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Crédito: Arnaldo Sete/MZ. Conteúdo
Por Myrella Santana*
No dia 19 de junho de 2022, Francia Márquez foi eleita a primeira vice presidenta negra da Colômbia. A América Latina tem vivenciado nesses últimos anos um momento de virada democrática, onde a maioria dos países estavam sob governos de direita com um projeto de país neoliberal e cada vez mais conservador e, neste ano, vão ter a oportunidade de mudar esse cenário com a eleição de um governo de esquerda.
Aqui no Brasil não é diferente, apesar de alguns partidos ainda acreditarem na possibilidade de uma terceira via, a eleição está bem desenhada: Jair Bolsonaro, de um lado, e Luiz Inácio Lula da Silva, do outro. Sabemos que a discussão que envolve essa eleição não é só sobre esquerda e direita, mas que atravessa um projeto político e econômico para o país, depois de quatro anos de um dos governos mais irresponsáveis e incompetentes da história do Brasil. Mas, até quando viveremos em uma eterna e única possibilidade de salvação democrática, em que não há espaço de se discutir outras candidaturas porque o futuro está nas mãos de um homem cis branco e heterossexual?
Aqui, em Pernambuco, o cenário não é tão diferente. Dos 32 partidos registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 11 já estão desenhando suas possíveis candidaturas ao governo do estado. Dessas, na cabeça de chapa, apenas três são de mulheres e nenhuma delas é negra, indígena, quilombola e/ou LBT+, e apenas uma delas se coloca abertamente no campo da esquerda. Nessa perspectiva, trago as seguintes questões: qual é o real compromisso dos partidos de esquerda do estado de Pernambuco com a agenda de lutas do movimento negro? Que compromisso é este, que é refletido com a maioria das cabeças de chapa propostas até agora para o executivo ocupadas por homens cis e brancos?
A Marcha das Mulheres Negras de 2015 construiu um documento, que é, na realidade, um projeto de país, que coloca o que as mulheres negras querem nas mais diversas áreas, um projeto de país melhor para todas as pessoas. Nos últimos anos, as bancadas de mulheres negras nos parlamentos têm se ampliado cada vez mais e, mesmo que um dia tenhamos mais da metade das cadeiras (o que esperamos que aconteça logo), ainda não será suficiente. Não queremos apenas legislar, mas executar esse projeto que está construído desde antes de 2015.
Queremos estar nos espaços de tomada de decisões, nos espaços que podem impedir que mais de 120 pessoas morram por conta do racismo ambiental e negligência estatal. Apenas vontade não é suficiente, é preciso ter coragem para se ter uma mulher negra governadora ou até mesmo presidenta deste país. Ter Francia Márquez como vice presidenta nos dá esperança, entretanto, o que queremos é vê-la com a faixa presidencial fazendo seu discurso de reintegração de posse de um espaço que sempre foi nosso, sem ser interrompida. O Legislativo, o lugar de vice, não é suficiente para quem tem um projeto de país, de estado e de cidade que é competente, técnico e possível.
Desde a proclamação da República Federativa do Brasil, só tivemos uma mulher na Presidência da República e até agora, em Pernambuco, nenhuma governadora. Para além de chamar o povo pernambucano à responsabilidade nestas eleições, chamemos também os partidos que se dizem parceiros na luta. Como diria Angela Davis, “não basta não ser racista, tem que ser antirracista”, e isso é uma prática cotidiana, que vai além de respeitar direitos básicos que já foram duramente conquistados por nós.
O antirracismo tem que passar pelas presidências nacionais partidárias, pelas executivas e pelos diretórios. O antirracismo tem que ser materializado na criação de estratégias e na vontade política de garantir que a branquitude, enquanto sujeito racializado, dê um passo atrás. Defender uma democracia em 2022 e acreditar que um homem branco é o único capaz de salvá-la, é reforçar que o que estrutura este país é o racismo. Enquanto houver racismo, não haverá democracia.
Myrella Santana é graduanda em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. Integra a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Articulação Negra de Pernambuco. É Diretora Operacional e pesquisadora na Rede Internacional de Jovens LBTQIA+.
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