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Entenda porque a 3ª dose da vacina será aplicada para idosos que tomaram a coronavac

Maria Carolina Santos / 24/08/2021
Vacinação idosos

Crédito: Michel Corvello

Nas últimas semanas aumentou a preocupação com a imunização dos idosos no Brasil contra a covid-19. Os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) voltaram a crescer após meses de queda e estabilidade. Também os idosos são os que mais morrem em decorrência da doença. Com isso, e estudos que mostram a queda da proteção das vacinas com o tempo, a discussão passou a ficar mais intensa.

Em vários países, a terceira dose já é uma realidade, ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha pedido para que os países esperassem até que pelo menos 10% da população mundial fosse imunizada antes de oferecer o reforço. Israel, Estados Unidos, República Dominicana, Hungria, Chile e Indonésia são alguns dos países que já oferecem a terceira dose. Países como França e Alemanha anunciaram que irão começar a nova rodada em setembro.

Apesar das outras vacinas usadas no Brasil terem apresentado queda de anticorpos após seis meses, é a coronavac quem desperta mais preocupação para idosos, especialmente os acima de 80 anos. Prioritária, essa população foi quase toda vacinada com a vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a Sinovac e há mais de seis meses.

Um estudo publicado no periódico britânico The BMJ nesta sexta-feira, 20 de agosto, liderado pelo pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Júlio Croda, mostrou a urgência de revacinar os idosos que receberam a coronavac. Nas pessoas na faixa dos 70 anos, a vacina, duas semanas após a aplicação da segunda dose, parece funcionar bem, evitando em pelo menos 66,6% dos casos a hospitalização e 78% as mortes. Para os vacinados com mais de 80 anos a efetividade despenca: previne apenas 38,9% das hospitalizações (confira o quadro).

Além desse estudo, a Fiocruz fez uma nota técnica, ainda não publicada (mas divulgada pela CNN), em que analisou os dados de quase 61 milhões de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose. Nele, a AstraZeneca/Fiocruz teve 90% de proteção contra hospitalização e a coronavac, 75%.

Quando se trata de maiores de 80 anos a diferença de proteção das vacinas muda de figura, mas a da AstraZeneca ainda consegue um percentual de proteção duas vezes maior que o da coronavac. “O VE [eficácia da vacina] da CoronaVac/Butantan foi próximo a 80% contra o óbito em indivíduos com até 79 anos. No entanto, foi observada redução da eficácia a partir dos 80 anos, com apenas 35,4% de proteção contra morte observada em indivíduos com mais de 90 anos. Em contrapartida, a vacina Vaxzevria/Fiocruz alcançou cerca de 90% de proteção contra morte em indivíduos com menos de 90 anos , enquanto um VE de 70,5% foi encontrado em maiores de 90 anos”, diz trecho do estudo divulgado pela CNN. Vaxzevria é nome oficial da vacina desenvolvida conjuntamente pela farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford.

Há dois fatores comuns a todas as vacinas contra covid-19 que faz com que a eficácia diminua ao passo que a idade avança. A primeira razão é bem conhecida. “Quando envelhecemos o nosso sistema imune envelhece também, e isso faz com que ele perca a capacidade de lutar contra infecções da mesma forma, isso faz com que os idosos em geral sejam mais susceptíveis a complicações por doenças infecciosas, como a covid-19. Ou seja, os idosos estão mais vulneráveis a adoecer gravemente se infectados pelo vírus. Então, um reforço a mais da vacina nessa população pode trazer benefícios, já que eles precisam estar mais protegidos”, comenta a virologista Lorena Chaves, Pesquisadora da universidade Emory Atlanta, nos Estados Unidos.

A segunda é a perda de anticorpos no sangue com o passar do tempo. “Mas isso não significa que as pessoas ficam menos protegidas após essa queda”, explica Lorena. “A vacinação ativa o sistema imunológico de diferentes formas, e todas elas fazem parte da resposta imunológica protetiva e duradoura”, diz. Uma dessas proteções é a resposta imunológica de memória, a das chamadas células T, que geralmente é ativada quando já há uma infecção instalada – ao passo que os anticorpos circulando no sangue são mais efetivos em barrar a infecção em si.

A questão do vírus inativado

E por que a coronavac parece ter mais problemas com idosos do que as outras vacinas? A resposta está na plataforma usada na produção do imunizante, que é a de vírus inativado.

O pesquisador da Fiocruz-PE Rafael Dhalia explica que há dois motivos para que, de forma geral, as vacinas de vírus inativado tenham uma resposta imunológica relativamente mais baixa. “Primeiro porque o vírus não se replica, logo o número de cópias é limitado e não se expande, como é o caso das vacinas baseadas em vírus atenuado. O segundo motivo é que geralmente o antígeno vacinal encontra-se na superfície do vírus e é bastante flexível, apresentando diversas conformações ao longo do tempo. Esta flexibilidade faz com que o seu reconhecimento, pelas células do sistema imunológico, seja dificultado”, afirma.

Em relação às vacinas contra o novo coronavírus, tem se consolidado o fato de que os imunizantes que apresentam a proteína spike (aquelas espículas que facilitam a entrada do vírus no corpo humano) na forma estabilizada conseguem melhores resultados.


“Nas vacinas baseadas no RNA viral (como a Pfizer) ou em adenovírus (como a da AstraZeneca), os cientistas foram capazes, através de técnicas de biologia estrutural, de tornar a proteína spike mais rígida, e estabilizada, fazendo com que o antígeno fique estável na conformação ideal para a produção de anticorpos neutralizantes, resultando na produção de altos níveis de anticorpos neutralizantes. Desta forma, essas novas tecnologias vêm permitindo a formação de uma resposta imunológica mais robusta do que as geradas pelos vírus inativado e selvagem”, explica o cientista.

Qual deve ser a vacina da terceira dose?

O Uruguai está reforçando a vacinação dos idosos que receberam a vacina coronavac, com uma dose da Pfizer. No Chile, a usada é a AstraZeneca. No Brasil, a mistura entre vacinas começou com as grávidas que receberam Astrazeneca e foram autorizadas a tomar a segunda dose de Pfizer. Recentemente, o Ministério da Saúde também autorizou a combinação AstraZeneca-Pfizer em alguns casos específicos, como a falta do imunizante nos postos.

Há, no mundo todo, várias pesquisas para definir qual o melhor caminho para o reforço, se homólogo (terceira dose com a mesma vacina que foi utilizada nas primeiras duas doses) ou heterólogo (terceira dose com outra vacina, geralmente de tecnologia diferente das duas primeiras doses tomadas).

Para a virologista Lorena Chaves, em uma pandemia se faz necessário a constante análise da melhor estratégia vacinal. E isso leva em conta a situação de cada país. “A mistura de vacinas pode trazer benefícios tanto no quesito imunológico, como no quesito prático da vacinação. Afinal, uma estratégia vacinal que utilize duas vacinas diferentes pode levar ao aumento da resposta imunológica e também acelerar o acesso a vacina. Entretanto, é necessário lembrar que para que esse tipo de esquema vacinal seja aplicado, testes de segurança e eficácia têm que ter ocorrido antes e têm que demonstrar benefícios. Mas, de fato, precisamos testar todas as opções”, diz.

Vacinação contra covid-19

Testagem vai definir qual a melhor vacina para a 3ª dose. Crédito: Gustavo Mansur/Palácio Piratini



Em nota publicada na semana passada, a Fiocruz defendeu a manutenção das duas doses da AstraZeneca. “Embora existam dados potencialmente importantes sobre o uso de sistemas heterólogos, não existem dados ainda sobre duração da resposta imune com o uso de vacinas diferentes”, diz a nota.

Na semana passada, a Anvisa recomendou a dose de reforço da coronavac para idosos e imunossuprimidos, mesmo sem a solicitação do Instituto Butantan. Ainda que haja duas vacinações em andamento na América do Sul, no Chile e Uruguai, não há, ainda, pesquisas que indiquem qual seria o melhor esquema para a coronavac – se com a mesma vacina ou com outra.

O médico Eduardo Jorge, integrante do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria e membro dos comitês de imunização contra o coronavírus de Pernambuco e do Recife, lembra que a própria Sinovac conduziu um estudo que aponta uma elevação de três a cinco vezes nos níveis de anticorpos com uma dose extra da coronavac.

“Tanto em adultos jovens como em idosos o estudo mostrou que, com a terceira dose, os anticorpos sobem muito. A manutenção do sistema homólogo pode funcionar muito bem. O Ministério da Saúde começou agora um bom estudo que vai ter quatro braços. Um grupo vai tomar terceira dose de Pfizer, outro de AstraZeneca, outro de Janssen e outro da própria coronavac. Acredito que esse estudo só estará concluído em novembro. Daqui pra lá, porém, é muito tempo. A gente não pode, no momento em que a Delta é uma ameaça, esperar a conclusão para revacinar os idosos”, alerta Eduardo Jorge.

O pesquisador Rafael Dhalia diz que as pesquisas apontam para uma maior eficiência da dose heteróloga de reforço. “Uma vez que esta terceira dose (utilizando uma tecnologia diferente) é capaz de promover um estímulo diferente, e consequente maior, para o sistema imunológico. A combinação de diferentes antígenos, utilizando diferentes tecnologias, parece ser o caminho”, afirma.

Atualização: o Ministério da Saúde anunciou nesta quarta-feira (25) a terceira dose para pessoas imunosuprimidas e idosos acima de 70 anos a partir do dia 15 de setembro, recomendando esquema heterólogo com a vacina Pfizer (na falta, Astrazeneca ou Janssen). Saiba mais aqui.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org