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Crédito: 350.org
Atualizado em 14/3/22, às 15h00
A gigante americana de petróleo ExxonMobil recebeu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o licenciamento ambiental e começou, no final de fevereiro, a perfurar poços na Bacia de Sergipe-Alagoas, bem próximo à foz do rio São Francisco. Porém, o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do chamado Projeto Seal – o mais recente investimento de uma petrolífera estrangeira em águas profundas brasileiras – foram construídos com base em informações desatualizadas e incompletas, dos pontos de vista técnico e também social.
O Ibama autorizou a perfuração de até 11 poços exploratórios, em seis blocos da bacia, numa área total de 4.531 Km2, com distância mínima da costa de aproximadamente 50 quilômetros, calculada pela localização do município mais próximo, Brejo Grande (SE). Com isso, a ExxonMobil vai conhecer as características das reservas de petróleo e gás ali existentes e avaliar o potencial de produção na região.
O licenciamento foi concedido sem que as comunidades tradicionais, que vivem e trabalham na região há gerações, tivessem sido “previamente consultadas, de forma livre e informada”, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Antes que a ExxonMobil recebesse o aval para iniciar os trabalhos, foi realizada somente uma audiência pública e que aconteceu em formato virtual, em setembro do ano passado. O que, naturalmente, é insuficiente diante do tamanho do Projeto Seal e dos potenciais impactos, ainda mais numa localidade em que nem todos têm acesso a uma boa internet.
Além disso, empresas contratadas pela ExxonMobil realizaram, em outubro, em diversos municípios da região da foz do São Francisco, treinamentos de resposta a emergências, simulando um vazamento de petróleo, sem que o Ibama tivesse autorizado, monitorado e supervisionado tais atividades.
A petrolífera está sendo acusada por organizações e movimentos sociais de utilizar estudos antigos, feitos pela Petrobras, onde constam dados de 2017 e que, portanto, nem levaram em conta o derramamento de petróleo na costa brasileira em 2019, um episódio de que a população nem se recuperou totalmente. O incidente atingiu mais de mil localidades em 11 Estados do Brasil, sendo nove deles no Nordeste, configurando o maior crime ambiental em extensão com petróleo do oceano Atlântico Sul.
A ExxonMobil foi a responsável pelo famoso “Maré Negra”, vazamento de petróleo no Alasca, em 1989, e que, até 2013, era classificado como o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.
No EIA/Rima apresentado pela empresa e aprovado pelo Ibama, nem todas as comunidades potencialmente atingidas foram mapeadas, tão pouco o que elas possuem de bens, serviços e pessoas. É o que explica o gestor ambiental e organizador de campanhas da 350.org, Renan Andrade. No sentido técnico, de acordo com os próprios termos de referência do Ibama, a modelagem hidrodinâmica e de dispersão deveria ter sido construída com base em informações meteorológicas e oceanográficas de dados primários (levantados pela própria empresa) e de no máximo um ano. Mas, no EIA/Rima, os dados são secundários (produzidos por terceiros) e mais antigos do que esse prazo.
É a 350.org, uma organização global que atua contra as mudanças climáticas, que tem dado, junto com outras organizações brasileiras da sociedade civil, entre elas o Conselho Pastoral dos Pescadores, apoio técnico e jurídico ao Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe, que luta pela lisura desse processo ambiental e pela proteção dos territórios.
Em dezembro, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou uma série de informações oficiais ao Ibama com relação ao EIA/Rima do Projeto Seal. O corpo técnico do MPF apurou que o Estudo de Impacto Ambiental não contempla alternativas ao projeto nem considera se o empreendimento é compatível com planos e programas governamentais, descumprindo, assim, o que prevê o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
A ExxonMobil também teria omitido alguns impactos indiretos, como, por exemplo, do funcionamento de máquinas a diesel e o aumento no risco de extinção de espécies terrestres e marinhas em diversas regiões do planeta. Esses impactos vinculados à perfuração marítima também teriam sido ignorados na definição dos limites geográficos da área de influência do Projeto Seal.
O EIA/Rima também não propõe nenhuma medida para diminuir a emissão de gases do efeito estufa pelas embarcações nem para reduzir o aumento de possíveis colisões com animais marinhos (pelos navios) e aves (pelos helicópteros), tampouco apresenta justificativa para não mitigar esses impactos.
E ainda: entre os diversos pontos levantados pelo MPF, está o fato de que o relatório não detalha nenhum impacto ambiental, não descreve o efeito esperado de nenhuma medida mitigadora nem diz quais impactos negativos não poderão ser evitados. A procuradora da República Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara também questiona a confiabilidade de algumas informações apresentadas pela ExxonMobil, pois o EIA/Rima não comprova se os métodos de cálculos dos riscos e tolerabilidade têm fundamento científico nem se eles foram aprovados por especialistas independentes.
A ExxonMobil apresentou uma licença de operação expirada em 2020 para uso da base de apoio em Niterói (RJ), para onde os rejeitos serão levados e temporariamente armazenados. Também faltou apresentar informações sobre a outra base de apoio marítima, no Porto de Maceió. O Ibama foi cobrado por isso. Na visão do MPF, o material teria ainda deixado de citar evidências e dados importantes da literatura ambiental e teria apresentado informações genéricas e contradições ao longo de seus diversos capítulos.
“São muitas desatualizações e falhas nesse estudo. Existem muitas lacunas”, frisa Renan, avaliando ainda que o prazo dado para que as comunidades e a sociedade como um todo debatessem as questões foi muito curto diante dos potenciais impactos do projeto.
Segundo o próprio Relatório de Impacto Ambiental da ExxonMobil, quase 80 municípios, de Alagoas ao Rio de Janeiro, estão localizados na grande área de influência do Projeto Seal e sujeitos, portanto, aos impactos potenciais da atividade exploratória, sejam eles diretos ou indiretos durante a implantação e/ou operação.
Para dar apoio à atividade de perfuração, será utilizada uma base em Niterói (RJ) e outra em Maceió (AL). Já para o suporte marítimo, serão utilizadas cinco embarcações para transportar equipamentos e suprimentos até a unidade de perfuração e depois levar os resíduos gerados para a destinação em terra (reciclagem, disposição em aterro, etc).
Ao menos 52 unidades de conservação estão localizadas na área de influência do Projeto Seal, entre elas as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Costa dos Corais e Piaçabuçu, além da Reserva Extrativista Marinha da Lagoa do Jequiá. Segundo o estudo denunciado como desatualizado, a atividade pesqueira artesanal de ao menos oito municípios sofrerão interferências: Paripueira (AL), Maceió (AL), Marechal Deodoro (AL), Jequiá da Praia (AL), São João da Barra (RJ), Campos dos Goytacazes (RJ), Niterói (RJ) e Rio de Janeiro (RJ).
“Até agora, não fomos previamente consultados”, denuncia Ana Elísia Pereira Costa, do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais e do Movimento das Marisqueiras, ambos de Sergipe. Ela é de Indiaroba, onde a população vive de pesca artesanal, mariscagem e turismo comunitário.
Maria Izaltina, de Brejão dos Negros, em Brejo Grande (SE), reforça: “Eles nunca entraram em contato com a gente. Aí vieram aqui para a gente participar de uma audiência e entregaram panfletos. Em protesto, combinamos de não participar da audiência pública virtual”. O quilombo onde ela vive é formado por cinco comunidades onde moram 486 famílias que tiram o sustento da pesca e de atividades extrativistas. “Muita gente na região nem sabe desse projeto. Nós é que estamos repassando”, diz.
As organizações sociais recorreram ao MPF para que a audiência pública virtual do ano passado fosse anulada e as comunidades fossem devidamente consultadas. Reconhecendo as arbitrariedades, o MPF ingressou com uma Ação Civil Pública, mas a Justiça de Sergipe negou o pedido. Em 2021, através de uma carta aberta, mais de 100 organizações do Brasil e do exterior se posicionaram contra o licenciamento para exploração na região.
Na avaliação de Renan, da 350.org, as ameaças do Projeto Seal são “gigantescas” pelo fato de os blocos exploratórios estarem localizados entre santuários marinhos de biodiversidade e sistemas complexos com espécies endêmicas (que só existem naquele local), como o de São Pedro e São Paulo, Fernando de Noronha e Abrolhos.
“O pior nesse sentido é a celeridade e a forma como está sendo feito esse licenciamento ambiental. Isso nos preocupa bastante. Porque o licenciamento é justamente a ferramenta para minimizar os riscos de acidentes ambientais e as atividades que possam prejudicar e impactar determinadas áreas, povos e espécies”, diz Renan Andrade. Para ele, o Ibama tem agido de forma “desonrosa” em relação ao que se espera do instituto.
O gestor ainda cita que houve censura na única audiência pública virtual. O tempo concedido foi muito pequeno e ele mesmo nem conseguiu acesso ao microfone para falar. “Não estamos falando que não se possa ter o licenciamento de uma atividade de exploração de petróleo. É uma atividade legal e nós entendemos isso. Porém, é importante que essa atividade siga os ritos do licenciamento ambiental e o que a legislação estabelece”, evidencia.
A única audiência pública não pôde ser presencial por causa da pandemia, segundo a petrolífera. No entanto, em outubro do ano passado, um mês depois, empresas contratadas pela ExxonMobil realizaram treinamento presencial em diversos municípios da região, simulando uma ação emergencial de vazamento de petróleo.
As comunidades locais e organizações sociais também denunciam que tal atividade, que envolveu autoridades locais, comunidades e pescadores, foi realizada sem autorização do Ibama, antes que o órgão tivesse concedido o licenciamento para a perfuração, que saiu no mês passado.Em resposta oficial às solicitações feitas pelo MPF, em dezembro do ano passado, o Ibama admite que “não concedeu autorização, monitorou ou supervisionou tais eventos”.
Ana Elísia e Maria Izaltina contam que, para o treinamento, a empresa alugou embarcações locais pagando cerca de R$ 2 mil, além de diárias e cestas básicas para participantes da ação. “Eles levaram os barcos, colocaram uma espécie de correntes de boias e os pescadores ficaram lá acompanhando para saber o que fazer se tiver um acidente. Sendo que os pescadores não vão ter esses equipamentos, não é?”, indaga Maria Izaltina.
No Facebook, a ExxonMobil divulgou somente a ação de Avaliação Pré-Operacional (APO), que é feita obrigatoriamente sob acompanhamento de técnicos do Ibama e aconteceu em fevereiro deste ano.
No mesmo documento de resposta enviada ao MPF pelo Ibama, o instituto afirma que, em relação às Unidades de Conservação federais afetadas pelo empreendimento da ExxonMobil, o Estudo de Impacto Ambiental “não identificou impactos efetivos sobre elas decorrentes da atividade. Foram identificados apenas impactos potenciais, decorrentes de cenários acidentais de vazamento de óleo”.
Sobre as constatações feitas pelo corpo técnico do MPF, o Ibama apresentou um parecer técnico em que expõe sua avaliação sobre o EIA do empreendimento e informou que a ExxonMobil já apresentou documentação de resposta, que se encontra em análise.
A Marco Zero procurou a ExxonMobil através de sua assessoria de imprensa contratada e enviou uma série de pedidos de informação em relação às denúncias e críticas sobre o licenciamento ambiental, a falta de consulta prévia às comunidades e o treinamento. A empresa, no entanto, respondeu com uma nota genérica, com informações que já constam no folder de divulgação do projeto.
Confira a nota na íntegra:
ExxonMobil Exploração Brasil (EMEB) começou a perfuração do poço Cutthroat em 20 de fevereiro de 2022, no bloco SEAL-M-428. O trabalho deve levar entre 2 e 4 meses para ser concluído. A ExxonMobil é operadora do bloco SEAL-M-428 com 50% de participação junto aos parceiros Enauta (30%) e Murphy Oil (20%). O bloco SEAL-M-428 está localizado na Bacia de Sergipe-Alagoas, a, aproximadamente, 67 km da costa. O poço está sendo perfurado a pela navio-sonda West Saturn, da Seadrill, em lâmina d’água de, aproximadamente, 3.100 metros de profundidade. As bases estão localizadas em Maceió (AL) e Niterói (RJ).
A reportagem também enviou diversos questionamentos ao Ibama, com base nas mesmas questões. O instituto, porém, não respondeu até o fechamento desta reportagem.
ATUALIZAÇÃO
Três horas após a publicação desta reportagem, o Ibama enviou as respostas às perguntas feitas pela Marco Zero no dia 4 de março. Confira as respostas do instituto na íntegra, por tópicos de assuntos abordados:
Sobre Eia/Rima e dados defasados e secundários:
Para os municípios de Passo de Camaragibe, Barra de Santo Antônio, Paripueira, Maceió, Marechal Deodoro, Barra de São Miguel, Roteiro e Jequiá da Praia, todos localizados no estado de Alagoas (AL), foram realizados levantamentos de dados primários em campo, em razão de não existirem estudos pretéritos específicos, abrangendo todas as informações solicitadas no Termo de Referência.
Os dados primários foram complementados por dados secundários, considerando a existência de abundante material bibliográfico sobre os temas abordados, inclusive sobre a atividade pesqueira na Área de Estudo, derivado, em grande parte, de estudos ambientais realizados e resultados de projetos de monitoramento implementados no contexto de processos de licenciamento ambiental de empreendimentos similares. E, adicionalmente, em publicações em portais de instituições governamentais e de pesquisa que possibilitariam a obtenção de informações relevantes.
Sobre audiência pública virtual:
A decisão pela realização de uma audiência pública virtual decorreu em função da pandemia de Covid-19, inclusive em atendimento às regras sanitárias impostas por Estados e Municípios. O formato virtual da audiência pública, em acordo com a Resolução CONAMA nº 494/2020, possibilitou maior abrangência regional do evento, que contou com participantes de diversas regiões do país. Neste sentido, a disponibilização da gravação da audiência pública em meio eletrônico e de canais de contato após o evento tiveram o condão de mitigar eventuais prejuízos no que se refere à participação, entendendo-se a audiência pública como apenas um dos meios de participação cidadã disponíveis à população. Além da audiência, foram realizadas entre 28/06/2021 e 15/07/2021, 15 reuniões setoriais preparatórias para a audiência pública virtual, conforme o Relatório nº 10571088/2021-COEXP/CGMAC/DILIC.
Sobre consulta prévia:
A Convenção da OIT 169 é aplicável aos povos indígenas e tribais, conforme prevê o seu art. 1°, incisos “a” e “b”. No caso específico desse projeto não foram indicadas interferências das atividades rotineiras da operação sobre nenhuma das comunidades identificadas na área de estudo, considerando a distância do projeto de perfuração da costa (RIMA, p. 23).
Embora a audiência pública realizada no processo de licenciamento ambiental não se confunda com a consulta prevista na Convenção OIT 169, é certo que ambas possuem objetivos comuns, tais como assegurar a prestação de informações aos interessados sobre o empreendimento e a salvaguarda dos interesses das populações afetadas.
Sobre disponibilidade de equipamentos em caso de acidentes:
Em caso de acidente, os recursos de resposta a emergências serão acionados conforme plano elaborado pelo empreendimento e aprovado no processo de licenciamento ambiental. Dentre os recursos previstos, está a utilização de embarcações locais, como estrutura adicional a ser empregada. Os tempos de mobilização e resposta também constam no plano.
Sobre treinamento não autorizado pelo Ibama:
O treinamento deve ocorrer antes do início das atividades, para que, no caso de um eventual vazamento, os membros das comunidades estejam capacitados para atuar no atendimento à emergência ambiental.
Neste sentido, a ExxonMobil realizou treinamentos de caráter voluntário anteriores à atividade, sem que tenha havido solicitação do Ibama, com exceção da Avaliação Pré-Operacional ocorrida entre os dias 7 e 10 de fevereiro de 2022. Este evento, em Pirambu/SE, ocorreu por demanda do Instituto como requisito à aprovação do plano de emergência da atividade, a fim de verificar a exequibilidade do plano proposto antes da atividade. A licença de operação prevê, ainda, a realização de simulados anuais de emergência durante a atividade.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com