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Lucilene da Silva Bandeira em sua casa, em Sitio Novo, Olinda, aguardando a libertação do marido Alexandre. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
O motorista e servente de obra Alexandre Dias Bandeira, 51, deve ser solto a qualquer momento depois de dois meses de prisão no Cotel, em Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife. A Justiça decidiu libertá-lo por considerar que o crime de tráfico de drogas pelo qual ele foi condenado a 5 anos de prisão em 2001, no Mato Grosso do Sul, já prescreveu. Se o pior já passou, Alexandre e sua esposa Lucilene da Silva Bandeira agora se preparam para enfrentar outra batalha: limpar o nome do trabalhador e pedir reparação ao Estado pelo que consideram erro judicial.
Alexandre alega que nunca esteve naquele estado e que o verdadeiro culpado falsificou seus documentos, roubados em Olinda, em 2000.
“Alexandre vai ser libertado, mas o nome dele ainda continua sujo na Justiça e a gente vai limpar porque ele estava pagando por um crime que não cometeu. Queremos justiça e indenização”, afirmou Lucilene na manhã deste sábado (1) em sua casa, na Avenida Canal, em Sítio Novo, Olinda, enquanto aguardava ansiosa pelo telefonema das advogadas do Observatório de Direitos Humanos para saber quando exatamente vai poder voltar a abraçar o marido.
Thaísi Bauer advogada do Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares- Gajop, e Luisa Lins, da Rede Feminista Antiproibicionista, integrantes do Observatório, já prepararam o pedido de revisão criminal, que será protocolado no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, onde Alexandre foi condenado, nas próximas horas. “Vamos entrar com pedido de absolvição com a apresentação das provas de que ele não cometeu o crime e encaminhar o pedido de reparação pelos danos que foram causados a ele e à sua família”, explica Thaísi.
Lucilene não vê a hora de receber o marido de volta em casa. “Quero preparar aquele feijãozinho, arroz carioca e a galinhazinha assada com maionese que ele gosta tanto”. Ela, que é evangélica, também vai organizar um culto de ação de graça, em agradecimento pela liberdade do esposo.
Alexandre foi preso no dia 27 de maio e durante dois meses e uma semana completa, Lucilene ficou sem ver o marido porque as visitas estão suspensas nos presídios por conta da pandemia do coronavírus. Só serão retomadas a partir do dia 8. Neste período, ela conversou por telefone algumas poucas e rápidas vezes com ele. “Eu sempre perguntava se ele estava bem e ele me contava do sofrimento que estava vivendo. Mas isso vai acabar”, conta Lucilene.
A determinação de soltura de Alexandre foi expedida pela desembargadora Elizabete Anache, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, na tarde da sexta-feira (31).
A decisão da desembargadora partiu da análise de pedido de habeas corpus encaminhado pelo advogado Hallysson Rodrigo e Silva Souza. Ele disse que ficou emocionado com o depoimento da esposa de Alexandre mostrando indignação com a prisão do marido e pedindo justiça às autoridades do Mato Grosso do Sul.
A entrevista com Lucilene foi realizada pela reportagem da Marco Zero Conteúdo e reproduzida pelo portal Campo Grande News nesta quinta-feira (30). O caso de Alexandre veio a público pela primeira vez na matéria publicada pela MZ Conteúdo no dia 16 de julho. Quatro dias depois, a Marco Zero entrou em contato com a repórter Izabella Sanchez, do Campo Grande News, e compartilhou todo o processo e os documentos do caso com a jornalista.
“Costumo acordar, ler os jornais nacionais e o Campo Grande News. Quando vi a história, me comovi com o relato da esposa dele, dizendo que era pobre, mas ia lutar por justiça. Não fiz nada demais. É um dever de cidadão que conhece o Direito”, relatou o advogado com 20 anos de experiência para a reportagem do portal do MS.
Hallysson disse que depois de ler a matéria analisou o processo e verificou que o crime teria prescrito e decidiu entrar com o pedido de habeas corpus, que redigiu na madrugada da quinta para a sexta. “Fui movido pelo coração”.
Essa história começou em 23 de maio de 2001 quando policiais rodoviários federais pararam um Santana Quantum branco às 3h da madrugada no km 97 da BR 267, em Bataguassu, interior do Mato Grosso do Sul. Os policiais desconfiaram do cheiro forte, fizeram uma busca e encontraram quase 72 quilos de maconha escondidos sob o estofamento dos bancos.
O condutor foi autuado em flagrante na Delegacia da Polícia Federal em Três Lagoas e apresentou carteira de identidade e documento de propriedade do carro, com placa de Foz do Iguaçu, expedido em nome de Alexandre Dias Bandeira. A data e o local do nascimento (Rio de Janeiro), os nomes dos pais e o número do CPF batem com os mesmos dados do Alexandre Dias Bandeira preso quase duas décadas depois em Pernambuco. Mas a foto da carteira de identidade, não. Vê-se com facilidade tratar-se de pessoas diferentes.
Três meses depois do flagrante, o homem preso em Bataguassu foi condenado a 5 anos de prisão, mas dois meses depois fugiu da cadeia pública da cidade. Nem a Polícia Federal, nem a Justiça do Mato Grosso do Sul tirou fotos ou colheu as digitais do homem enquanto ele estava preso.
Dezenove anos depois, Alexandre Dias Bandeira foi detido no Recife para cumprir a pena pela condenação. Mas alega inocência. Documentos apresentados por sua defesa comprovam que ele trabalhava de carteira assinada em Olinda durante os cinco meses que o homem preso pela Polícia Rodoviária Federal de Mato Grosso do Sul ficou detido em Bataguassu. O ex-patrão de Alexandre confirmou a história para a Marco Zero.
Preso no Recife, trabalhador luta para provar inocência por crime no Mato Grosso do Sul
Várias provas documentais serão apresentadas no pedido de revisão criminal para garantir que a Justiça reconheça o erro que cometeu: a comparação entre a foto do documento original de identidade de Alexandre com a foto do documento apreendido com o homem preso em Bataguassu, o exame comparativo das caligrafias de cada um deles, a carteira de trabalho de Alexandre comprovando que vivia e trabalhava num armazém de materiais de construção, em Olinda, quando o crime aconteceu.
Outro ponto crucial da defesa vai ser a comparação física entre os dois homens. Na ficha de registro do flagrante do preso em Bataguassu não constam as digitais e fotos, mas há sim uma descrição física. Entre as características mais relevantes estão uma tatuagem no braço esquerdo e uma cicatriz na parte da frente do tronco. O documento diz que o preso tinha “1,60 metro ou menos”.
As advogadas pediram o apoio da Defensoria Pública do Estado para conseguir registrar no Cotel as imagens de Alexandre e medir sua altura. A reportagem da Marco Zero Conteúdo teve acesso a esse material. Não existem tatuagens nem cicatriz frontal em Alexandre. E o mais importante: ele mede exatamente 1,80 metro. Pelo menos um palmo a mais de altura do que o homem detido há 19 anos no Mato Grosso do Sul.
“Além de ser inocentado diante do pedido de revisão criminal, a ideia da defesa é encaminhar ação indenizatória em detrimento do Estado em razão do erro cometido pelo Judiciário, que fez com que Alexandre fosse preso nesse momento de pandemia, ainda mais levando em consideração que ele tem problema de comorbidade, como pressão alta, e passou até por dificuldade de enxergar lá no presídio. A Constituição Federal estabelece em seu artigo 37, parágrafo 6, que o Estado é responsável pelos atos praticados pelos seus agentes que derem causa a terceiros”, explica Thaísi.
Matéria da Marco Zero repercute no Mato Grosso do Sul e Justiça determina liberdade para Alexandre
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República