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Bordado dá forma aos sonhos, desejos e memórias de coletivos de mulheres

Samarone Lima / 02/08/2024
Foto de 20 mulheres reunidas em duas fileiras (13 delas estão em pé e set agachadas), exibindo peças de artesanato colorido, com imagens variadas, no formato quadrado. Elas estão diante da fachada de um imóvel com janelas e porta marrons.

Crédito: Divulgação/Anahí AsaAsa

Histórias bordadas, projeto financiado por meio do edital Funarte Retomada-Artes Visuais-2023, abre amanhã, sábado (3), exposição com a “nova” produção de 45 mulheres bordadeiras da Paraíba, Pernambuco e Alagoas. O evento será na Casa Estação da Luz, no Sítio Histórico de Olinda. Nove bordadeiras que participaram das vivências estarão na abertura. A exposição conta também com a exibição de três videos-arte, criados a partir do cotidiano das vivências, e do percurso afetivo da equipe, na busca do universo das bordadeiras.

O projeto foi Idealizado pela psicoterapeuta, indígena e escritora pernambucana Maria do Socorro Santos, que vive em São Paulo há muitos anos. Ela pensava em registrar, reconhecer e mobilizar a escuta ativa e a feitura do bordado sob a ótica das memórias afetivas de coletivos de mulheres.

Participaram do processo 45 mulheres. Em cada cidade, encontros e vivências que modificaram percepções e formas de ver o mundo, reverberando no que surgia entre a agulha, a linha, os sonhos e o pano. Após as conversas, as trocas, as descobertas, que duravam cinco dias, o “novo” bordado surpreendeu. Algo se modificou no imaginário das participantes.

“A maioria das mulheres nunca havia desenhado um sonho, um desejo. E pela primeira vez, elas foram sujeitas e objeto da sua própria pesquisa, do bordado contando uma história. Qual o impacto de expressar e bordar um sonho, um desejo? É quase impossível mensurar. Percebemos a entrega, a satisfação, a ternura com suas histórias. Bordaram, imprimiram em cores seus sonhos”, diz Maria, nascida em São Joaquim do Monte, no agreste de Pernambuco.

“O fato dos trabalhos estarem numa exposição, num espaço tão especial como a Casa Estação da Luz, em Olinda, coloca os trabalhos delas em outro patamar. É uma abertura, uma nova perspectiva para essas mulheres, que criam novos voos, ponto a ponto, na arte de bordar”, completa.

Foto de seis mulheres de meia idade, das quais cinco estão sentadas enquanto fazem bordados, com algumas peças coloridas desse tipo de artesanato dispostas sobre uma mesa redonda. A sexta mulher, usando uma blusa laranja, está em pé, à esquerda da foto, curvada sobre uma das mulheres sentadas como se estivesse ajudando no trabalho artesanal.
Crédito: Divulgação/Anahí Asa

Do bordado para o neto para a realidade do Nordeste

Mesmo sem ser do universo do bordado, ela tinha lançado, em 2022, o livro A manta bordada do Iberê, seu primeiro livro (Editora Zouk), fruto de uma vivência coletiva.

Para receber seu primeiro neto, ela reuniu amigas bordadeiras, de vários lugares do Brasil, que começaram a confeccionar individualmente alguma imagem. Das mãos espalhadas surgiram pipas coloridas, pássaros, bichos, árvores, nuvens.

“Surgiram histórias encantadas e imaginadas”, lembra Maria. “A força do amor e da reunião de mulheres afirmando o poder de criar, encantar e contar histórias com agulha, linha, mão, virou uma colcha, ou um manto sonhador”.

Ela queria ampliar esta vivência, fazendo também imersões e vivências de abertura do imaginário, reflexão sobre o próprio ato criativo, desta vez com mulheres do nordeste, como um retorno às suas origens. Convidou a artista plástica paulista Cris Burger e a produtora cultural Aura Gabriela, para elaborar o projeto, ampliando o horizonte dos sonhos para três estados. Ganhou o título de Histórias bordadas. Pouco depois, a própria filha, Anahí Asa, consultora de audiovisual e videomaker, se incorporou ao grupo. No edital da Funarte, foram inscritos 3.129 projetos de todo Brasil. Do Nordeste, foram aprovados apenas 13. Um deles foi o “Histórias Bordadas”.

A exposição vai até 8 de agosto, e contará com acessibilidade em Libras.

AUTOR
Foto Samarone Lima
Samarone Lima

Samarone Lima, jornalista e escritor, publicou livros-reportagens e de poesia, entre eles "O aquário desenterrado" (2013), Prêmio Alphonsus de Guimarães da Fundação Biblioteca Nacional e da Bienal do Livro de Brasília, em 2014. Em 2023, seu primeiro livro, "Zé", foi adaptado para o cinema.