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Desunidos, pequenos partidos tentam conquistar eleitores de esquerda insatisfeitos com aliança PT-PSB

Maria Carolina Santos / 27/07/2022
Duas grandes filas indianas de pessoas com camisa vermelha, segurando bandeiras vermelhas, onde se vê o símbolo comunista da foice e martelo , caminham separadas por alguns metros em avenida, em dia ensolarado. Ao fundo, se vês edifícios altos.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

As pesquisas eleitorais mostram que, até aqui, a disputa para o governo de Pernambuco está em aberto: Marília Arraes (SD) geralmente aparece à frente, seguida de três ou quatro candidatos embaralhados nos segundo e terceiro lugares. São muitas pré-candidaturas: pelo menos 11 candidatos e candidatas já se colocaram para jogo. A Marco Zero falou com as pré-candidaturas mais à esquerda do espectro político para saber como elas avaliam a disputa em outubro: a professora Cláudia Ribeiro (PSTU), o historiador Jones Manoel (PCB) e o advogado João Arnaldo (PSOL). O Partido da Causa Operária (PCO) também deve lançar candidatura própria, mas ainda não definida. A União Popular (UP) não vai ter candidatura ao governo de Pernambuco.

Há pelo menos duas opiniões em comum entre os pré-candidatos e candidatas do PSTU, PCB e PSOL. A primeira é a de que a Frente Popular, encabeçada pelo PSB ao lado do PT e do PCdoB, não mais representa um programa de esquerda em Pernambuco. A outra é de que, com a disputa em aberto, talvez uma candidatura mais à esquerda possa ter alguma chance, ainda que pequena, de chegar até o segundo turno.

Apesar de vislumbrarem uma oportunidade, isso não é suficiente para que surja uma aliança entre esses partidos. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que quase sempre fica muito abaixo do 1% nas eleições em Pernambuco – foram 0,24% em 2018 e 0,12% em 2014, por exemplo -, tem como meta de campanha divulgar o partido e suas ideias. Então não faz sentido fazer nenhuma aliança e ceder o pouco espaço que têm.

“Na nossa compreensão, a mudança não vai ser via eleição. Problemas seculares como a fome e a falta de educação e de saúde não vão ser resolvidos com as eleições. Temos eleições a cada dois anos e a vida da população só tem piorado. De onde deveria vir a a melhora da vida da população, vem reforma da previdência, piora da saúde. O congresso deveria atender quem o elege, mas isso não acontece. No governo Bolsonaro, os problemas se agravaram profundamente”, diz Cláudia, que acredita contar com o apoio dos profissionais da educação em sua campanha.

Ela não sabe ainda com quanto terá do fundo eleitoral para a campanha, mas não se preocupa com isso. As campanhas do PSTU geralmente são levadas para às ruas pelos voluntários e militantes do partido. Na pandemia, o PSTU entregou a sede do partido na Boa Vista. O comitê vai ser na própria residência de Cláudia, no bairro de Brasília Teimosa.

Cláudia Ribeiro (Crédito Arquivo pessoal)

“A eleição é uma disputa para organizar nossa classe. Embora a gente não tenha espaço na televisão e nas rádios, embora esse discurso de representação parlamentar seja falso, usamos esse espaço para mostrar para a população que há um programa alternativo, que as pessoas têm o direito de ter uma outra vida”, diz a pré-candidata, que prefere não usar a palavra revolução ao falar dos objetivos do PSTU. “Revolução fica parecendo algo distante. O que queremos é que as decisões passem por conselhos de trabalhadores”, diz.

A candidatura de Marília também não é vista como de esquerda, tanto pela mudança de partido como pelas alianças que tem feito. João Arnaldo estreou nas eleições em 2020 como vice da própria Marília quando ela disputou a prefeitura do Recife pelo PT. Para ele, a atual líder nas pesquisas pode não conseguir manter os bons percentuais quando o eleitorado “perceber” que ela não está mais no PT.

Apesar de considerar a gestão do PSB um desastre, João Arnaldo acredita que Danilo Cabral ainda pode ter espaço para crescer. “Ele é o único (entre os melhores posicionados) que virou candidato este ano. Marília está aí há seis anos, do ponto de vista da lembrança das pessoas. Menciono isso não dizendo que ela não vai manter os 30%, mas para mostrar o quanto que o cenário agora é instável para mostrar o sentimento das ruas. O retrato do momento das pesquisas tende a ter mutações muito grandes até o final de agosto e meados de setembro”, diz o pré-candidato, que ainda não tem definição sobre quanto vai gastar na campanha.

João Arnaldo analisa o PSB como um partido múltiplo, navegando no espectro político de acordo com as articulações nos estados brasileiros. “Entendemos que aqui em Pernambuco o PSB tem assumido um modelo de organização parecido com o do MDB, que tem autonomia nos estados. Para nós, no Rio de Janeiro o PSB representa um projeto de esquerda. Em Pernambuco, tem realizado um projeto de centro-direita, com muita boa vontade”, diz.

Sem perspectiva de alianças

Já Jones Manoel ressalta que o PSB não trouxe conquistas efetivas para a classe trabalhadora. Ele cita três exemplos: o caso da educação, como a falta de concursos e a demora para pagar o piso aos professores; o aumento do encarceramento e da violência policial; e o modelo de transporte do consórcio do Grande Recife. “Não precisa nem ser um governo de esquerda radical para resolver essas questões, como fazer concurso público, diminuir violência policial e garantir melhor condições de trabalho para os rodoviários e para os usuários”, afirma.

Jones Manoel (Crédito: Arquivo pessoal)

No cenário nacional, uma possível aliança entre PSTU, PCB e setores do PSOL terminou em troca de farpas (dá para entender um pouco aqui e aqui ). Em Pernambuco, houve conversas entre o PCB e o PSOL, que envolveram também a UP (Unidade Popular, partido registrado em 2019), mas não se chegou a um consenso. Apesar do PSOL – que forma uma federação partidádia com a Rede, partido do deputado federal Túlio Gadelha, e do PCB continuarem ainda falando em união das esquerdas, nenhum dos dois, até agora, quis ceder a candidatura para governador.

Jones Manoel conta que desde dezembro o PCB está em conversas com o PSOL. E que a ideia do “partidão” era fazer uma “primária” com os dois partidos, mais a UP e outras entidades que ainda não têm registro, como a Consulta Popular, além de sindicatos e movimentos sociais. “A gente acha que se ficar só na conversa entre as direções partidárias vai ficar em uma queda de braço, porque ninguém quer ceder a cabeça de chapa. Infelizmente até agora não teve concordância. Discutimos também com a UP para formar aliança, mas houve discordâncias na composição eleitoral, mas continuamos insistindo na proposta. É necessário sair das conversas de ar-condicionado e fazer como no Chile: uma grande primária com todo mundo que se considera de esquerda, que quer um projeto mais radical, para ter uma decisão democrática das bases”, afirma. A UP queria que o PCB retirasse a candidatura à Câmara Federal e apoiasse a candidata deles, mas o PCB não concordou.

João Arnaldo lembra que não dá para comparar a estrutura dos dois partidos. “Defendemos que o melhor seria uma candidatura conjunta, nesse cenário que estamos. Mas com o PCB nunca foi considerada a hipótese de retirada da candidatura de Jones. Nunca avançou muito essa conversa. Tem um elemento básico, que não estava sendo levado em consideração (pelo PCB), que é o tamanho do partido, as condições objetivas, de dimensão de militância, de dimensão de inserção do partido na sociedade. São coisas que, mesmo com toda boa vontade, e o PSOL talvez seja o partido que mais valoriza a luta do PCB, são básicas: a gente admitiria retirar a candidatura, mas retirar por quê? por que tem um nome que tem mais chances de derrotar a direita em Pernambuco? Isso não está claro, não está aparente. Pelo contrário: ao que parece, é o PSOL que tem mais inserção nos setores da sociedade”, afirma João Arnaldo.

Jones Manoel é uma novidade vistosa na esquerda pernambucana para essa eleição. Ao contrário dos outros colegas, tem uma presença forte nas redes sociais. E é articuladíssimo: Caetano Veloso já o chamou de “jovem marxista que mudou minha cabeça”. Exibe números reluzentes com mais de 200 mil inscritos no canal do YouTube e mais de 170 mil seguidores no Twitter. É mais do que Marília Arraes, que tem cerca de 102 mil seguidores. Jones explora bem a rede social, indo buscar o confronto direto em comentários que não raro geram ratio – quando a resposta a um tweet tem mais curtidas que o tweet original. “Só perco para Marília no instagram”, diz o historiador, que tem mestrado em Serviço Social.

É nesse traquejo para o confronto e para a comunicação com grandes públicos onde Jones exibe todo seu potencial. Único candidato preto e periférico das esquerdas, ele traz em quase todas suas falas números, percentuais, dados ou referências a pesquisas. Todo um embasamento acumulado em anos de militância e no ambiente acadêmico – e também de tretas no Twitter.

“A proposta do PSOL era a gente ir para vice e isso não é proposta de construção. Evidentemente, o PSOL tem um recall de apresentar há 20 anos uma candidatura majoritária, é um partido maior, com mais estrutura e mais dinheiro, inclusive com uma chapa de candidatos proporcionais muito mais competitiva do que a nossa. A despeito disso, desde o começo do pleito eleitoral, eu e João Arnaldo estamos praticamente empatados nas pesquisas eleitorais. O que indica que é a chapa mais vantajosa não seria como está configurado, com João Arnaldo na cabeça de chapa. Se fosse, ele já teria desgarrado e feito 3% ou 4%, o que não é o caso. A gente vem empatado em 1% praticamente de janeiro até aqui, só uma pesquisa, do Paraná Pesquisas, de abril, em que João Arnaldo tirou 3,3%. Na outra, do mesmo instituto, ele caiu bastante e ficou eu e ele com 0,6%, empatados”, lembra Jones.

João Arnaldo (Crédito: Ricardo Labastier/PSOL)

O pré-candidato do PSOL vê a disputa como “totalmente em aberto”. “Os percentuais hoje são mais uma referência de recall do que do campo político que cada um representa”, acredita. “As candidaturas do PSDB (Raquel Lyra), do PL (Anderson Ferreira) e do União Brasil (Miguel Coelho) compõem um espaço do campo da direita – o que não quer dizer que todos são bolsonaristas – e juntas chegam a 30%, mas representam um campo (o de direita) que não tem esse percentual de votos aqui em Pernambuco”, diz. “Os três são pré-candidatos há três anos, são prefeitos, têm um padrão de uso da máquina, são de famílias que lideram partidos. E foram diretamente beneficiados por uma política de perseguição do governo Bolsonaro ao Nordeste, recebendo verbas do orçamento secreto. Têm recall, dinheiro diferenciado e são todos de direita. Isso já demonstra a limitação dessa soma (os 30% das pesquisas) para os três. Alguém aí, ou mais de um, vai definhar”, analisa.

Em sua primeira eleição, Jones vê uma chance de ir para o segundo turno. “Ao contrário do cenário nacional, aqui não há uma polarização”, diz. “O que tudo indica até agora é que será uma disputa muito afunilada, em que pode ir alguém para o segundo turno com apenas 14% ou 15% dos votos. Tem muita coisa para acontecer ainda. Se a gente consegue montar uma chapa de esquerda, a possibilidade de crescimento seria significativa. Vai ter um conjunto de votos de progressistas que iriam tendencialmente para o candidato do PSB, por conta do apoio de Lula, que temos cada vez mais dúvidas se irão mesmo. Temos o objetivo comunista de aproveitar a eleição para politizar o debate e apresentar as bandeiras históricas da classe trabalhadora, mas vejo sim espaço para o crescimento de uma alternativa política de esquerda”, diz.

Tanto Jones quanto João Arnaldo reconhecem que suas candidaturas seriam mais competitivas juntas. “Agora, claro, se a gente vai separado, PSOL e PCB, a gente vai ficar disputando voto no mesmo campo. Estamos perdendo uma oportunidade histórica – mesmo que com poucas chances – de ir para o segundo turno. E mais do que isso, consolidar a criação de um campo de esquerda radical, que pode atrair inclusive setores do PT que estão insatisfeitos com a aliança com o PSB”, reconhece Jones.

Atenção com as exigências da Justiça Eleitoral

Partidos pequenos de esquerda contam com pouco dinheiro e muitos optam por não fazer alianças ou apoiar outro partido justamente para aproveitar as eleições para divulgar suas próprias ideias. É o caso do PCO em quase todas as eleições. E nem sempre são antigos militantes do partido que topam embarcar na aventura de uma candidatura assim. A burocracia é grande e pode acabar sobrando para o candidato, já que partidos tão pequenos não possuem boa estrutura jurídica ou contábil.

Em 2018, a agente de saúde Ana Patrícia Alves foi colocada pelo PCO como candidata à governadora de Pernambuco. O que era uma oportunidade se transformou em dor de cabeça. Sem apoio nenhum da legenda, ela parou de fazer campanha. Como o PCO nem apresentou o CNPJ do partido à Justiça Eleitoral, teve todas as candidaturas indeferidas em Pernambuco. Demorou quase dois anos para que Ana Patrícia, sozinha, resolvesse todas as pendências eleitorais. “Como eu desisti de fazer campanha, porque eles não davam assistência, não recebi apoio algum na prestação de contas”, lembra a ex-candidata.

“Hoje não quero mais participar de eleição por conta da burocracia do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Essa burocracia inibe as pessoas que têm uma vida mais simples, que são da classe trabalhadora e não têm grandes recursos para se candidatar. A burocracia é imensa. Eu precisei realmente do auxílio de um advogado, que é algo caro. A minha sorte é que teve um advogado que não me cobrou nada para minha prestação de contas”, disse Ana Patrícia. “É um processo muito complexo. Deveria ser algo mais simples. Sinto muita vontade de me candidatar novamente, mas sem estrutura e realmente confiança não tem como. A nós, trabalhadores, nos é dado praticamente nada, só recebe estrutura quem tem nome na política”, lamenta.

Nos últimos meses, o PCO está na mira do Supremo Tribunal Federal (STF). O tribunal solicitou investigação por suspeita do partido usar recursos partidários para promover uma ofensiva à Justiça Eleitoral. Assim como Bolsonaro faz há anos, o partido questionou a legitimidade do processo eleitoral e pede a volta do voto impresso. Ao contrário do presidente Bolsonaro, o PCO sofreu uma uma ofensiva do STF, que até retirou as redes sociais da legenda do ar.

Para explicar um pouco como funciona o processo eleitoral para os advogados Pedro Lavor, Roberto Leandro e Carla Guareshi lançaram no começo do mês o Manual Eleitoral pela Fundação Lauro Campos e Marielle Franco. O manual está disponível online para candidatos, dirigentes e filiados a partidos e também para o público em geral.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org