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Dani Portela foi eleita com 14.114 votos. Foto: Divulgação
Um dia após a vitória como a vereadora mais votada para a Câmara Municipal do Recife, Dani Portela (Psol) enfrentou uma maratona de entrevistas. Todos queriam falar com a mulher negra, feminista, que havia levado mais de 14 mil votos nas urnas. Uma vitória com sabor de virada: há quatro anos a mais votada foi a fundamentalista Michelle Collins, que conseguiu a reeleição, mas com uma votação bem menor.
Advogada, Dani Portela concorreu pela primeira vez a um cargo público em 2018. De cara, conseguiu uma expressiva conquista: ficou em terceiro lugar na disputa, à frente de Júlio Lóssio e Maurício Rands.
Para vereadora, Dani Portela fez uma campanha forte, com apoio de movimentos sociais e muitas propostas. Mas também de enfrentamentos. Denunciou ao Tribunal Regional Eleitoral a candidatura do pastor Júnior Tércio (Podemos), casado com a deputada estadual ultraconservadora Clarrissa Tércio (PSC). A campanha de Dani afirma que a campanha do pastor teria distribuído brindes e feito disparos em massa pelo WhatsApp, o que é proibido pela legislação. Ele foi eleito com a terceira maior votação.
Um dia após a vitória, após um almoço à tarde, o projeto Adalgisas falou com Dani Portela por telefone.
A que você atribui essa vitória tão expressiva? Ter sido candidata ao governo do estado em 2018 ajudou?
Eu acredito que a candidatura para o governo ajudou, porque deu visibilidade, e tivemos uma resultado expressivo. Mas tanto lá, em 2018, como agora tem uma relação que eu atribuo que não é meramente numérica, é uma junção que a gente chama de campanha movimento. Atribuo esse resultado às muitas mãos que fizeram isso coletivamente: ao movimento feminista, ao movimento negro, ao movimento pela moradia, ao comércio informal, ao movimento que luta por moradia, de muitos movimentos sociais que abraçaram nossa campanha. E muitas mulheres que abraçaram nossa campanha por entender que a democracia só será completa quando as mulheres estiverem no centro das decisões, já que somos a maioria da sociedade.
Quais serão suas prioridades na Câmara?
Vamos centralizar o mandato no enfrentamento às opressões, sejam elas de gênero, raça ou cor. Mas principalmente contra o racismo, que estrutura as demais desigualdades; E também a atenção à infância. Se a gente pensa no enfrentamento ao racismo, a gente tem que ver isso no âmbito de toda política pública. Se eu falo de saúde, eu tenho que olhar para os números e a população negra é a que mais tem morrido de doenças preveníveis ou de causas violentas. As mulheres negras representam 87% das mortes durante o parto na rede pública. Então a gente precisa falar dessa atenção de enfrentamento ao racismo na educação, na saúde, na busca por crédito. Quem são essas mães que não conseguem trabalhar ou estudar por não ter onde deixar seus filhos? Quem são os analfabetos e analfabetas? Quase 7% dos recifenses estão passando fome e a maioria é negra. Será um mandato construído por muitas mãos.
Como você pretende ajudar Marília Arraes na campanha para o segundo turno?
A minha história com Marília vem de longe. Eu sou filha por adoção e o avô dela e o meu avô (Luiz Portela) eram muito amigos. Eles foram exilados juntos e voltaram juntos para o país com a redemocratização. Meu pai é um ex-preso político da ditadura brasileira. Então, a nossa história vem lá de trás e nunca que nossos avós imaginariam que as netas estariam lá na frente, ocupando essa centralidade. Vou mergulhar nessa campanha para eleger a primeira prefeita do Recife.
Michelle Collins foi a candidata mais votada em 2016, e agora foi você, uma mulher negra, de esquerda. Como você avalia essa mudança?
O número de votos tem um simbolismo grande, mas principalmente o que esses votos representam. Na eleição anterior foi uma mulher de um campo conservador, fundamentalista religiosa. Agora, é uma mulher negra, que defende o feminismo popular. Isso mostra que a sociedade está se movimentando. Tem uma frase de Angela Davis que uso muito nos meus discursos: “quando uma mulher negra se movimenta, ela movimenta a estrutura com ela”. Isso porque nós estamos na base da pirâmide das opressões e quando a gente se movimenta, movimenta a pirâmide. Uma mulher, mas não qualquer mulher, que é da esquerda progressista, que dialoga com os movimentos sociais, com a pluralidade e com respeito a credo e religiões diversas, com respeito a diversidade do que somos. São as mulheres plurais e diversas que chegam junto comigo na Câmara.
Você vai contar com outros duas feministas na Câmara, Cida Pedrosa e Liana Cirne Lins. Já conversaram sobre pautas, alianças?
Sendo bem sincera não falei direito nem com a minha mãe, mas já vislumbro algo como o que aconteceu em Brasília. As deputadas federais criaram o parlamento feminista. Então a gente pode pensar na criação de um parlamento feminista aqui na Câmara Municipal do Recife. Estou totalmente disposta a fazer essa construção junto com Liana, junto com Cida, e com mulheres do nosso campo progressista de esquerda que trazem as pautas das mulheres centralizadas na luta.
A Câmara também vai ter a presença de Júnior Tercéio, terceiro mais votado e alvo de denúncias de disparo em massa feitas por você. Como está a apuração dessas denúncias?
O nosso setor jurídico ainda está aguardando o pronunciamento do juiz eleitoral. Mas as denúncias são graves e sérias. Há indícios da organização de um esquema para disparos em massa pelo WhatsApp, algo que é vedado pela legislação diante do que aconteceu em 2018, com a eleição de Bolsonaro. Também há outra denúncia contra ele que oferecemos que foi sobre distribuição de brindes. Ambas podem gerar abuso de poder econômico que, se comprovado, é um requisito que pode trazer a inelegibilidade. O que pedimos foi a cassação da candidatura. A gente precisa trazer seriedade para a democracia. É inadmissível que, independentemente de credo ou religião, pessoas que vão legislar desrespeitem as leis.
Você acha que pode se repetir na câmara dos vereadores o que acontece na Assembleia Legislativa de Pernambuco, com os embates entre as Juntas (Psol) e Clarissa Tércio (PSC)?
Nosso mandato é propositivo. Temos propostas para a cidade e temos que sair da coisa maniqueísta de bem ou mal, certo ou errado, nós contra ele. Precisamos construir pontes. Mas, pelas pautas que são levantadas por essa bancada fundamentalista, sem dúvidas a gente vai ter bons debates para fazer e muito enfrentamento também.
Com uma votação tão expressiva já dá para se pensar em planos para 2022?
Ainda é cedo (risos). Eu penso, mas o que penso nem sempre vai se realizar, porque não dá para se pensar sozinha. O Psol é um partido que define campanhas coletivamente, com os movimentos. O movimento negro, o de mulheres, organizados ou não. Então 2022 vai ser uma construção coletiva. Se eu cheguei até aqui, é porque eu não vim sozinha, esses passos vieram de muito longe. E para onde eu vou em 2022 eu preciso desses coletivos, dessas forças e dessa unidade comigo. Tem um tempo ainda para se pensar.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org