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Debate da Globo Pernambuco exibido nesta terça-feira (28). Foto: Marlon Costa - Pernambuco Press/ Divulgação Globo
Essa foi a semana dos debates televisivos para o primeiro turno. E quem assistiu aos debates estaduais e o presidencial na TV Globo viu troca de farpas, confusão, perguntas e respostas perfeitas para causar nas redes sociais e pouco tempo para discutir sobre temas que realmente importam para o presente e o futuro do país.
Nas redes sociais, muitas questões foram levantadas sobre a escolha dos que ali estavam debatendo. A presença do autointitulado “padre” Kelmon (PTB), que atuou como linha auxiliar de Bolsonaro, levantou dúvidas sobre a lei eleitoral e sobre quem deve receber ou não convite para participar desses programas. Ele desequilibrou o debate, participando como um arruaceiro. Teve sucesso no que foi fazer lá, desestabilizando inclusive o apresentador William Bonner, que, contudo, não o ameaçou de expulsão.
No Twitter, o cientista político Antônio Lavareda fez uma comparação com a eleição norte-americana. “Imagine se a Jo Jorgensen estivesse nos debates americanos. Ela só teve 1.6% dos votos. Não faria sentido. E é uma intelectual, não uma palhaça como esse padre. O circo dessa noite deve nos fazer a todos refletir sobre nossas regras eleitorais no sentido mais amplo. Elas contribuem para desinteressar a população da política. Parece premeditado”, escreveu.
Em reportagem recente publicada aqui na Marco Zero, o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Carlos Figueiredo, afirmou que para sair da circularidade de ideias e temas dos debates os candidatos buscam frases de efeito. “Essas frases são valorizadas devido ao embate político nas mídias sociais. O candidato pode apresentar uma performance discreta no debate, mas brilhar em duas ou três oportunidades. A equipe de comunicação do candidato pode fazer cortes desses momentos para exibir nas mídias sociais ou no Horário Eleitoral Gratuito”, exemplifica Figueiredo.
Há um evidente desgaste do formato, que tem tido poucas atualizações ao longo do ano. Para o professor de publicidade e propaganda da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Fernando Fontanella, pesquisador de marketing político, participar de um debate nem sempre deve ser a prioridade de uma campanha, do ponto de vista da estratégia. “Em Pernambuco temos quatro candidaturas empatadas, é verdade, mas os quatro têm desafios diferentes. Para uns pode ser mais interessante, para outros não faz tanta diferença assim”, diz. “Para o líder, o debate é sempre uma armadilha”, afirma.
Fontanella explica que o debate é mais importante para quem é menos conhecido pelo eleitorado. No debate da Globo Nordeste, por exemplo, Miguel Coelho e Raquel Lyra fizeram questão de se apresentar aos telespectadores. “Há três candidatos (os dois citados mais Anderson Ferreira) que têm uma base de votos muito segmentada. São conhecidos e têm muita força nas regiões em que foram prefeitos, mas estes precisam se vender para as outras regiões do estado. Para eles, participar de um debate é muito bom, porque eles se mostram, aparecem e conseguem falar sobre as coisas que fizeram em suas cidades”, acredita.
O debate também funciona como uma vitrine para aqueles que têm pouco tempo no Horário Eleitoral Gratuito. “Ao participar de um debate, eles ganham mais tempo de presença na TV do que todo seu guia. Para esses candidatos, o debate é essencial”, diz.
Quando se parte para quem está na liderança consolidada das pesquisas, como é o caso de Marília Arraes (SD), a história é outra. Desde que começaram a divulgar as pesquisas, a candidata está à frente, ainda que pareça ter atingido um teto.
“Nesse caso, participar do debate é muito questionável. Está se tornando uma regra que o líder não participe, porque só tem a perder. E mesmo para um candidato que não está liderando, dependendo do contexto, não vai fazer tanta diferença assim. Hoje é raro a gente ver uma diferença dramática de intenção de voto por conta de debate. É pelo contexto. E diria mais: frequentemente vemos que o debate é mais causado pela eleição do que a causa de mudança na eleição. Na Bahia, isso é bem visível: está refletindo uma discussão que está acontecendo há algum tempo, que é a autodeclaração como pardo de ACM Neto. Os debates têm se tornado um momento concentrador da discussão”, diz Fontanella.
Tanto no cenário nacional quanto no estadual, o que se tem visto nos últimos debates são tentativas das candidaturas de escapar do formato modorrento. Como Soraya Thronicke (UB) ao confrontar o “padre” ao chamá-lo de “padre de festa junina” e virar um meme instantâneo nas redes. “Os debates viraram um espetáculo, um festival de provocações. Do ponto da democracia, sim, se deveria mudar o formato. E aí entra uma questão interessante nessa eleição: até que ponto os debates atraem a atenção do público? Informam, cumprem esse papel? O formato que se deve adotar tem que passar por essas duas questões: esse formato está atraindo o eleitor? E, segundo, esse formato melhora a condição do eleitor de formar a decisão do voto dele?”, diz Fontanella.
O pesquisador considera que hoje os debates funcionam para as campanhas como um espaço de credibilidade que oferece material bruto para cortes que serão usados no guia eleitoral e espalhados pelas redes sociais.
Mas se os formatos atuais são mais favoráveis ao circo e não conseguem cumprir a função de ajudar na democracia e de servir para o esclarecimento do eleitor, o não comparecimento das candidaturas é entendido como um desprestígio às emissoras de TV. A atenção que os programas de debate colocam nos faltosos é assim uma forma de punição por desprestigiar a emissora como este espaço de mediação e de vitrine.
“Se não atendem aos eleitores, os debates acabam servindo mais às televisões e aos jornalistas envolvidos que estão criando um show que valoriza a plataforma, colocando a TV como um local privilegiado do debate político e o jornalista como mediador deste debate”, diz Fontanella.
No debate com candidatos ao governo de Pernambuco da TV Globo, constantemente a câmera mostrava as bancadas vazias com os nomes dos que não foram, Anderson Ferreira (PL) e Marília Arraes (SD). Os candidatos presentes também poderiam fazer perguntas aos ausentes – e ficar no vácuo.
Para Fontanella, o desgaste do formato pode ser uma percepção de que o debate político como um todo migrou para outros espaços. “Essa mediação da TV e do jornalismo tradicional, embora absolutamente necessária, especialmente quando falamos pelo aspecto do jornalismo, na prática teve uma redução de centralidade, de importância”, afirma.
Uma solução é mudar a forma como os debates são pensados e exibidos. “Nos Estados Unidos tem se mexido com o formato, tem se colocado muito mais a participação dos eleitores, que fazem perguntas diretas aos candidatos. Até na sequência de debates entre as emissoras ter uma variação de formatos pode ser algo mais produtivo”, acredita Fontanella.
Na reportagem anterior sobre debates, os professores Carlos Figueiredo e Heitor Rocha, do departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), falaram sobre a necessidade uma checagem de fatos ao vivo, que fosse exibida durante o próprio programa. No debate de ontem da TV Globo essa necessidade ficou gritante, com candidatos e candidatas despejando fatos e números sem nenhuma confrontação oficial da emissora. Bolsonaro chegou a acusar Lula de assassinato e o candidato do Novo afirmou que o Brasil paga R$ 500 bilhões de juros. Nenhum dos dois apresentou provas, nem foram contestados pela emissora.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org