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Coletivos populares viram votos para Lula na reta final da eleição

Encontro de integrantes do coletivo Força Tururu. Crédito: Divulgação

A falta de material de campanha, o discurso violento de Bolsonaro e o clima de tensão no ar. Nada disso foi capaz de sufocar a iniciativa de coletivos populares do Recife e Região Metropolitana de ir pras ruas de suas comunidades disputar o voto em Lula na reta final do segundo turno. Isso não significa que os coletivos não tinham ou tenham receito de ser hostilizados por bolsonaristas, mas colocaram em primeiro lugar a urgência do combate à fome, a defesa da democracia e o resgate e ampliação de direitos perdidos e por conquistar.

Alguns desses coletivos se manifestaram abertamente por uma candidatura nas redes e nas ruas pela primeira vez na sua história. Foi o caso do Coletivo Força Tururu, de Paulista, com 14 anos de existência. O engajamento pró-Lula veio ainda no primeiro turno. “Decidimos entrar de cabeça na campanha um mês e meio antes do primeiro turno. Primeiro, formamos um grupo para dialogar com pessoas que pensam igual a gente, ou seja, votam em Lula e, posteriormente, montamos estratégias para trabalhar com pessoas que pensam diferente da gente, indecisos ou até mesmo quem vota em Bolsonaro`, explica André Fidélis, do coletivo.

Os integrantes do Força Tururu sentiram a necessidade de criar uma marca, foi então que surgiu o #TururuTáComLula. Depois, eles investiram em elaborar um material que tivesse a” cara e o sentimento da comunidade”. Foram 1.500 “preguinhas”, 800 adesivos de carro e portão e um banner. E mais: produziram dois spots para anuncicleta – anúncio em aúdio para bicicleta – que já circularam por 20 horas, com vozes dos próprios moradores do Tururu.

Nas últimas semanas, o coletivo realizou sete reuniões com grupos diferentes da comunidade, uma caminhada pelas ruas do Tururu, um ato de serigrafia de camisa e, no próximo sábado (29), fará um evento para estampar camisas e visibilizar a candidatura de Lula na véspera da votação do segundo turno. André confessa que, antes de realizarem a caminhada, os integrantes do coletivo estavam com muito receio de sofrerem algum tipo de violência dos bolsonaristas mais extremistas, mas o que viram foi uma recepção muito positiva dos moradores, pedindo adesivos e material.

Produção própria de material

Aliás, material de campanha é um tema à parte. Na verdade, a falta de material para ser distribuído nas comunidades. Problema enfrentado pelo Coletivo Fala Alto, que atua nas comunidades do Alto do Pascoal, Córrego do Deodato, Bomba do Hemetério e adjacências. Eles têm tentado obter material com partidos e organizações e pedido doações. Conseguiram TNT, um pouco de cetim e uma tela para serigrafia em camisa.

“Foi uma maneira que a gente achou de produzir material próprio porque quando a gente anda pela comunidade e o povo vê uma praguinha no peito, um adesivo, uma bandeira na bicicleta ou no carro, sempre perguntam onde é que tem, onde é que conseguem e, na verdade, não tem. Às vezes é até difícil a gente conseguir pra gente”, conta Kayo Na Real. Por conta disso, o Fala Alto decidiu fazer uma ação para pintar camisas.

Camisas produzidas pelo coletivo Fala Alto. Crédito: Divulgação

A deliberação saiu do comitê que o coletivo criou. A ideia surgiu da inquietação de moradores da comunidade que sentiram a necessidade de convencer os eleitores indecisos e pessoas que votaram em outros candidatos no primeiro turno. Mostrar a importância da classe trabalhadora votar em Lula. Kayo diz que esse era um trabalho historicamente feito pelos partidos de esquerda, mas que deixaram de lado. “Esse trabalho de estar dentro da comunidade, de falar pra massa. Diferente de chegar no Centro da cidade quando a galera está com a cabeça no trabalho ou querendo chegar em casa. Não que não seja importante fazer ato no Centro, mas só focar nisso não tem dado certo”.

“A gente passou por um golpe contra uma presidenta eleita, a gente passou por diversas reformas durante o governo golpista de Michel Temer e sempre se falou em greve geral, em se parar tudo e nada aconteceu. Então, assim, a gente tem esse intuito de fazer (o debate) dentro da comunidade pra trazer de volta essa raiz que a esquerda tradicionalmente tinha e deixou, essa essência. De sair daqui pra fora e não o inverso. A ideia é essa”, enfatiza.

Arrastão pró-Lula nas comunidades do Alto do Pascoal e da Bomba do Hemetério. Crédito; Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Nessa quinta (28), o grupo realizou o ato mais importante desse segundo turno na comunidade. Um Arrastão cultural que saiu da Caixa d´água, passou na frente do Compaz e desceu pra Bomba do Hemetério. Aproveitaram a ação para distribuir o máximo de material possível para os moradores e encorajá-los, pelo exemplo, a avermelhar a comunidade. “A gente vê muito o 22, a gente vê muito a bandeira do Brasil, mas que se for avermelhar, a gente consegue cobrir esses tons aí que estão do lado fascista da eleição. A ideia é essa, que quem tem seu paninho vermelho, sua camisa vermelha, bote pra fora, pendure nas janelas”, explica.

Divergência e posicionamento público

O Fala Alto e o Força Tururu têm trabalhado, cada um, de forma unificada contra Bolsonaro, mas para alguns jovens moradores e moradoras de periferia que atuam em coletivos e apoiam Lula, a disputa começou a ser travada dentro de suas próprias organizações. É o caso de Martihene Oliveira e Gilberto Luiz, fundadores do Coletivo Sargento Perifa, da comunidade do Córrego do Sargento, Zona Norte do Recife.

Foi muito duro para Martihene ver integrantes do grupo fazendo campanha para Bolsonaro no domingo do primeiro turno. Os dias que se seguiram foram angustiantes e ela compartilhou essa dor com o também jornalista Gilberto Luiz. No dia 11, os dois fizeram uma postagem no instagram oficial do coletivo assumindo publicamente o apoio a Lula para presidente. Foram incentivadas por outros integrantes também pró-Lula incomodados com a situação.

Antes, avisaram no grupo de zap do coletivo. O Perifa toca mais de 10 projetos que mobilizam dezenas de pessoas na comunidade. “Tem pessoas que são pilares para o coletivo e não votam em Lula. Não podíamos abrir mãos delas. Tivemos que puxar a bala pro peito da gente mesmo e dizer que nossa posição era enquanto jornalistas do Perifa. Essa foi a melhor estratégia que a gente teve e eu faria tudo de novo”.

A jornalista, a primeira de sua família a obter o diploma de ensino superior, é neta do fundador já falecido da Assembleia de Deus no Córrego do Sargento e ela mesma era referência religiosa local até deixar a igreja em 2019, já como uma resposta ao avanço do discurso conversador a partir da eleição de Bolsonaro em 2018. Na postagem, Martihene e Gilberto enumeram os motivos porque votam em Lula e defendem a coerência do seu posicionamento para gerar reflexão. Foram dezenas de comentários positivos e muito poucas pessoas deixaram de seguir o Perifa.

Martihene criou um grupo de zap para debater com pessoas da comunidade que se aproximaram dela depois do seu posicionamento público. A jornalista tem feito porta a porta confrontando a fala de Bolsonaro e suas mentiras com a vida real das pessoas. Quando ele disse que não existia fome no Brasil, ela foi em algumas casas e perguntou aos moradores se tinham comida na geladeira. Eles deixaram ela entrar e mostraram a escassez de alimentos na casa. “Tenho certeza que consegui votos levando essa consciência política”.

Martihene aposta no porta a porta para convencer os eleitores quando os temais são mais delicados, como é o caso do abordo, ainda mais numa comunidade como o Córrego do Sargento, majoritariamente evangélica. “Eu preciso conscientizar a moradora sobre a diferença entre o que é ser a favor do aborto e o que é entender o aborto como uma questão de saúde pública. Quem aqui não conhece alguém que já abortou clandestinamente mesmo não sendo a favor do aborto, correndo sérios riscos? Isso tem feito as mulheres refletirem porque todas têm um caso próximo conhecido”.

Realizações e propostas nas redes sociais

No Ibura, um dos maiores e mais populosos bairros do Recife, as integrantes do coletivo Ibura Mais Cultura decidiram investir suas forças nas redes sociais e no whatsapp nesse segundo turno a partir da percepção de que as fake news espalhadas pelos bolsonaristas têm confundido os eleitores e aumentado o apoio ao atual presidente. Isso ficou evidente nas conversas presenciais com os moradores ainda no primeiro turno e na grande quantidade de eleitores e eleitoras com bandeiras do Brasil e vestindo amarelo nas seções eleitorais da comunidade no dia 1 de outubro.

Integrante do coletivo, Lídia Lins diz que parte desse apoio vem do processo de “alienação que acontece dentro das igrejas” espalhadas pelo bairro. Apesar disso, ela explica que muita gente, embora tenha uma visão crítica do PT, vai votar em Lula porque está sentindo o peso no próprio bolso, especialmente mulheres chefes de família.

A aposta nas redes faz sentido porque a maior parte dos seguidores do coletivo é do próprio bairro. O público, em sua maioria de jovens, cresceu também em outras faixas etárias a partir da atuação do coletivo na pandemia e no apoio às vítimas das chuvas no inverno desse ano. As postagens agora chegam para mais gente. A estratégia é divulgar os avanços do governo Lula, os investimentos e as políticas públicas que beneficiaram diretamente as populações periféricas. Relembrar o que foi feito de positivo no passado por Lula e Dilma para confrontar o discurso antipetista.

“A gente fez essa escolhas entendendo que em 2018 a gente errou muito, nós no sentido amplo da esquerda, do campo progressista, que acaba dando muito palco ao discurso bolsonarista, compartilhando todos os absurdos que Bolsonaro e seus apoiadores acabavam propagando. Por isso decidimos dar evidência ao que já foi feito por Lula e às suas propostas. A onda antipetista fez com que muita coisa fosse esquecida e não repercutisse”, analisa Lídia, alertando que os mais jovens já pegaram algumas políticas em andamento e não têm noção histórica das mudanças e de como elas foram impactando no tempo.

Arrebentando barreiras invisíveis

Na comunidade do Coque, quem está à frente da mobilização política anti-bolsonarista nesse segundo turno é o Movimento Arrebentando Barreiras Invisíveis, o Mabi. Criado em 2000 por um grupo de amigos que curtiam e tocavam rock, o Movimento nasceu com a ideia de descriminalizar a periferia e a pobreza. O estigma do bairro ficou evidente já no início quando decidiram realizar eventos fechados e parte do público e mesmo algumas outras bandas que curtiam o movimento não queriam ir ao Coque. Foi quando decidiram fazer os shows e eventos próximo à Estação Joana Bezerra e facilitar a chegada e saída de todos.

Em 2005, em parceria com alunos e professores da UFPE produziram um jornal local, que depois se transformou num fanzine. A ideia era abrir uma possibilidade de o mundo escutar a voz do Coque, explica Procópio Silva, do coletivo, mas acabaram escrevendo sobre tudo, e caindo mais no terreno da arte. Entre 2010 e 2012, alguns dos integrantes do Mabi entraram na universidade pública. Um fez psicologia, outro fez sociologia. Procópio entrou em ciências sociais. Foi quando perceberam que além de focar no trabalho de descriminalização da pobreza, eles poderiam contribuir com a entrada de pessoas periféricas no ensino superior público.

Grafitagem do Mabi no Coque. Crédito: Divulgação

Hoje têm uma sede numa casa alugada com três salas, sendo um estúdio, um espaço para guardar os equipamentos musicais e uma outra onde dão aulas preparatórias para o pré-vestibular a moradores da comunidade. No ano passado, 50% dos alunos conseguiram entrar na universidade pública federal. E é nessa sala em que o coletivo agora está realizando rodas de diálogo com moradores e moradoras para defender o voto em Lula nesse segundo turno. Foi a disputa eleitoral, inclusive, que depois de tanto tempo, motivou a criação de uma página específica do coletivo no Instagram.

Procópio divide a história do Mabi em quatro fases, a última é a do Movimento Arrebentando Barreiras Invisíveis em Estado de Exceção, já sob o governo Bolsonaro. “Frente a esse fascismo bolsonarento, a gente do Mabi não poderia ficar calado e a gente tá utilizando a voz que a gente tem, não sabemos o impacto dessa nossa voz dentro do Coque, mas a gente tem uma voz, e a gente vem utilizando ela para se posicionar contra esse fascismo bolsonarento. A partir desse entendimento a gente criou uma série de estratégias. Fizemos mutirão de grafite, roda de diálogo, cine coque, além das nossas redes sociais e do boca a boca”, explica Procópio.

Campanha de escuta e comparação

Na quarta-feira (26), um carro de som passava pela Av Norte anunciando uma “super carreata” de Bolsonaro na Guabiraba. Assim como outros locais de morro na Zona Norte do Recife, lá também virou alvo das investidas bolsonaristas. No primeiro turno, chamou a atenção as propagandas de Alberto Feitosa, que foi reeleito deputado estadual. No segundo turno, o que tem se visto são bandeiras de Raquel Lyra (PSDB) ao lado das de Bolsonaro, ainda que a candidata não tenha declarado apoio à reeleição do presidente.

“O pai de Priscila Krause (Gustavo Krause, que foi do partido de sustentação da ditadura militar no Brasil) reativou essas bases antigas que tinha nos morros, de campanhas anteriores”, diz Tatiane Gâmboa, militante do Movimento Sem Terra que tem passado os dias em campanha nas ruas da Zona Norte.

É em ruas de comércio, como a principal de Nova Descoberta, que Tatiane diz se concentrar a propaganda bolsonarista nos morros. “Mas quando se entra mesmo nas comunidades, na parte da escadaria, só dá Marília Arraes e Lula”, diz. A campanha que Tatiane está levando para as ruas é feita de luta e esperança. Na falta de material, os próprios militantes e movimentos estão confeccionando panfletos e bandeiras em mutirões. “Temos que avermelhar a cidade”, diz.

Nas passeatas e panfletagens, Tatiane conta que o importante é ouvir o que as pessoas ainda indecisas sobre o voto têm a dizer. “E depois eu falo sobre o que vai ter impacto na vida da pessoa. Salário mínimo, saúde, educação…muitos dizem que vão votar em Lula quando fazem a comparação”, diz. Com a enxurrada de mentiras despejadas nesta eleição, Tatiane também aprendeu a desmentir as notícias falsas que vê repetidas nas abordagens. “Se o percentual de votos para Lula foi de mais de 60% agora no segundo turno vai ser mais de 70% em Pernambuco”, acredita.

Sem tempo a perder

Apesar da maior parte dos eleitores e eleitoras informarem aos institutos de pesquisa que já decidiram o voto, ainda há uma margem de eleitores indecisos que podem fazer a diferença na reta final da disputa. Por isso, muitos coletivos populares que atuam nos territórios periféricos têm agendadas ações para essa sexta (28) e sábado (29) em suas comunidades. Na sexta, o Mabi vai fazer um cine debate na Academia da Cidade, no Coque, a partir das 16h, para discutir as fake news. No sábado, pela manhã, o Força Tururu realiza pintura de camisa e adesivaço no Campo do Tururu, em Paulista. Nesse mesmo dia, véspera da eleição, integrantes do Sargento Perifa vão ocupar a avenida principal da Linha do Tiro para estampar camisas de Lula Presidente.

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AUTORES
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República

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Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com