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Entenda como a violência da PM começa a ser investigada em diferentes esferas

Kleber Nunes / 01/06/2021
Ato fora Bolsonaro no Recife

Crédito: Veetmano/Jcmazella

Após o choque das cenas de violência protagonizadas por policiais militares contra cidadãos, no último sábado, 29 de maio, no Recife, a cobrança da sociedade civil é por justiça. O receio é de que as pessoas detidas ou mutiladas se tornem apenas estatísticas e de quem deu a ordem e os que executaram os possíveis crimes continuem soltos para fazer novas vítimas, enquanto são bancados pelo dinheiro público.

A legislação brasileira prevê três esferas onde os fatos devem ser apurados com direito garantido à ampla defesa e ao devido processo legal, são elas: administrativa, cível e criminal. Depois de instalada a crise mais grave do seu governo até o momento, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), disse que a Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS) instaurou o procedimento de investigação. O gestor afirmou ainda que os policiais envolvidos na operação tinham sido afastados.

A corregedoria vai apurar as lesões corporais provocadas por tiros de bala de borracha que atingiram os olhos do adesivista Daniel Campelo da Silva, de 51 anos, e do arrumador Jonas Correia de França, 29. O setor da SDS também vai investigar o ataque com spray de pimenta feito por policiais contra a vereadora do Recife, Liana Cirne (PE).

Apuração na corregedoria

A corregedoria é estruturada em comissões permanentes de disciplina com competência para apurar fatos ou transgressões disciplinares que envolvam membros das polícias militar e civil, além de bombeiros militares e servidores da Secretaria Executiva de Ressocialização. De acordo com a Lei Complementar 158, de 2010, em caso de afastamento dos investigados das atividades o prazo máximo é de 120 dias, prorrogável uma única vez pelo mesmo período.

No Código Disciplinar dos Militares de Pernambuco, as transgressões podem ser consideradas leves, médias e graves com penas que podem ir da repreensão à exclusão do agente público da instituição. Essa avaliação fica a cargo da comissão da corregedoria, que é formada por membros da própria polícia, dificultando a isenção necessária ao processo e facilitando o corporativismo.

O decano e diretor da Faculdade de Direito do Recife (FDR-UFPE), Francisco Queiroz, explica que os trâmites administrativos no geral seguem os mesmos das esferas cível e criminal. Isso significa que a Corregedoria da SDS deve ouvir, além dos alvos do processo interno, algumas testemunhas. Também há a previsão para a realização de perícias e demais procedimentos no âmbito probatório.

“Se por acaso os atos de caracterizarem como crime, o relatório da corregedoria pode gerar um inquérito criminal militar, onde o Ministério Público vai atuar e pode denunciar os envolvidos à Justiça Militar, que seria a instância responsável pelo julgamento”, explica o professor Queiroz.

Investigação criminal e civil

O secretário de Justiça e Desenvolvimento de Pernambuco, Pedro Eurico, em entrevista à TV Globo, nesta segunda-feira (31), disse que também foi instaurado um inquérito na Polícia Civil de lesão corporal gravíssima para investigar os danos à saúde de Daniel e Jonas. A vereadora Liana Cirne também prestou queixa. Segundo nota da SDS, os delegados Breno Maia e Kelly Luna conduzirão as investigações, que devem durar no mínimo 30 dias.

“Essa é uma fase importante para a produção de provas que irão subsidiar o Ministério Público. Existindo indícios de crime, poderá oferecer denúncia à justiça estadual e daí segue o trâmite comum da instrução processual. Se não houver indiciamento e denúncia por lesão corporal grave, sendo atenuada apenas para lesão corporal, o processo deve ir para o juizado especial”, afirma a coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em Pernambuco, Érica Babini.

Promotor Westei Conde irá conduzir apuração no âmbito civil. Crédito: Alepe

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio da 7ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos da Capital, instaurou um inquérito civil. O órgão tem a competência constitucional de fiscalizar a atividade policial.

Este procedimento do MP não tem natureza criminal, o objetivo é reunir provas que apontem para uma necessidade de readequação da formação e melhor treinamento dos policiais no uso de instrumentos de menor potencial ofensivo.

A primeira parte do inquérito foi notificar a SDS e os comandos dos batalhões envolvidos no episódio de truculência que chamou a atenção do Brasil. Nessa fase, o promotor Westei Conde y Martin Júnior solicitou documentos como a relação com nome e posto de todos os agentes de segurança envolvidos na investida contra os manifestantes. Aos notificados foi dado o prazo de dez dias úteis para responder.

O MPPE tem até um ano para concluir o inquérito, que pode ser prorrogado pelo mesmo período sempre que o órgão julgar necessário. “Estamos na etapa inicial da requisição de documentos, mas também ouviremos pessoas para inquiri-las acerca dos fatos. Importante deixar claro que cada apuração seja administrativa, civil ou criminal caminha paralelamente, podendo ter resultados diferentes como o agente não ter cometido um crime, mas transgrediu uma norma interna”, diz o promotor.

O professor Francisco Queiroz completa que o MP ou outras partes do processo podem requerer a quebra de sigilo telefônico e bancário à Justiça.

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.

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AUTOR
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Kleber Nunes

Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com