” Matriarca do coco de roda e a mais antiga representante dessa expressão artística do bairro, a artista é admirada e muito querida por sua vizinhança. Conhecida para muito além da Travessa dos Pescadores, a artista aguardava a equipe de reportagem sentada em seu terraço, com um sorriso largo e um vestido estampado.

Ela ficou ainda mais empolgada ao saber que a história de seus 89 anos seria publicada no Dia Internacional da Mulher.

Com dois álbuns lançados, Dona Glorinha do Coco já viajou pelo país fazendo apresentações e levando também sua arte para fora do Brasil, em festivais de Cuba e Portugal. O primeiro disco, que leva seu nome, é de 2013, produzido por Isa Melo; o segundo, Noite linda, ganhou ao mundo em 2019. Ambos estão disponíveis nas plataformas digitais. Gosta de estar no palco seja onde for, mas a pernambucana não abre mão das sambadas ancestrais que realiza, há décadas, no Amaro Branco. Devota de São João, todo ano, no ciclo junino, ela realiza uma comemoração regada a muito coco e alegria, em frente à sua casa.

Com o primeiro álbum, inclusive, Dona Glorinha chegou a concorrer ao Prêmio da Música Brasileira, nas categorias Melhor Álbum Regional e Melhor Cantora Regional, em 2015. Além disso, foi contemplada com a medalha das Heroínas de Tejucupapo, em 2021. Até o momento, no entanto, a matriarca do coco do Amaro Branco ainda não recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, escolha que é feita pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural, mesmo com todas as décadas e compartilhamento de sua sabedoria e dedicação à tradição do coco de roda, em Pernambuco.

Glorinha do Coco. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Tudo o que ela sabe dessa expressão cultural, ela faz questão de dizer que aprendeu com a mãe, Maria Braz do Livramento, mais conhecida como Maria Belém, que era parteira e teve uma trajetória de grande relevância no carnaval de Olinda, pois participou da criação de importantes agremiações, entre as quais o Acorda Povo, o Clube da Escola de Samba Oriente e o Clube dos Lenhadores de Olinda.

“Hoje, o que eu sei de coco de roda – e olhe que eu sei muita coisa – aprendi tudo com ela. Eu tinha sete anos de idade, era pequenininha, magrinha, subia num tamborete para ficar maiorzinha, aí, ela vinha com o ganzá. Antigamente, não tinha microfone, era só a garganta da gente mesmo. Minha mãe cantava o coco e eu respondia. Foi assim desde criança. Quando eu fui crescendo, crescendo, chegou o tempo de 17, 18 anos e para onde minha mãe ia, eu ia com ela.”, relembra Dona Glorinha.

A linha que costura sua ancestralidade é tecida por mulheres de histórias marcantes, pois sua avó, Joana, completou 105 anos antes de partir. Ela foi escravizada e fugiu de um engenho nos arredores de Catende até chegar ao bairro do Amaro Branco. Por lá, Joana conheceu José, que era pescador e o casal constituiu família por lá.

Além de ser mãe de 12 filhos, Dona Glorinha criou mais quatro. A família é numerosa e só floresce, pois já são 34 descendentes, entre netos, bisnetos e tataranetos. “Tenho uma neta, Renata, que também canta. Todo dia eu digo a ela: ‘quando Deus me chamar, você fica no meu lugar. O meu anel de coquista, é você quem vai ganhar’,” revela, sobre perpetuar os ensinamentos da mãe, Maria Belém.

No dia 3 de setembro deste ano, Dona Glorinha do Coco completa 90 anos e já avisa que a sambada em comemoração dessa data vai ser especial. “São três vezes 30, é muito tempo!”, brinca. Embora tenha passado a vida inteira cantando, compondo e perpetuando a vitalidade cultural do coco de roda nas sambadas ancestrais do Amaro Branco e em outros locais, a artista só começou a aparecer mais para o público de fora de seu bairro quando já tinha passado dos 70 e poucos anos.

Com a gravação do CD Coco do Amaro Branco (2005), veio o documentário O coco, a roda, o pneu e o farol (2007), de Mariana Fortes, que contou com Dona Glorinha e também com Mestra Ana Lúcia e os saudosos Mestre Dedo e Mestre Ferrugem. Posteriormente, o álbum Coco do Amaro Branco Volume 2 (2010), contou com Dona Glorinha participando do repertório.

Quando está no palco, a compositora diz que se sente feliz e adora receber o carinho do público. O segredo para cultivar o sorriso largo no rosto que a caracteriza, seja no palco cantando os versos que aprendeu com sua mãe ou no terraço de sua casa conversando, Dona Glorinha declara: “O mundo está do jeito que Deus deixou para a gente viver, para a gente brincar. Mas tem gente que só quer violência. Para mim, isso não serve. Melhor ficar em casa dormindo ou numa roda de coco, que é onde eu gosto de estar!” E, quem já sambou numa roda de coco no Amaro Branco, dificilmente deixa de ir e garante que realmente é dessas experiências inesquecíveis.

Glorinha fará 90 anos em setembro e promete "sambada" para comemorar. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

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Marco Zero Conteúdo

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