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Após desocupação voluntária, famílias da Chico Lessa seguem para o Sítio dos Pintos

Giovanna Carneiro / 28/08/2024

Ocupação Márcio Vanderlei, no Sítio dos Pintos

Arnaldo Sete / MZ Conteúdo

Caminhões descarregando diversos materiais como madeiras e lonas, demarcação das áreas que serão ocupadas por cada família, pessoas carregando itens pessoais e materiais para o levantamento de seus barracos e um diálogo constante para definir quem ficará encarregado de exercer cada função. Uma atmosfera de construção e recomeço, é assim que se encontra a ocupação Márcio Wanderley Daruê Malungo.

Localizada no Sítio dos Pintos, na Zona Norte do Recife, a Márcio Wanderley é uma ocupação que teve início no dia 24 de agosto e nasceu de um movimento de realocação de parte das famílias que integravam a ocupação Chico Lessa, localizada às margens da BR-101. Ambas foram organizadas pelo Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem Teto (MUST).

“Essa ocupação nasce primeiro decorrente da situação de falta de habitação, de moradias, que esse país tem. A enorme carência de moradias para as famílias que são vulneráveis, que já não podem pagar aluguel porque a pouca renda que conseguem não é suficiente nem para garantir a sobrevivência. Mas nasce diretamente também da desocupação, da maior ocupação urbana de Pernambuco, que era a Chico Lessa”, explicou o advogado e coordenador geral do MUST, Bernardo Weinstein.

Ocupação Márcio Vanderlei, no Sítio dos Pintos. Crédito: Arnaldo Sete / Marco Zero

Arnaldo Sete / MZ Conteúdo

O movimento decidiu realizar uma desocupação voluntária da área onde estava localizada a ocupação Chico Lessa após o fechamento de um acordo firmado entre a Secretaria de Habitação (Sehab), a Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) do Recife e os proprietários do terreno – a empresa Florestal, gerida por integrantes da família Brennand de Souza Leão. O acordo prevê que parte do terreno, que possui uma área de 7,6 mil m², seja cedido ao MUST para a construção de 192 unidades habitacionais destinadas às famílias da ocupação, através do programa federal Minha Casa Minha Vida – Entidades.

Além disso, a Prefeitura do Recife incluiu 270 famílias da ocupação no Auxílio Moradia e todas já passaram a receber o valor mensal de R$ 300, e as demais receberão uma ajuda de custo relativa à desocupação, equivalente a sete parcelas do Auxílio Moradia, pagas pelos proprietários do terreno. Todas as 575 famílias que integraram a ocupação Chico Lessa agora estão cadastradas no sistema de moradia da PCR para serem beneficiadas com uma unidade habitacional.

“Esta é a continuidade de uma batalha que fez de Chico Lessa um ícone na luta por moradia em Pernambuco. Com menos de três anos de ocupação nós tivemos este acordo que foi uma grande conquista, todavia, essa conquista não é suficiente. Não tem auxílio moradia para todo mundo. Era para ter 575 auxílios-moradia, já que são 575 reconhecidos como moradores de Chico Lessa e portanto famílias carentes, vulneráveis e detentoras do direito, mas não temos. E as famílias saem e vão para onde? Essas famílias vieram para Márcio Wanderley e ocupam este terreno que estava desocupado e sem nenhuma utilidade pública”, afirmou Bernardo Weinstein.

A continuação da luta e do sonho pela moradia digna

Com os olhos cheios de lágrimas, Rosa Malena Serpa, de 58 anos, não conseguiu segurar a emoção ao relembrar os momentos que viveu na ocupação Chico Lessa: “lá era muito bom, já ia fazer dois anos que eu estava lá, quando cheguei meu barraco era de bambu, mas eu ajeitei ele todinho e consegui fazer um de madeira”.

Junto com a filha, o genro e a neta, Rosa integra uma parte das famílias que se deslocaram e agora recomeçam a construção de uma moradia na ocupação Márcio Wanderley. “Antes eu morava lá na comunidade do Detran, mas onde eu morava era muito apertado para mim e para a minha família, não tinha espaço nem para colocar minhas coisas direito. Aqui não, aqui eu me sinto livre, como um pássaro”, declarou a integrante da ocupação enquanto arrumava, junto com sua filha e seu genro, uma lona para colocar em cima de uma mesa em frente ao barraco da família.

Algumas famílias da comunidade Sítio São Braz, localizada no entorno da ocupação, cederam água e energia aos novos ocupantes do terreno.

Rosa Malena Serpa, de 58 anos, na ocupação Márcio Vanderlei. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Luciana Olívia de Freitas, na ocupação Márcio Vanderlei. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Bernardo Weinstein, advogado e coordenador geral do MUST. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Roberta dos Santos e seu filho Bhenício Kalleb, na ocupação Márcio Vanderlei. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Ocupação Márcio Vanderlei, no Sítio dos Pintos. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Ocupação Márcio Vanderlei, no Sítio dos Pintos. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Ocupação Márcio Vanderlei, no Sítio dos Pintos. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

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Há poucos metros do barraco de Rosa Malena estava Luciana Olívia de Freitas. A cozinheira estava enchendo garrafões de água para levar até a cozinha da ocupação e preparar o almoço. Com uma mochila nas costas, Luciana se queixava de ainda não ter conseguido trazer todas as suas coisas para a nova ocupação: “eu tô aqui desde sábado, não consegui voltar em casa ainda, fiquei aqui ajudando a limpar o terreno a organizar as coisas e continuo aqui ajudando”.

Integrante da ocupação Chico Lessa há um ano e oito meses, Luciana diz que está confiante de que será possível construir um novo ambiente seguro para as famílias na Márcio Wanderley: “não é fácil não, porque já estávamos acostumados lá e agora precisamos recomeçar, fazer tudo de novo. Mas nós vamos conseguir porque todo mundo aqui tem o mesmo sonho, que é ter sua casa e estamos batalhando por isso, todo mundo se ajuda”.

A cozinheira tem uma relação de afeto forte com a Chico Lessa porque foi na ocupação que ela encontrou seu marido e casou, em uma cerimônia online. “Nós nos reencontramos depois de muito tempo lá na ocupação, nos apaixonamos e casamos lá mesmo na Chico Lessa”, contou Luciana Olívia.

De acordo com o MUST, atualmente, cerca de 450 famílias integram a ocupação Márcio Wanderley Daruê Malungo. Boa parte das famílias que integram a ocupação dependem de doações de alimentos e donativos, que podem ser realizadas no terreno ocupado, localizado na Rua Doutor Adige Maranhão, 78 – Sítio dos Pintos, Recife.

Confira a nota da Prefeitura do Recife sobre o acordo firmado junto ao MUST:

A Prefeitura do Recife fechou um acordo histórico, homologado pela Justiça, que resultou na desocupação integral e pacífica no terreno onde existia a Ocupação Chico Lessa, às margens da BR-101. Como resultado, a gestão municipal fez a desapropriação parcial do terreno, numa área de 7,6 mil m2, para construção de conjunto habitacional com 192 unidades, a ser incluído no programa federal MCMV Entidades, com projeto arquitetônico doado pelos proprietários do terreno ao MUST. Seguindo as regras do MCMV Entidades, o movimento ficará responsável pela obra e cujas unidades serão destinadas a famílias que antes ocupavam o terreno de forma irregular.

O acordo foi conduzido pela Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e envolveu também o Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem Teto, a Defensoria Pública, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e a empresa  proprietária do terreno.

Após o cadastramento das famílias, feito por empresa contratada pelos proprietários, a prefeitura incluiu 270 famílias da ocupação no Auxílio Moradia, seguindo critérios estabelecidos conjuntamente. Para as demais famílias, os proprietários se comprometeram a pagar ajuda de custo relativa à desocupação e à realocação.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.