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Bicicross, escadarias e parkour ficam mesmo de fora do “novo” parque da Jaqueira

Maria Carolina Santos / 22/07/2025
A imagem mostra uma área de parque com muitas árvores e um caminho pavimentado que passa por obras. No centro da imagem, há uma ponte de concreto danificada, com a parte superior quebrada e coberta por entulhos. Os parapeitos laterais de tijolos estão rachados e tombados. Ao redor da ponte, há estruturas metálicas azuis de proteção, algumas caídas no chão. A vegetação ao redor é abundante, com grama e árvores de médio porte. À esquerda da imagem, vê-se um cercado de madeira e uma cerca de tela azul. Um poste de iluminação também aparece, inclinado, próximo ao trecho em obras.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Sem alarde e sem protestos, o parque da Jaqueira começou a virar um canteiro de obras nas mãos da empresa que ganhou a licitação da Prefeitura do Recife para gerir o espaço por 30 anos. As escadarias e obstáculos, que davam para o lado da avenida Rui Barbosa, começaram a ser demolidas há aproximadamente dez dias para dar vez a uma pumptrack – espécie de pista para bicicleta com curvas mais suaves. Nesta semana, os dois equipamentos com propagandas de uma empresa de publicidade que tinha contrato com a prefeitura começaram a ser retirados. Há várias áreas isoladas no parque e, nos próximos dois anos, muita coisa ainda deve mudar.

Após 40 anos no mesmo local, a pista de BMX/bicicross da Jaqueira vai mesmo ser demolida: não há mais ninguém brigando para mantê-la por lá. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) decidiu não levar o caso à Justiça por considerar que a lei municipal que protege o parque não garante a permanência dela ali – apenas da igrejinha e do jardim de Burle Marx.

“Após a audiência pública na Câmara de Vereadores, analisamos melhor a legislação e vimos que a própria lei da Jaqueira traz uma ressalva, dizendo que, desde que haja aprovação pelo órgão municipal, pode ser feita a mudança. E houve essa aprovação da prefeitura do Recife”, explica a promotora Fernanda Nóbrega, responsável pelo procedimento sobre a pista de bicicross da Jaqueira. “A própria lei diz que se a prefeitura disser que pode mudar, então pode mudar”, completa.

De acordo com a promotora, após três audiências, a empresa Viva Parques e os representantes da comunidade do BMX se encontraram separadamente para tentar chegar a um acordo que fosse “bom para todo mundo”. A Viva enviou um documento unilateral com o que eles consideraram um entendimento, mas a promotora agendou uma nova audiência para o início de agosto para ouvir todas as partes envolvidas, incluindo a vereadora Jô Cavalcanti, que convocou a audiência pública em abril. Um cronograma das intervenções também foi solicitado pelo MPPE à Viva.

Segundo o atleta Diego Melo, que participou ativamente no movimento pela manutenção da pista, no acordo feito com a Viva a remoção da pista da Jaqueira só ocorrerá após a conclusão da reforma da pista do Parque Santana. “A pista de lá precisa de reformas para se tornar profissional, pois foi feita às pressas”, diz. A previsão é que a pista de Santana fique pronta no final deste ano ou no início de 2026.

“A gente queria muito permanecer na Jaqueira. É uma perda para o esporte sair de lá. Quando se anda em muitas pistas, se tem uma habilidade ainda maior, porque você conhece mais as dificuldades e os desafios de cada pista. Duas pistas aumentam o nível dos atletas daqui. A gente vai sentir esse prejuízo”, lamenta Diego, que diz que não tem mais para quem recorrer. “A promotora nos informou que, pela lei, a gente não tinha como assegurar a permanência da pista e que era melhor a gente fazer um acordo com a Viva. A empresa firmou esse compromisso de trabalhar com projetos para fomentar o esporte”, afirma. Entre as contrapartidas que o BMX conseguiu, além do apoio para realizar projetos para editais, foi o fornecimento, pago pela Viva, de 30 bicicletas e 30 equipamentos de proteção.

Parkour também vai para o Santana

Na época em que o pessoal do BMX começou a se movimentar, praticantes do parkour ficaram indignados com a possibilidade da demolição da pista. Sem muito poder de barganha, viram as escadarias que usavam ser demolidas antes da pista de bicicross. Mas, quase ao mesmo tempo, surgiu a promessa de finalmente ver um sonho antigo sair do papel. Há quase dez anos eles estavam pleiteando com a Prefeitura do Recife um espaço específico para a prática da modalidade.

“O projeto da reforma do Parque Santana pela Viva já inclui um espaço para o parkour. Estamos participando de reuniões com a Viva justamente para discutir e apresentar o projeto, para desenvolvê-lo da melhor forma possível”, conta Gustavo Gusmão, integrante do grupo Jaqueira Parkour. “Em 2016 apresentamos o primeiro projeto para prefeitura. Em 2021, foi feito outro projeto que seria para o Túnel da Abolição, na Madalena. Depois, um para a Caxangá”, enumera, acrescentando que houve também discussões para o Parque da Tamarineira, que também não foram para frente.

A foto mostra um tapume preto de obra instalado em área externa, provavelmente em um parque urbano. No centro do tapume, há uma grande faixa verde com texto branco e verde-claro, onde se lê: “Pumptrack da Jaqueira – Uma pista para todos os ritmos”. Abaixo da frase principal, há desenhos de pequenas silhuetas de pessoas andando de bicicleta, skate, patinete e correndo. No canto inferior esquerdo, está o site “parquedajaqueira.com.br”. À direita da faixa, há uma pequena imagem aérea da pista em construção, cercada por vegetação. Acima do tapume, um painel azul do CREA-PE (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco) está parcialmente visível, indicando detalhes técnicos da obra. No canto direito da imagem, vê-se parte de um carrinho de lanches ou trailer azul e verde, com a logomarca da prefeitura do Recife. Ao fundo, aparecem árvores e parte de um prédio alto. O chão é de pedras irregulares de calçamento.

Pista de pumptrack deverá ser inaugurada em outubro

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A Jaqueira, contudo, era o grande lugar na zona norte para o treino dos praticantes. Não vai ser mais. “Mas, para o parkour, é um ganho. A gente vai ter esse espaço desenvolvido especialmente para a modalidade, algo que a gente nunca teve”, comemora Gustavo. “É diferente do BMX, porque o BMX está perdendo a pista e a gente está ganhando um espaço”, diferencia.

Agora, os praticantes de parkour estão tentando negociar que a sede da administração da Jaqueira só comece a ser construída quando o espaço no Santana estiver pronto. Isso porque o escritório da sede deve ocupar um espaço onde hoje existem estruturas para exercícios, perto dos muros dos prédios da praça Fleming. Lá é o principal espaço de treino na Jaqueira para os praticantes do parkour. O que foi informado para o grupo é de que o espaço no Santana deve começar a ser construído no primeiro semestre de 2026.

“Academia de pedra” segue resistindo

Com a retirada dos praticantes de bicicross e de parkour para o Santana, outro grupo organizado e com local fixo que ainda questiona se vai ou não ter que sair da Jaqueira são os frequentadores da chamada “academia de pedra”, aquela área em que pessoas praticam musculação com halteres e equipamentos feitos artesanalmente, com concreto e ferro. Os tapumes do local demarcado para o pumptrack acaba bem onde começa a “academia”.

Morador do Alto Santa Terezinha e frequentador da Jaqueira desde a infância, Danilo André de Silva passou a ir para a “academia” quando ficou desempregado. Arranjou outro emprego, mas continuou. “Aqui você treina gratuitamente, só com uma contribuição para fazer os pesos, e pode ficar o tempo que quiser. Não tem instrutor, mas cada um ajuda o outro”, justifica ele, que não acredita que o espaço vai passar incólume pela gestão privada.

“Aqui do lado destruíram toda essa parte das escadas e não nos comunicaram nada. Após a privatização ficou esse ar de incerteza: como vai ser o espaço público? A gente não sabe de nada. Tem gente que diz que eles (a Viva) vão melhorar a academia, tem gente que diz vão fechar. Agora é uma empresa, não é a prefeitura, então a empresa visa o lucro. Ninguém sabe como vai ser daqui a alguns anos”, diz.

Em nota, a Viva Parques disse que não há previsão de intervenção na “academia de pedra”.

Quem frequenta há tempos a Jaqueira, já percebeu que os espaços “ociosos” do parque tendem a ser minimizados. Um novo bicicletário já ocupa a área ao lado do postinho de saúde. E, pelo que se nota nos planos da Viva Parques, a Jaqueira vai se assemelhar ao parque da Tamarineira, com quadras e mais práticas esportivas – só que com vários paineis luminosos com propagandas.

As mudanças iniciais devem ocorrer ao longo dos primeiros dois anos de gestão privada do parque: “estão previstas novas áreas de convivência e práticas esportivas, como duas quadras de futebol no modelo ‘barrinha’, uma quadra de basquete 3×3, uma quadra de areia multiuso, uma parede de escalada do tipo boulder (de baixa altura) e estruturas para slackline. Também serão implantados um pavilhão com duas operações de alimentação e um quiosque com banheiros”. De acordo com a empresa, as obras acontecerão em etapas, “de forma gradual, mantendo o parque aberto ao público durante todo o período de intervenções”.

Viva Parques garante que tudo seguirá gratuito

Moradora do Curado I, a auxiliar de cozinha Jéssica Alves pega dois ônibus para levar filho e sobrinhos para o parque da Jaqueira. Ela gosta do verde do espaço e as crianças gostam dos brinquedos. Apesar de ir sempre que pode, não sabia que a gestão havia saído da prefeitura para uma empresa privada. Não viu diferença, até agora. Mas espera que tudo continue gratuito.

“A gente gosta de vir pra cá porque todos os parquinhos, todos os brinquedos que têm aqui são de graça. A criança pode chegar, escolher o brinquedo que quiser e brincar. Então se tiver um brinquedo que é pago, a criança vai querer entrar, mas as famílias que não têm condição, como é que ficam?”, questionou, ao ser informada da mudança para a gestão privada.

Apesar do contrato com a prefeitura do Recife ser amplo e prever uma série de formas de exploração comercial do parque, nas reuniões com o MPPE em relação à pista de bicicross, a Viva Parques garantiu que não haverá qualquer cobrança de ingressos.

“A empresa assinou a ata em que diz que tudo vai ser gratuito. Só não é gratuito as concessões como lanchonetes e barraquinhas e, obviamente, o que for comprado nelas será pago”, explicou a promotora.

No entanto, não haverá cobrança de ingressos para entrar no parque ou para usar qualquer equipamento. “Todo equipamento que for utilizado no parque vai ser gratuito: o parque é público. Tem que ser voltado para atividades públicas”, disse. Caso haja, durante os 30 longos anos de contrato, tentativa de cobrança de algum tipo de ingresso, o MPPE poderá então acionar a Justiça.

Em nota à MZ, a empresa também assegurou que “o acesso livre faz parte do compromisso da Viva Parques com a democratização do espaço público e a promoção de atividades esportivas e de lazer para todos os públicos”.

A promotora afirmou que a Viva informou que o retorno financeiro para a concessão virá da publicidade. Empresas poderão patrocinar atividades ou equipamentos, pagando à Viva por essa exposição e tendo seus nomes nos locais. Para a promotora, não há receio de “elitizar o parque” já que “não vai ter nada cobrado, entrada para usar, nem aluguel. Nada disso”.

A exploração publicitária de espaços para descanso, desconexão e lazer já foi debatida pela Marco Zero nesta outra reportagem sobre o parque da Jaqueira e também nesta outra sobre como a publicidade nesses espaços pode ser nociva se não houver fiscalização do poder público. Para Diego Melo, as mudanças que estão sendo feitas podem mudar o público da Jaqueira nos próximos anos. “Não vai ter cobrança para entrar, mas vai ter restaurante ou lanchonetes lá dentro. É para quem pode pagar, isso muda quem frequenta o parque”.

Confira a resposta completa da Viva Parques para a Marco Zero

Qual a previsão para a inauguração da nova pista de pump track?
A previsão é que a pista seja inaugurada em outubro. O novo equipamento foi projetado para o uso de bicicletas, skates, patins e patinetes, com um traçado que contempla desde crianças e iniciantes até usuários mais experientes.

Será totalmente gratuita?
Assim como os demais equipamentos do parque, o uso da pista será gratuito. O acesso livre faz parte do compromisso da Viva Parques com a democratização do espaço público e a promoção de atividades esportivas e de lazer para todos os públicos.

Nesses pouco mais de quatro meses em que a Viva assumiu o Parque da Jaqueira, quais foram as principais mudanças e melhorias no parque? Quais outras devem acontecer ainda neste ano?
Embora a pista de pump track seja a primeira intervenção de caráter estrutural, a Viva Parques já iniciou uma série de melhorias nos equipamentos sob sua gestão. Na Jaqueira, foram instalados câmeras de segurança, bebedouros, novos banheiros e um bicicletário, além das ações contínuas de zeladoria e manutenção. Também já está em andamento a revitalização do jardim histórico assinado por Burle Marx, nas proximidades da Capela, respeitando a identidade paisagística original do parque.

A “academia de pedra”, que fica ao lado da futura pista de pump track, vai passar por alguma intervenção?
Não há previsão de intervenção na “academia de pedra”. O equipamento não faz parte do perímetro das obras de construção do pump track.

A Viva Parques tem um cronograma de obras para as mudanças no Parque da Jaqueira? Qual?
Ao longo dos primeiros 24 meses de operação, estão previstas novas áreas de convivência e práticas esportivas, como duas quadras de futebol no modelo “barrinha”, uma quadra de basquete 3×3, uma quadra de areia multiuso, uma parede de escalada do tipo “boulder” (de baixa altura) e estruturas para slackline. Também serão implantados um pavilhão com duas operações de alimentação e um quiosque com banheiros. As obras acontecerão em etapas, de forma gradual, mantendo o parque aberto ao público durante todo o período de intervenções.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org