Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

É urgente termos na Presidência e no Governo do Estado pessoas comprometidas com o combate à fome

Marco Zero Conteúdo / 30/08/2022

Pandemia e desassistência por parte do governo federal fez aumentar a quantidade de mulheres em situação de vulnerabilidade social que precisam do apoio da sociedade civil para garantir a sua segurança alimentar e da família. Crédito:: Arnaldo Sete/MZ

* Por Myrella Santana

Nessa última semana, uma questão, que pra mim é central entrou nos assuntos mais falados nas redes sociais: a fome. Sou nascida e criada na cidade do Recife, conhecida como a capital da desigualdade, e aos meus 21 anos de idade nunca tinha visto tantas pessoas em situação de rua e passando fome, como nesses últimos dois anos. O Brasil já foi referência mundial no combate à miséria. Contudo, o país deixou de ter isso como prioridade a nível nacional nos últimos anos. No final de fevereiro de 2020, diagnosticou-se o primeiro caso do coronavírus no Brasil, pouco tempo depois, em março, foi declarada a transmissão comunitária e, logo em seguida, as medidas restritivas em todo o território nacional. Depois disso, por causa da falta de políticas e assistência do governo federal, passamos a enfrentar diversas dificuldades.

O Brasil tinha 41,6% dos seus trabalhadores e trabalhadoras no trabalho informal em 2019 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019), mas a necessidade de fechamento do comércio para conter a disseminação do novo coronavírus fez com que muitos desses comerciantes não tivessem condições de manter funcionários ou até mesmo continuar com esses espaços abertos após a chegada da vacina. O que levou a um aumento crescente e desenfreado no índice de desemprego.

Com a volta do país ao mapa da fome, e com a declaração de situação de calamidade pública causada pela pandemia, o Congresso aprovou o pagamento do auxílio emergencial para a população. Uma tentativa de minimizar o impacto social trazido pelas medidas restritivas necessárias para conter o avanço do vírus. Na criação do auxílio em resposta à pandemia, o presidente Jair Bolsonaro pretendia pagar 200 reais, mas o Legislativo ampliou o benefício para 600 reais como valor base.

Em entrevista à Jovem Pan, semana passada, Jair Bolsonaro disse que não vê ninguém pedindo pão nos caixas de padaria e questiona os dados sobre fome no Brasil. Na LDO 2023 foi aprovado o valor do novo salário mínimo que é de 1.294 reais. Agora me digam, qual ser humano tem condições mínimas, sua dignidade garantida, com esse valor? 600 reais durante uma das maiores pandemias e aproximadamente 1.300 pós pandemia, e no meio de uma crise econômica?

O gás a 120 reais, o leite em pó a quase 15, uma unidade de pão a 50 centavos (aqui na minha comunidade, porque nas padarias dos grandes centros chega a ser o dobro). Recife é a cidade com um dos maiores aluguéis do Brasil, que nos últimos meses passou por uma tragédia decorrente da crise ambiental e climática que estamos vivenciando, onde quem não tinha nada, agora passou a ter menos ainda, resultado do despreparo da cidade para o período de chuva (mesmo os gestores sabendo que todo ano vai chover do mesmo jeito). Mil e trezentos reais para pagar aluguel, água, luz, alimentação e tantas outras coisas que, quando se é mãe solo dentro de uma periferia, você tem que dar conta.

Não queria chamar Jair Bolsonaro de presidente, mas quando não o faço, tiro dele a responsabilidade que lhe cabe enquanto representante de um país, responsável por mais de 200 milhões de pessoas, no qual ele debochou da morte de mais de 500 mil que perderam suas vidas para a Covid 19. Jair Bolsonaro, talvez na padaria próxima e dentro dos grandes condomínios nos bairros nobres que você e seus filhos moram, que tem vários seguranças na entrada, não tenha gente pedindo um pão pra comer. Mas em todo supermercado que eu entro no meu bairro, em todo o bar que eu sento no centro do Recife, eu vejo várias pessoas e em sua maioria gritante, crianças, pedindo comida.

Todo dia, no deslocamento entre faculdade, trabalho, casa, vejo pessoas passando fome. E sabemos que essas pessoas têm uma cara e uma cor, né?! Deixar pessoas morrerem por não ter a garantia de direitos básicos como comer não é posição política. Posição política é como você resolve isso. Dizer que o Brasil não tem gente passando fome é violento, desonesto e desrespeitoso com todo mundo que sofre com a negligência do Estado. E se o próprio presidente acha que tem legitimidade de falar tal mentira, imagina o que os moradores de Boa Viagem acham quando fazem protesto, passeata e abaixo-assinado contra a instalação de um Centro para a população em situação de rua?

Os movimentos sociais e organizações de periferia têm feito um trabalho incrível, que não é e nunca será sua obrigação, e é paliativo. A fome é um problema estrutural e que precisa de comprometimento público e programático para ser extinta, acabar, cessar. É inegociável não termos um presidente ou governadora que tenha como prioridade o combate à fome e que entenda que as mulheres negras e de periferia são as mais atingidas. Ter compromisso em acabar com a fome, é ter compromisso com a segurança alimentar e nutricional (SAN) e com o combate ao racismo.

Quando Lula fala que o povo tem que voltar a comer picanha, ele não fala sobre luxo, ele fala, de forma bem prática, que o pobre tem que conseguir pagar as contas, comer e ter acesso ao lazer depois de uma semana inteira pegando ônibus lotado e cruzando a cidade pra trabalhar. Porque na favela, o luxo mesmo sempre foi comer bem e ter geladeira cheia no final do mês. Eu sou a primeira a tecer críticas a Lula, porque pra mim, é intragável que tenhamos um homem branco como solução para este país, principalmente porque ele tem suas contribuições nos degraus que descemos para estarmos nesse buraco. Ele foi o maior conciliador de classes que esse país já teve, e que a gente nunca esqueça que pra dar lá, tem que tirar daqui.

Entretanto, olhando para todas as outras candidaturas competitivas para a Presidência da República, é inquestionável que ele foi o único que pisou no chão que a gente caminha. O exemplo disso é o projeto político de uma sociedade paralela que os outros candidatos apresentaram, a exemplo do candidato Ciro Gomes, a terceira via que também é um homem branco, que é visto como a solução para Lula e Bolsonaro, mas não tem compromisso com o combate ao racismo como centralidade e tão pouco disposição de dar um passo atrás para um projeto de sociedade emancipatório, o que é típico e esperado da branquitude

Domingo (28/08), teve o primeiro debate com os candidatos à presidência. Todos brancos e em sua maioria masculina. Desde os candidatos, aos jornalistas que o conduziram. Não é por acaso que as pessoas que menos estão nesses espaços são as que mais passam fome. Mudar a fotografia do poder, como diz Vilma Reis, é sobre construir possibilidades emancipatórias para a população negra em diáspora, indígena e quilombola. Precisamos de alguém no poder que saiba o que é passar fome, pegar ônibus lotado de manhã cedo pra ir trabalhar ou estudar. Precisamos de alguém que sabe o que é ser abordado violentamente pela polícia e que sabe o que é viver na periferia. Precisamos de alguém como nós.

* Myrella Santana é graduanda em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. Integra a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Articulação Negra de Pernambuco. É Diretora Operacional e pesquisadora na Rede Internacional de Jovens LBTQIA+.

Uma questão importante!

Colocar em prática um projeto jornalístico ousado como esse da cobertura das Eleições 2022 é caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossapágina de doaçãoou, se preferir, usar nossoPIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).

Nessa eleição, apoie o jornalismo que está do seu lado.

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.