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“Esquerda e direita defendem a mesma coisa para a segurança pública: violência policial”

Pesquisador que foi coronel da PM de SP vê "falta de coragem" nos progressistas

Inácio França / 09/12/2024
Na imagem, um grupo de pessoas está reunido em frente a um prédio de arquitetura clássica, com escadarias amplas. Algumas pessoas seguram cartazes e faixas, enquanto outras estão com guarda-chuvas abertos, indicando que está chovendo. Entre os cartazes, destacam-se os dizeres: JUVENTUDE NEGRA VIVA e PAREM DE NOS MATAR. Há também a presença de policiais militares niformizados em primeiro plano, observando a manifestação. A cena transmite a ideia de um protesto pacífico, possivelmente contra a violência policial ou questões de racismo e injustiça social.

Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil

A entrevista sobre a repercussão dos episódios da violência policial em São Paulo começou com o entrevistado, o pesquisador e coronel reformado da Polícia Militar paulista, Adilson Paes de Souza, discordando e desmontando a tese sobre a qual este jornalista tentava fundamentar a sua primeira pergunta. Eu havia mencionado que a esquerda brasileira não tem proposta para combater a violência urbana e que, por essa razão, acaba mantendo as políticas da direita para o setor.

Paes de Souza foi enfático: “Discordo. Os partidos de esquerda como o PT, PSB, PCdoB e PSOL, têm sim uma projeto para a segurança pública. É uma projeto igual ao da direita, baseado na letalidade e violência policial”.

A resposta surpreendente mudou os rumos da conversa, mas não prejudicou o conteúdo final deste texto. Afinal argumentos não lhe faltam: “desde a promulgação da Constituição de 1988 são 36 anos. Ao longo desse período em que nada mudou no sistema de segurança pública nacional tivemos pelo menos 23 anos de presidentes de centro-esquerda, vários programas nacionais de direitos humanos e de segurança pública e cidadania, a criação de normas, inclusão de disciplinas nas escolas. Mas o sistema não mudou”.

Paes de Souza fala com a experiência tanto de quem passou 30 anos como oficial da PM, onde chegou a comandar um batalhão de policiamento de rua, quanto de quem se tornou um respeitado pesquisador do tema. Depois de ir para a reserva, fez o mestrado em Direitos Humanos na prestigiada Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Em seguida, cursou o doutorado em Psicologia e tornou-se pesquisador visitante da Universidade da Polícia da Noruega, em Oslo.

Sempre que confronta um político de esquerda com esses fatos, o pesquisador escuta a explicação de que isso se deve à “correlação de forças desfavorável”, que deixaria os governantes progressistas de mãos atadas, “sem ter o que fazer”. Por muito tempo, ele acreditou na justificativa dada por petistas, socialistas, comunistas, pós-comunistas.

A imagem mostra Adilson Paes de Souza, homem branco, de meia idade, em destaque, sentado em uma sala de palestras ou auditório com cadeiras vermelhas. Ele está falando e gesticulando com uma expressão engajada, enquanto usa uma camisa branca e tem um casaco vermelho jogado sobre os ombros. Atrás dele, outras pessoas estão sentadas, algumas aparentam estar prestando atenção ou interagindo com algo, como escrevendo ou olhando em suas mãos. No fundo, há uma escada, extintores de incêndio fixados na parede e um ambiente iluminado por luz artificial, sugerindo que a foto foi tirada em um evento ou reunião em um espaço fechado.

Paes de Souza acredita que esquerda e direita se igualam no tema segurança pública

Crédito: Antoninho Perri/Unicamp

“Eles têm esse discurso na ponta da língua, mas hoje estou convicto que isso é apenas retórica para esconder que eles pensam igual à direita, eles também acreditam que uma polícia violenta e letal é a única solução para a segurança pública”, ataca o especialista, que dá como exemplo a Bahia, estado governado ininterruptamente pelo PT há 18 anos e que, hoje, tem a Polícia Militar que mais mata no Brasil. “Uma nota oficial do governo da Bahia tem o texto igual a uma nota de esclarecimento do governo de São Paulo, do Rio ou de Minas. Eles fazem copia e cola”, ironiza.

Outro exemplo seria o debate em torno do assunto durante as eleições municipais de São Paulo: “Analisei os programas de governo do PSOL de Boulos, de Tábata Amaral, de Ricardo Nunes, de Datena. Eram praticamente iguais, todos defendiam a militarização da guarda municipal sem fazer menção aos abusos cometidos pela guarda. Diante do fato de Bolsonaro ter indicado um coronel da Rota para ser vice, sabe o que a campanha de Boulos fez? Arrumou um coronel da Rota dizendo que ia votar nele”.

Um fracasso que rende votos

Um ano antes da promulgação da Constituição de 1988, o número de homicídios no Brasil ultrapassou por pouco o patamar de 23 mil mortes, o que dá uma taxa de 16,88 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime (UNODC). Pelos números de 2023 – quase 40 mil assassinatos e uma taxa de 22,38 por 100 mil habitantes -, dá para afirmar que a militarização da segurança pública está longe de ser um sucesso.

É um raro caso de política fracassada que não muda nem recebe pressão para mudar.

Para Adilson Paes de Souza, a insistência nesse modelo se explica a partir do processo político que resultou no fim da ditadura militar.

“Já cansei de repetir que isso acontece porque a redemocratização não chegou à segurança pública. Os constituintes de 1988 sofreram muita pressão do lobby do Exército e dos comandos das PMs para que não mexessem num sistema criado para combater subversivos e para caçar gente”, recorda.

Segundo ele, isso não mudou porque falta coragem aos progressistas. “A democracia brasileira é tutelada pelas Forças Armadas, é refém dos militares. Quando Lula fala que só se preocupa com o futuro e não com a atuação dos militares no passado, ele está reconhecendo o poder das Forças Armadas”, explica.

O recuo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que disse ter errado ao rejeitar câmeras nos uniformes dos policiais, não significa mudança de rumos. Segundo o coronel e pesquisador, “é só uma mudança de discurso para sobreviver politicamente, pois a repercussão está sendo péssima, com setores da sociedade que não costumam criticar a polícia, passando a fazer porque perceberam que também podem ser atingidos por ela”.

A imagem mostra a fachada de um prédio institucional com o nome Polícia Militar destacado na parte superior. No centro, há uma entrada ampla com janelas de vidro, acima da qual está o brasão da Polícia Militar de São Paulo. Em frente à entrada, há um mosaico com os dizeres Comando de Policiamento da Capital (CPC), acompanhado de um brasão colorido e uma inscrição que menciona São Paulo, Jan 2004, 450 anos, referindo-se ao aniversário da cidade. O prédio é revestido com paredes claras, possui janelas de moldura preta, e há mastros para bandeiras nas laterais.

Suicídio mata mais policiais do que o crime organizado em São Paulo

Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil

Quem perde e quem ganha

Para o pesquisador, há quem ganhe e quem perca com uma polícia militarizada e com altas taxas de letalidade decorrentes de suas ações. Quem mais perde é a sociedade. “Quanto mais se aposta nessa política, mas insegurança é gerada. Então, nós perdemos. Nós, que temos de nos preocupar com qual cartão de crédito sair para ir ao supermercado, nós que não podemos andar na rua segurando o celular na mão”, afirma.

Os policiais militares submetidos a pressões e constrangimentos pela hierarquia também perdem muito. Em março deste ano, o site Ponte Jornalismo publicou reportagem demonstrando, com dados oficiais, que no ano passado 31 Pms tiraram a própria vida, o dobro da quantidade dos que morreram em serviços. O dado é um indicativo de que ‘instituição está sendo mais nociva para os policiais do que os ditos marginais’,como diz trecho da matéria.

Não falta quem saia ganhando com a violência urbana: políticos populistas que surgem oferecendo mais violência, empresas de segurança privada, empresas que vendem soluções tecnológicas, empresas fornecedoras de serviços para presídios, policiais que ganham dinheiro extra fazendo escolta para integrantes do crime organizado e até concessionárias que administram cemitérios. “A morte virou uma commoditie no Brasil”, sentencia Paes de Souza.

Por essa razão, Paes de Souza prevê que, nos próximos dias, a violência policial voltará a cair, mas, em seguida, voltaremos a ver ”outros abalos sísmicos que constragem, que chamam a atenção da opinião pública, pois não se pretende curar a doença, o que se faz é apenas controlar a febre e agradar aos eleitores”.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.