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Nos assuntos mais buscados no Google pelos brasileiros, este ano, está o seriado Chernobyl, que narra a catástrofe vivida na cidade ucraniana de mesmo nome, quando uma usina nuclear explodiu, em 1986. Estamos falando de uma série de TV, mas usinas nucleares não são papo de ficção científica. No mundo há, pelo menos, 450 reatores em funcionamento. O Brasil tem três.
Este ano, o governo brasileiro retomou planos de construção de uma usina nuclear no sertão pernambucano. Itacuruba, município de 4 mil habitantes às margens do rio São Francisco, foi apontado em estudos da Eletronuclear como local adequado para abrigar uma central com até seis reatores, conforme o ministério de Minas e Energia documenta em resposta a um pedido de informação feito pela OAB (Ordem de Advogados do Brasil).
Os debates em torno do projeto Itacuruba, e sobre a instalação de usinas nucleares em si, envolvem uma série de fatores ambientais, sociais e políticos. Por exemplo, cientistas garantem que, mais de 30 anos depois do acidente nuclear na antiga União Soviética, os equipamentos evoluíram bastante em segurança e tecnologia. A energia nuclear é, inclusive, considerada uma fonte limpa de geração elétrica, por não emitir gases de efeito estufa, embora sua fonte não seja renovável, como a solar e a eólica. Além das usinas, a tecnologia nuclear também tem aplicações importantes na medicina.
Apesar disso, o tema é complexo e as dúvidas persistem. Afinal, as usinas nucleares são seguras? Este tipo de projeto é vantajoso para o Brasil? Quais os riscos envolvidos?
Conversamos com dois respeitados físicos brasileiros que têm experiência na área de energia. Sérgio Rezende, que é favorável ao projeto, e Ildo Sauer, que é contrário. Leia as respostas deles e tire suas próprias conclusões.
Sérgio Rezende é professor da UFPE. Foi ministro da Ciência e Tecnologia nos dois mandatos do ex-presidente
Ildo Luis Sauer é ex-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e PhD em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Foi diretor de gás e energia da Petrobras e também é ex-gerente de projeto de reator nuclear para a Marinha do Brasil.
Sauer – De modo geral, o país tem outras opções para produzir energia que vão custar em torno da metade de uma usina nuclear. Temos os melhores recursos naturais do mundo para a geração de energia. Apenas a conclusão de Angra 3, fora o que já foi gasto, vai exigir de R$ 16 a R$ 20 bilhões, com capacidade de gerar 1.341 megawatt (MW), que, descontado o tempo de manutenção da usina, no final resulta em 1.000 MW .Ou seja, o custo de energia gerada é acima de 200 MW por hora (MWh). Usando usinas eólicas, essencialmente no Nordeste, onde se tem muito vento, o governo precisaria gastar metade – R$ 8 a 10 bilhões – para construir o número de usinas eólicas (geração de energia com o vento) que chegue a uma geração de 2 mil MW. Para fazer usina fotovoltaica (geração solar) custaria de R$ 8 a R$ 10 bilhões para construir 5 mil a 6 mil MW.
Rezende – Se você cobrir 2,5% da área de Pernambuco com painéis solares você gera toda a energia elétrica usada no Brasil. Mas a usina solar só gera em um terço do tempo da nuclear, é uma geração intermitente porque não tem sol o dia todo. E os custos são altos. Não seria factível economicamente para gerar toda a energia que precisamos. Mas é factível ter várias usinas solares, sim, só que precisa de uma energia de base, de geração contínua. As energias solar e eólica sozinhas não resolvem o problema.
Sauer – Para avançar economicamente e socialmente o Brasil precisa dobrar a produção de energia. É possível uma combinação entre energia solar, eólica e hidrelétrica, sem precisar da nuclear. Cobrindo a cidade São Paulo com painéis solares seria possível gerar mais energia do que hoje é consumido no Brasil. O problema é a conciliação dia e noite, porque a usina nuclear opera continuamente e a geração solar é intermitente. Mas temos um potencial de de geração de energia eólica 500 e 800 mil MW instalável, mais 100 mil MW de potencial instalável em hidrelétricas. Isso sem falar que as gerações eólica e a fotovoltaica ainda têm ganhos tecnológicos possíveis. Há um potencial eólico offshore (em alto mar) e de geração de energia a partir dos resíduos urbanos orgânicos ainda não explorado, sem falar da geração a partir do bagaço da cana-de- açúcar (biogás).
Rezende – É preciso energia de base, como disse. É o caso das usinas hidrelétricas, das térmicas e das nucleares. Nós precisamos ter saídas para energia porque precisamos aumentar a quantidade de energia e não pode ser com combustíveis fósseis. Atualmente mais de 60% da energia consumida no Brasil vem de combustíveis fósseis. O problema é que os combustíveis fósseis geram fumaça e o que está acontecendo com a Terra é a cada ano o efeito estufa aumenta. A temperatura do planeta está subindo, o nível do mar está subindo, a cobertura de neve no Hemisfério Sul tá reduzindo. No governo
Sauer – Existem hoje reatores mais seguros do que os de Angra, mas o custo deles é três vezes maior do que usinas eólicas e a fotovoltaicas. O projeto de Angra 3, por exemplo, é avançado para a década de 70. Isso sem dizer que cada reator gera cerca de mil toneladas de combustíveis irradiados, requerendo cuidados por muitas gerações depois.
Além de custar o dobro das outras alternativas , as usinas nucleares nos deixam uma herança. Um reator precisa de 300 anos de cuidado se os combustíveis irradiados forem reprocessados ou de 2 mil anos, se não forem, (os de Angra, por exemplo, estão sendo mantidos em piscinas). Fora o risco, que existe, de episódios e acidentes como aconteceu em Three Mile Island (nos Estados Unidos) e Fukushima (no Japão), que aconteceu em decorrência de uma tsunami.
Rezende – A usina nuclear gera energia a partir da desintegração de átomos de metais pesados. No reator de uma usina, essa reação é controlada. O calor gerado esquenta água, gera vapor e move uma turbina. Um reator nuclear tem três circuitos independentes, mas ligados, que objetivam aumentar a segurança da operação. Os dois acidentes – houve Chernobyl e Three Miles – são muitos antigos. Por conta desses acidentes a segurança nos reatores aumentou muito. Deixou-se de usar certos tipos de reatores. Em Fukushima não houve acidente nuclear, foi algo geológico. Teve um maremoto que invadiu a usina.
Uma usina nuclear tem que ser construída perto da água e é melhor água doce, porque a salgada corrói a tubulação. A maioria é perto do mar, como Angra 1 e 2, mas elas exigem manutenção maior e a durabilidade é menor. Numa usina nuclear, o circuito da água não tem contato com a radioatividade. Por isso, a água do rio São Francisco, no caso de Itacuruba, não seria retida. Ela entra e sai e só é usada para refrigerar o sistema. Não tem contato com a radioatividade.
Sauer – A compensação para a população de Itacuruba, se houver, vai vir como indenizações do governo. Os custos recaem no dinheiro dos próprios brasileiros – nos impostos, nos recursos que deveriam ser investidos em melhorias para a população e na tarifa elétrica, que fica mais cara. Pela metade do custo temos outras opções que geram mais emprego. Pás eólicas , por exemplo, já são produzidas no Brasil e temos empresas nacionais produzindo geradores para torres de geração de energia eólica. Oferecer migalhas e compensações para ludibriar ou atrair pessoas faz parte de uma estratégia que não é necessária.
Rezende – Itacuruba foi escolhida por condições geográficas, como o terreno plano, o solo muito estável. Mas também por ser uma região muito sofrida. Acredito que seria uma grande vantagem para a economia da região ter um projeto como esse que vai gerar empregos e renda.
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).