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Crédito: Secretaria da Educação SP/Divulgação
Está lá escrito no Protocolo Setorial da Educação: distanciamento, proibição de eventos que gerem aglomerações, suspensão das aulas quando houver confirmação de casos de covid-19, entre outros pontos. Mas, junto com o crescimento da curva de casos da doença em Pernambuco, têm se avolumado também as denúncias de descumprimento das regras nas escolas da rede particular.
Professores relatam um clima de medo, tensão, insegurança e silenciamento. É grande o temor pela perda do emprego. Existem inúmeras denúncias no Sindicato dos Professores de Pernambuco (Sinpro) e também na Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE-PE), responsável pelas fiscalizações através das suas gerências. Porém, as escolas não vêm sendo penalizadas.
O enfraquecimento da garantia dos direitos trabalhistas, a dificuldade de atuação do sindicato da categoria, a heterogeneidade entre as escolas e a forte influência do setor privado – pressionado também pelas famílias – são alguns dos pontos que ajudam a entender o quadro.
O Sinpro contabiliza, desde o início da pandemia, perto de uma centena de denúncias de irregularidades. Somente nesta semana, foram dez, entre aulas não suspensas mesmo com casos confirmados, aglomerações, funcionamento de escolinhas de futebol e alunos doentes que continuam frequentando a escola. A participação do sindicato é muito baixa nos diálogos e reuniões com o Governo do Estado. O poder de pressão é bem menor que o dos profissionais da rede pública.
Um professor que trabalha em três instituições privadas em Pernambuco e que preferiu não ser identificado conta que, desde o retorno das aulas, nenhuma delas nunca suspendeu as atividades quando houve confirmação de casos de covid-19 em sala. “Sabemos que os casos estão acontecendo, mas não somos informados oficialmente. Vários colegas de outras escolas têm relatado a mesma coisa. Às vezes ficamos sabendo só quando a pessoa já está internada”, detalha.
“Se um aluno ou um colega está com covid-19 e trabalhei com eles recentemente, eu deveria ficar sabendo para poder me isolar, inclusive em casa, com a minha família, e também para não levar o vírus de uma escola para outra”, defende. “Mas tudo fica muito camuflado, nebuloso, não se fala sobre o assunto. Existe uma pressão muito grande pelas aulas presenciais, porque as famílias pressionam. E é muito triste porque não me sinto cuidado”, comenta.
O professor entrevistado conta ainda que tem evitado, por exemplo, entrar na sala dos professores, lanchar e até beber água para não tirar a máscara em momento nenhum. Ele tem comprado do próprio bolso protetores faciais PFF2/N95 porque as escolas onde atua fornecem máscaras consideradas muito frágeis, de tecido com poucas camadas ou de materiais de baixa proteção contra aerossóis, e, apesar de haver a obrigatoriedade, fica a critério dos alunos e funcionários qual máscara usar.
4.4.2 Diante da ocorrência de caso ou surto (agregado) de casos relacionados à COVID 19, em ambiente escolar, os serviços de vigilância em saúde e/ou atenção primária devem ser informados, para monitoramento dos casos e/ou atuação conjunta com o Estabelecimento de Ensino, quando necessário;
4.4.4 Diante de um caso positivo na sala de aula, as aulas dessa sala serão suspensas até que saiam os resultados dos contatos. Os contatos que positivarem continuarão em casa por 10 dias e, ao mesmo tempo, 3 dias sem apresentar sintomas, e as aulas presenciais serão retomadas com os estudantes que tiveram resultado negativo.
Leia aqui a íntegra do protocolo
Apesar de haver a necessidade de informar a ocorrência de casos ou surtos no ambiente escolar, a SEE-PE não dispõe de um balanço nesse sentido. A reportagem perguntou também à Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) se há um recorte dos dados que mostre o número de casos e de óbitos por covid-19 entre professores e/ou profissionais da educação das escolas particulares. Porém, até o fechamento desta matéria não obteve resposta.
“Quando questionamos como a escola irá proceder diante de casos suspeitos, ficamos sabendo que não haverá afastamento das salas porque ‘está está todo mundo cumprindo os protocolos de segurança’”, comenta uma outra profissional da educação da rede particular. “Mas, na hora do intervalo, as crianças abaixam as máscaras para brincar, ficam perto umas das outras, não há gente suficiente para fiscalizar e os professores comem e tomam café juntos na sala dos professores, por exemplo”, conta detalhando cenas do cotidiano que geram preocupação e medo de contaminação.
Ela detalha ainda o que chama de “banalização”. “Morre um, entra outro e às vezes nem se comenta sobre as mortes, nem se solidariza, nada para de funcionar. O sentimento é que não valemos nada”, lamenta, falando também sobre a falta de padronização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e do fornecimento apenas de máscaras de tecido pela escola.
“Ser obrigada a trabalhar nessas condições é adoecedor, mental e fisicamente. Muita gente chega em casa desesperada, sem força, há relatos de burn out por causa desse momento”, acrescenta. O burn out é um distúrbio caracterizado pelo estado de tensão emocional e estresse provocados por condições de trabalho desgastantes.
Nesta quinta-feira, 13 de maio, professores da rede particular decidiram, em assembleia, decretar estado de greve com o objetivo de alertar a população sobre os riscos da pandemia e também pressionar os donos de escolas pelo reajuste salarial e pela renovação da Convenção Coletiva de Trabalho, garantindo os direitos da categoria e a regulamentação do ensino híbrido/remoto que vem sendo praticado.
O presidente do Sinpro, Helmilton Beserra, destaca, além das graves denúncias já listadas aqui, o cenário de dificuldade dos sindicatos de trabalhadores de empresas privadas, com baixa filiação, esvaziamento, diálogo aquém do necessário com a esfera pública e queda de receitas. Segundo ele, desde a gestão Temer, o Sinpro, que conta com apenas 30% de filiação da categoria, perdeu 85% de suas receitas e isso tem impactos significativos na atuação sindical e na fiscalização.
“Isso impacta nas nossas ações, na nossa comunicação, não temos direção profissional, não temos jornalista. Estamos numa ação militante”, coloca, lembrando que o sindicato tem atuações em horários específicos nas escolas, nos intervalos, e mediante visita autorizada. “São 2.400 escolas para quatro fiscais da Superintendência do Trabalho”, contabiliza o sindicalista. “Precisamos de um Estado que defenda o direito dos trabalhadores, mas o que temos é um Estado que nega”, reivindica.
Além disso, o presidente do sindicato lembra que não uma linearidade entre as instituições de ensino, mesmo no setor privado. “Há escolas que não têm nem condições de cumprir o protocolo. Muitas que estão na periferia não são nem legalizadas, funcionam como pequenas creches, às vezes sem registro formal. Os pais precisam trabalhar, então essas escolas atuam com relações as mais diversas”, pontua.
De acordo com a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco, mediante denúncias protocoladas entre 25 de fevereiro e 13 de maio, foram vistoriadas 53 escolas particulares em todo o Estado. “Nos locais, foram vistoriados o cumprimento de protocolos como, por exemplo, a aferição de temperatura na entrada das escolas, a disponibilização de lavatório em área externa com sabão e papel toalha e a organização das salas de aula de forma a garantir o distanciamento social”, informa a pasta.
Em caso de irregularidades, as instituições são notificadas e uma nova vistoria é agendada. Caso as demandas não sejam atendidas, os casos são encaminhados ao Procon-PE, responsável pelas fiscalizações de caráter punitivo. Até o momento, segundo a secretaria, não houve necessidade de repassar as denúncias ao Procon-PE, todas as situações foram ajustadas com as fiscalizações da SEE-PE. Isso significa que, apesar das denúncias e do clima de medo e insegurança entre os professores, nenhuma escola chegou a ser punida.
Os canais abertos para que a sociedade denuncie irregularidades de forma anônima é o “Fale Com a Ouvidoria da SEE”, através do site www.educacao.pe.gov.br, e o telefone 0800.286.8668.
Em entrevista à Marco Zero Conteúdo, o secretário-executivo de Gestão de Rede da SEE-PE, João Charamba, confirmou que a pasta recebeu “muitas denúncias advindas da rede privada, de professores, do Sinpro, de pais de alunos e algumas até a mim mesmo diretamente (além do Ministério Público), alertando principalmente em relação ao protocolo não cumprido”. As denúncias, explica ele, são encaminhadas a uma das 16 Gerências de Educação, que fazem as fiscalizações. “Nós já fizemos diversas fiscalizações, mas a tônica maior das denúncias tem a ver com distanciamento social”, diz.
Questionado sobre por que então, se existe protocolo e todo um sistema de denúncia, fiscalização e punição, os problemas seguem se acumulando e nenhuma escola foi punida e o que está faltando para que escolas privadas cumpram as regras, Charamba disse que irá avaliar a possibilidade de estender para o Sinpro o comitê criado junto ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), que representa os profissionais da rede pública, no sentido de somar as forças do Estado às do sindicato. Mas já existe um comitê setorial da rede privada, com representantes do sindicato e da secretaria, com membros da gerência de organização da rede escolar.
“Para ter mais efetividade na busca por essas resoluções, sobretudo sobre essas denúncias de que apenas os alunos contaminados estão sendo afastados e as aulas não são suspensas na turma”, defende Charamba. “Vínhamos tratando as escolas privadas caso a caso, a partir do momento que as denúncias eram formalizadas”, detalha. O acompanhamento das particulares não existe da mesma forma que nas escolas da própria rede do estado.
O Sintepe, por sua vez, em mais uma assembleia geral da categoria, na última terça (11), decidiu pela manutenção da Greve pela Vida, deflagrada em 19 de abril. A continuidade foi decidida por 66% dos presentes. A greve é contrária às atividades e aulas presenciais, sendo o trabalho remoto mantido como forma de contribuir para a continuidade do calendário escolar.
Em coletiva de imprensa nesta quinta (14), o sindicato lançou a nova Campanha de reforço da #GrevePelaVida e pela Saúde, que chama a atenção também para a mortalidade de pernambucanos em decorrência da pandemia. O Governo de Pernambuco “brinca com a morte, expondo trabalhadores, estudantes e familiares ao risco de contrair covid-19”, denuncia o Sintepe.
“Manter aulas presenciais em meio à crise sanitária é genocídio. O governo de Paulo Câmara deve escolher entre uma gestão genocida ou a favor da vida? Volta às aulas presenciais só com vacina”, disse Ivete Caetano, vice-presidenta do sindicato, durante a coletiva. Na próxima segunda (17), o Sintepe se reunirá com o Ministério Público Estadual (MPPE) em uma rodada de negociações, que haviam sido interrompidas pelo Governo do Estado.
A reportagem não conseguiu contato com o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (Sinepe), José Ricardo Diniz, até o fechamento desta matéria.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com