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Conselho Nacional de Direitos Humanos e Despejo Zero visitam comunidades ameaçadas de despejo

Marco Zero Conteúdo / 22/08/2023
Grupo de pessoas em reunião, sentadas em cadeiras de plástico amarelo dispostas em círculo, em galpão de teto sem forro.

Crédito: Jeniffer Oliveira/MZ Conteúdo

por Jeniffer Oliveira

Constitucionalmente, todo cidadão e cidadã tem o direito fundamental à moradia digna, no entanto, cerca de 270 mil famílias brasileiras vivem sob ameaça de perder as casas em conflitos por terra e moradia. De acordo com a Campanha Despejo Zero, só em Pernambuco, são mais de 34 mil famílias ameaçadas e mais de duas mil que já foram despejadas. Com foco no drama vivido por essas pessoas, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Fórum Nacional de Direitos Humanos (FNRU), Campanha Nacional Despejo Zero, Habitat para a Humanidade Brasil e outras entidades da sociedade civil estão realizando a Missão Denúncia para ouvir a população sobre violações do direito à moradia, desde infraestrutura básica à de ameaças de despejos irregulares.

A Missão está acontecendo entre os dias 21 e 23 deste mês, percorrendo territórios e ocupações em Recife, Jaboatão dos Guararapes, Jaqueira, Escada e Olinda. Entre as  regiões, os municípios da Mata Sul têm questões emblemáticas, que se arrastam por anos. Apesar de ser uma região rica em água e em recursos naturais, o fato dos territórios serem majoritariamente utilizados para a produção de cana-de-açúcar, dificulta a subsistência dos agricultores e aquicultores. 

Além da luta pelo sustento, essas famílias também enfrentam ameaças às suas vidas em conflitos pelo direito à terra.  

“Quem sempre tá lá no território querendo tomar as terras dos agricultores, querendo expulsar os agricultores de suas casas são as grandes empresas. São as usinas que ainda existem, são poucas, mas ainda existem com força, e empresários. E agora de forma mais concreta, de 2018 para cá, a agropecuária extensiva que tá chegando com força na região”, afirma Geovani José, coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra, atuante na mata Sul.

Na comunidade de Fervedouro, no município de Jaqueira, os moradores vivem há anos, com medo de perderem suas terras. A maioria nasceu, cresceu e criou os filhos no território que faz parte da área da antiga Usina Frei Caneca, vivendo de forma amigável com os arrendatários que geriram a empresa. No entanto, há pouco mais sete anos foram surpreendidos pelo pedido de desapropriação da área, seguido de ameaças e intimidações. 

“A gente vive no meio dos conflitos, uma hora chega uma liminar pra derrubar as casas da gente, outra hora vem outra liminar pra destruir o que a gente tem. E a gente já passou por muitas coisas difíceis aqui”, conta dona Maria Graciete, agricultora de 65 anos, que planta para garantir a subsistência. 

Já em Frexeiras, distrito de Escada, os moradores estão ameaçados de perderem suas casas que ficam ao redor dos trilhos de uma antiga linha de trem sem uso. Desde de 2011, pelo menos 200 famílias lutam na justiça pelo direito de viver em suas casas, mas não só, pelos seus comércios e meios de sobrevivência, tendo em vista que a linha férrea corta a cidade e passa pela principal área de comércio. “Demolir isso aqui é acabar minha vida. Eu vivo disso aqui, não só eu, mas outras pessoas que trabalham aqui que são da família. Eu não dependo só de mim, se fosse depender de mim tava tudo certo, mas temos duas funcionárias, tenho minha família”, lamenta o comerciante Agnaldo dos Santos, proprietário de uma lanchonete no Centro do Distrito há 25 anos. 

“A missão é importante para trazer visibilidade para situações de conflito, de ameaças de remoção e outras violações de direitos humanos que vêm sendo sofridas por essas comunidades”, reitera Daisy Ribeiro, assessora jurídica da Campanha Despejo Zero. A partir das escutas realizadas nos dias de visitas, a equipe envolvida vai levar as demandas dos territórios para uma audiência pública com representantes do Ministério Público de Pernambuco, Tribunal de Justiça, entre outros órgãos e autoridades locais.

Agnaldo e a esposa Maria José temem despejo e demolição. Crédito: Jeniffer Oliveira/MZ Conteúdo

Um drone sobrevoa o protesto

Quando a Missão Denúncia chegou em Fervedouro, os participantes receberam notícia de que, há poucos quilômetros dali, na área conhecida como Engenho Barro Branco, estava acontecendo mais um episódio do conflito entre moradores e seguranças da empresa arrendatária do local. Um grupo de 70 moradores se reuniram em protesto, por volta das 7h da manhã e resistiram até o final da tarde, reivindicando mais respeito por parte da empresa Agropecuária Mata Sul. 

Parte da equipe da Missão se dirigiu ao local do protesto e ouviu denúncias de gado solto nas proximidades das casas, escolas e igrejas, expondo crianças e idosos ao perigo, drones que os monitoram e pulverizam agrotóxicos nas proximidades das casas e plantações. Nesse instante, um drone sobrevoou a pequena altura o local onde o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, André Carneiro Leão, conversava com os moradores.

Representantes da comunidade e da empresa foram encaminhados à delegacia para prestar queixa. “Nós estranhamos porque constou como ‘autor do fato’ a comunidade Barro Branco e como ‘vítima’ a fazenda. O que contrariava, inclusive, o que estava no próprio corpo do boletim de ocorrência, que registrava uma insatisfação da comunidade”, afirma Carneiro Leão.

Apesar do delegado responsável estar de férias no momento, a defesa também vai buscar meios para averiguar a denúncia sobre o uso de agrotóxicos no local. “Vamos encaminhar um ofício ao delegado solicitando esclarecimentos, porque havia um registro de que já houve a instauração de um procedimento de apuração sobre o uso desses agrotóxicos na região”, reforça o presidente do CNDH.

A comunidade de Barro Branco faz parte da Colônia Um, localizada entre os cinco mil hectares do território da antiga Usina Frei Caneca, arrendado para a Agropecuária Mata Sul, que utiliza as terras, majoritariamente, para a plantação de eucalipto e a criação de gado.

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