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Talvez não exista outra organização brasileira que tenha mobilizado tanto a sociedade para priorizar a primeira infância quanto a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), organização fundada há 59 anos e que, desde 2007, atua com foco em impulsionar políticas públicas para crianças até seis anos de idade. E o acesso às creches é um dos temas mais presentes nas atividades da Beatriz de Oliveira Abuchaim, gerente de Políticas Públicas da Fundação, com quem conversamos para tentar entender as virtudes e os riscos do modelo adotado pela gestão de João Campos para multiplicar as vagas em creches.
Abuchaim não acredita que ampliar a rede em parceria com entidades sem fins lucrativos é um problema ou um erro. Ela lembra que isso está previsto na lei 13.019, sancionada por Dilma Rousseff em 2014, que “estabelece o regime de parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil sob a forma de cooperação mútua”. A própria Fundação aponta que esse é um dos caminhos que os municípios podem adotar em uma publicação específica para prefeitos e administrações municipais.
A chave para garantir a qualidade no atendimento e cuidado com as crianças estaria, segundo Beatriz Abuchaim, na “responsabilidade do poder público”.
“Não é só fazer o convênio com essas instituições. O município tem que garantir que existam as previstas na legislação brasileira para o funcionamento de uma escola de educação infantil. E que exista uma supervisão do que que está acontecendo em relação à condição dos professores, à infraestrutura física, a parâmetros como a quantidade de crianças por metro quadrado é por professor… o Recife é um município grande, imagino que tem estabelecido esses parâmetros”, explicou a gerente da Fundação, que é psicóloga e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Ela chama a atenção que, após o processo de credenciamento, “há mais duas camadas sob responsabilidade da prefeitura: a supervisão e o processo de formação dos profissionais”. Segundo Beatriz Abuchaim, a secretaria de Educação deve supervisionar o trabalho dessas instituições privadas da mesma forma que supervisiona as unidades da rede municipal.
“É preciso olhar para questões como o que que está sendo oferecido em termos de alimentação para essas crianças? Em termos pedagógicos, quais os recursos disponíveis? A infraestrutura é adequada para atender bebês e crianças pequenas? Tem um vazamento e isso põe em risco a saúde das crianças? então isso tem que ser arrumado. E se um supervisor da prefeitura, indicar que a creche não está adequada, que feche a creche”, explica.
Nas recomendações da FMCSV aos gestores públicos, aquilo que Abuchahim chama de “terceira camada” merece destaque: a necessidade de qualificação profissional das equipes que trabalham com as crianças pequenas. A importância da formação é ressaltada pelo fato das entidades sem fins lucrativos conveniadas serem associações ou institutos de pequeno porte, sem capacidade de oferecer bons salários nem cursos para seus funcionários.
“Esses profissionais já não estão em carreira do magistério público, quer dizer, são profissionais que estarão recebendo menos, pois as entidades não têm condições de pagar salários altos, pois a vaga na rede parceira é muito mais barata do que na rede oficial, então a prefeitura pode ajudar oferecendo oportunidades de formação de qualidade para essas pessoas”, explica, acrescentando que a cidade de São Paulo já está fazendo isso.
“Não estou dizendo que São Paulo é o melhor exemplo do mundo, mas aqui em São Paulofoia dotado o princípio de dizer que só existe uma rede, não se fala mais da rede parceira e da rede direta. Eles dizem ‘a nossa rede de creches’. Nessa lógica, diretoras e professoras recebem a mesma formação, independente de serem servidoras concursadas ou contratadas pelas associações”, detalha a gerente da FMCSV. Essa medida, segundo ela, é uma motivação para os funcionários das unidades credenciadas “fazerem o trabalho deles de uma forma melhor”.
Proporcionar formação continuada para quem trabalha nas creches conveniadas seria uma das maneiras de viabilizar qualidade no atendimento às crianças e, além disso, o mesmo padrão entre as diversas associações parceiras. “Tem que ter controle de qualidade, afinal é uma vaga disponibilizada pelo poder público. Eu sempre falo que isso não pode ser por sorte da criança de ter nascido em um bairro onde a creche é ótima, porque é uma creche pública, mas outra criança não teve a sorte, nasceu nesse outro bairro, então foi mandada pra essa outra creche conveniada. O poder público tem essa responsabilidade a partir do momento em que garante a oferta de uma vaga”, defende Abuchahim.
A gerente da FMCSV acredita que, se a legislação permite que a expansão da rede de creches por meio de parcerias, isso precisa ser feito da maneira certa, “para que as crianças tenham boas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento”. E isso exige do poder público “muita responsabilidade”.
A responsabilidade que Beatriz Abuchahim menciona implica em riscos. Segundo ela, optar por esse caminho e, depois, partir para a municipalização pode acabar desempregando quem trabalha na rede e prejudicando as crianças com o fechamento de vagas.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.
Com 19 anos de atuação profissional, tem especial interesse na política e em narrativas de defesa e promoção dos direitos humanos e segurança cidadã.