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Brega funk vai de movimento cultural a foco de disputa ideológica

Jeniffer Oliveira / 24/09/2025
A imagem mostra um grupo de jovens dançando passinho no Marco Zero do Recife. Eles estão vestindo roupas coloridas, de costas, voltados para uma plateia que os observa.

Crédito: Inês Campelo/Arquivo MZ.

Mais do que um ritmo recifense que agita pessoas em bairros, festas e bares, o brega funk é um movimento cultural que impacta e transforma a vida de milhares de pernambucanos, sobretudo, da periferia. Um movimento controverso que usa as batidas marcadas do funk com a melodia do brega para abordar temas que, ora agitam o ouvinte, ora geram polêmicas, acabou virando centro de disputas ideológicas e políticas na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

Pelo menos quatro projetos de lei relacionados ao movimento foram discutidos no legislativo estadual este ano, dois deles dos deputados de direita Renato Antunes (PL) e Pastor Júnior Tércio (PP) e dois da deputada do PT Rosa Amorim. O de Rosa, que cria o Dia Estadual do Brega Funk, foi o único que avançou e teve o texto aprovado na Comissão de Constituição, Legislação e Justiça e segue em tramitação. Na última semana, a deputada realizaria uma reunião solene em homenagem ao Brega Funk, mas precisou ser adiada por choque na agenda da parlamentar.

A data, 21 de março, marca a morte por infarto do Mc Elloco, que ocorreu em 2024, quando tinha 34 anos. Cleiton Silva, o Elloco, acompanhado da sua dupla Shevchenko, foi um dos nomes mais importantes para levar o brega funk ao reconhecimento nacional. Pesquisadores apontam que o precursor do ritmo foi Mc Leozinho, seguidos de outros artistas que viram a potencialidade de misturar os ritmos, mas sem ignorar os estigmas que o brega e o funk carregam juntos. A deputada também propôs o PL 3069/2025, para criar o “Programa de Prevenção à Censura a Arte e a Cultura no Estado de Pernambuco”.

Enquanto Rosa Amorim (PT) levanta o debate da importância desse gênero para a cultura periférica, os deputados de extrema-direita Renato Antunes (PL) e pastor Júnior Tércio (PP) tentam delimitar como e onde as pessoas podem se reunir para curtir o brega funk.

Com o PL 2492/2025, Renato Antunes (PL) quer estabelecer “a vedação de execução de músicas e videoclipes com letras e coreografias que façam apologia ao crime, ao uso de drogas, ou expressem conteúdos verbais e não verbais de cunho sexual e erótico, nas unidades escolares da rede de ensino do estado de Pernambuco, e estabelece outras providências”. Quem desrespeitar seria multado em 10 mil reais.

Já o pastor Júnior Tércio (PP) propôs em abril o PL 2822/2025 que proibiria “eventos irregulares denominados: ‘pancadão’, ‘bailes do inferninho’, ‘muvucão’ e similares no estado de Pernambuco”. O texto define como eventos irregulares todos aqueles que não possuem alvará ou autorização do poder público. Entretanto, a tramitação dos dois projetos ainda não avançaram na Assembleia Legislativa.

Ambos os projetos impactam diretamente nos elementos essenciais do movimento, como por exemplo, a dança representada pelo passinho. Ou até a reunião de jovens para curtir a música em seus bairros. De acordo com o pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do livro Ninguém é Perfeito, a Vida é Assim: a música brega de Pernambuco, Thiago Soares, o brega funk é alvo de uma agenda moral que se coloca sobre as músicas periféricas.

“Há uma agenda política encampada pela extrema-direita, pelos grupos conservadores, sobretudo nas redes sociais, que escolhem algumas expressões culturais que são claramente estigmatizadas. Eles escolhem essas expressões culturais como uma espécie de alvo fácil para constituir ali argumentos morais”, explica.

O pesquisador também analisa que essa é uma das agendas morais que possibilitam engajamento nas redes sociais muito rapidamente com a ajuda de algoritmos, então a replicação de conteúdos sobre esses assuntos acaba sendo muito fácil nesse contexto de ampla polarização política nas redes. Thiago também reforça que essa moralidade direcionada às expressões culturais populares ligadas às populações negras não são novas, historicamente são lidas como violência ou vadiagem.

“A jovialização do brega”

Thiago Soares explica que com o surgimento do brega funk, para além da discussão sobre classe, cresceu também a discussão racial dentro do movimento brega de uma forma geral. “A entrada do brega funk, que é um processo que se dá a partir de 2008, com o início das redes sociais, com a jovialização do brega, que é outro processo que acontece, pois o brega romântico tem um perfil etário um pouco mais elevado. O brega funk jovializa o brega. Ele aproxima o brega de um outro gênero, que é o funk. Então, ele herda os estigmas raciais, os estigmas sexuais, os estigmas de gênero, que estão presentes no universo do funk”, afirma o pesquisador.

Apesar dessas marcas, o gênero musical chega para a periferia como um respiro de cultura e de lazer, direitos muitas vezes negados pelos poderes públicos. A produtora e DJ Kananda P.X, de 28 anos, teve a vida influenciada pelo brega e pela cultura desde o nascimento. Nascida e criada no bairro de Peixinhos, em Olinda, faz do seu legado levar a cultura periférica e o brega funk por onde passa. Hoje é uma das poucas Djs mulheres de brega da cidade.

“Tem impactado demais me reconhecer enquanto um artista do brega, porque isso me traz também uma responsabilidade. E eu sempre fui essa pessoa muito militante. Desde que eu comecei a me entender no mundo enquanto mulher negra periférica eu me dediquei, me dedico até hoje a fazer as coisas mudarem, mesmo que minimamente, como eu puder. Então, com a cultura é a mesma coisa”, reconhece Kananda.

Para a produtora, o potencial do brega funk é desperdiçado, por falta de incentivo e de políticas públicas de cultura efetivas. Em Peixinhos e em tantos outros bairros periféricos, os jovens fazem suas produções independentes e tentam emplacar suas músicas com o único recursos possível: a vontade de fazer acontecer.

“A quantidade de menino que está aí longe de tudo que não presta, porque conseguiu ganhar grana a partir da sua música, mesmo sem ter acesso a políticas públicas. Porque os ‘pirraias’ que conseguem grana hoje, conseguem porque eles montam estúdio home office, eles gravam as músicas sem qualidade mesmo e soltam na internet. Não tem filtro, sem acesso à educação, mas conseguem alcançar. E conseguem por conta própria, porque não é ninguém ajudando”, reflete a DJ.

Mesmo assim, os artistas do movimento brega funk continuam levando o reconhecimento da importância cultural que vem se consolidando ao longo dos anos. Levando a sua pesquisa musical para eventos e instituições, como escolas, festivais, festas institucionais do governo do estado, discussões sobre cultura, além das festas, é claro, Kananda P.X é um dos tantos exemplos de que é possível, mesmo com diversos desafios, levar a música recifense para diferentes espaços.

“Deixa os garotos brincar”

Apesar do projeto que propõe proibir bailes de rua ainda não ter avançado na Alepe, essa proibição parece já estar posta em bairros específicos de Recife e Região Metropolitana, como é o caso de Peixinhos, em Olinda. Conhecido pela sua ebulição cultural, Peixinhos é berço do manguebeat, de afoxés, troças carnavalescas, de artistas do brega e grupos de samba. No entanto, os moradores que têm pouco acesso à iniciativas públicas de cultura, também não conseguem realizar suas próprias festas de rua.

No ano passado, o influenciador digital Diego Yuri, administrador da página Giriquiti News, tentou fazer um baile na comunidade para comemorar os seguidores da página. A ideia foi colocar um paredão na comunidade do Giriquiti, começando por volta das 18h até às 2h da manhã. Para conseguir a autorização da prefeitura, recorreu a ajuda de uma vereadora local que auxiliou nos trâmites. Mas, no dia da festa, o evento não pôde ser realizado.

Segundo o influenciador, a polícia chegou acabando com o baile no momento em que ligaram o som, alegando que o documento que tinha em mãos não era válido. Depois dessa investida, eles dispersaram os moradores que estavam no local. “O que prejudica é o policiamento, pois eles não tem jeito de falar com as pessoas. Eles pensam que, por que é favela, é bagunça e vai ser só droga. Mas não é assim, as pessoas querem se divertir, querem tirar seu sustento. Quem investiu para trabalhar acabou perdendo. Se eles colocam esse policiamento para acabar os bailes, por que não botam para diminuir os assaltos e a criminalidade?”, indaga o jovem.

Em maio deste ano, a polícia militar também encerrou a tradicional festa dos trabalhadores que acontece anualmente no bairro, na praça da Caixa D’água. Os vídeos que circulam na internet mostram os policiais discutindo com moradores e depois mirando na altura da cintura das pessoas. Nesse dia, ao menos cinco pessoas saíram feridas por bala de borracha.

Adrenya Roberta, de 23 anos, é uma das jovens que estavam na festa dos trabalhadores para se divertir e também é comerciante. No dia do evento, não estava na condição de vendedora, mas viu os amigos lamentarem as perdas dos produtos.

“É uma coisa triste, porque a gente não tem como devolver os produtos. Quando você tem algum conhecimento até pega o produto e, se não vender, devolve depois. Às vezes a gente tem inteligência e o nome de fazer isso, mas muita gente não tem. Sem falar da diversão, porque já é difícil acontecer uns eventos desses. Não é algo que acontece toda semana incomodando a redondeza”, afirma a comerciante.

Esses são exemplos de como os bailes de rua já são criminalizados, mas caso os projetos da extrema-direita sejam aprovados, os promotores de eventos de brega funk temem que o acesso à cultura feita pelos próprios moradores diminua ainda mais.

AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo (UNIAESO), mestranda pelo Programa de Pós-graduação e Inovação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Campus Agreste. Contato: jeniffer@marcozero.org.