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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
A paisagem do Recife começou hoje a sofrer uma mudança irreparável. Após sete anos de lutas do movimento Ocupe Estelita, um marco no ativismo em Pernambuco, a construtora Moura Dubeux iniciou, na manhã desta segunda-feira (25), a destruição dos galpões que ficam no Cais José Estelita. A demolição começou com os dois galpões geminados de 10 mil metros quadrados que ficam mais próximos ao Cabanga: os 28 pequenos armazéns do outro lado, perto do Forte das Cinco Pontas, deverão ser preservados.
A ação começou logo pela manhã, pouco tempo depois do secretário de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga, assinar a licença para o início da demolição. Até por volta do meio-dia, as máquinas da Moura Dubeux trabalharam sem placa de identificação na frente do local e sem a apresentação do alvará no canteiro de obras. Sem esses dois requisitos, a demolição não poderia ter começado, como deixa bem claro a lei municipal 16.292/1997. A lei afirma que a obra deve ser embargada, caso comece sem esses requisitos.
“O secretário João Braga ressuscitou o processo da licença de demolição de 2014, que havia parado porque necessitava da documentação do Iphan. Era para ter sido arquivado e a construtora ter entrado então com novo processo para conseguir a liberação”, criticou o ativista Leonardo Cisneiros, afirmando que pretende entrar com uma ação de improbidade administrativa contra João Braga.
Apesar da obra ter começado de forma irregular, sem o alvará no local e sem placa de identificação, e dos recorrentes pedidos dos integrantes do Ocupe Estelita, ninguém da Diretoria Executiva de Controle Urbano (Dircon) apareceu por lá para embargá-la.
Antes das 18h, essas duas irregularidades haviam sido sanadas. Por volta das 15h, advogados da construtora apareceram com o alvará da demolição de 13.539,99m², assinado por João Braga. Na ocasião, o advogado Estevão Cavalcanti afirmou que a colocação da placa era uma “mera formalidade”. Por volta das 17h, o defensor público da União André Carneiro Leão foi visitar o local, a pedido do vereador Ivan Moraes (Psol), que participou de toda a manifestação. Logo depois, uma placa improvisada foi afixada na frente da principal entrada da demolição.
O engenheiro Eduardo Moura, diretor da Moura Dubeux, concedeu entrevista para a imprensa dentro do terreno. Foi a oportunidade para observar como estão as obras: o local já está tomado por entulhos da demolição, e boa parte da área interna já foi demolida. Se não for parada, a demolição deve ser concluída em dois ou três dias, segundo Moura.
O executivo enumerou as licenças e listou algumas das ações mitigadoras do projeto, o qual chamou de “requalificação do Cais José Estelita”. “Nesta etapa vamos fazer o sistema viário para que possa liberar o sistema viário atual para a construção do parque na orla. Em algum momento este sistema viário de hoje vai ser fechado para a construção do parque. Na parte privada, serão três prédios”, disse, afirmando que a primeira etapa do sistema viário deve ser uma das primeiras obras a serem construídas. Por enquanto, a Moura Dubeux possui apenas a licença de demolição. Para construção, é um outro processo.
Em maio de 2018, Eduardo Moura concedeu entrevista ao Diario de Pernambuco afirmando que as obras dos três primeiros prédios do Novo Recife começariam em março de 2019. Mostrando a mesma segurança, afirmou que as ações judiciais contra o Novo Recife não devem ser capazes de embargar a obra. De acordo com ele, 35% do terreno, horizontalmente, terá uso privado e 65% uso público. O Novo Recife prevê prédios de até 40 andares.
MPF vai pedir julgamento imediato
Ativistas do movimento Ocupe Estelita não sabem afirmar com precisão quantas ações judiciais envolvem o projeto do Novo Recife e o Cais José Estelita. Calculam em cerca de uma dezena. Pelo menos três trazem mais esperanças ao movimento.
Duas ações foram iniciadas em outubro do ano passado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), questionando a legalidade do plano urbanístico de 2015, que “abraçou” o Novo Recife, dando legalidade ao projeto em contradição ao plano diretor de 2008.
Há também um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que considerou lícita a aprovação do projeto Novo Recife. O MPF recorreu da decisão no dia 13 de novembro do ano passado e, diante das obras de demolição no Cais, o procurador regional da República Domingos Sávio Tenório de Amorim quer pedir o julgamento imediato do recurso. Confira a entrevista:
O senhor apresentou, em novembro do ano passado, um recurso para reverter a decisão do TRF5 que considerou lícita a aprovação do Novo Recife. Como está a situação agora?
Estou aguardando que o vice-presidente do TRF5 ( desembargador federal Cid Marconi) julgue a admissibilidade do recurso para que possa ser remetido ao STJ. Mas, diante dos últimos fatos, vou fazer uma petição ainda hoje (25) pedindo para que ele dê prioridade ao julgamento do recurso.O que acontece se o recurso for acatado?
No recurso eu peço a concessão de efeito suspensivo da decisão do TRF5, que aprovou o projeto, até que o STJ julgue o recurso. Então, caso o recurso seja acatado pelo TRF5, esse efeito suspensivo passa a valer. O efeito suspensivo faria com que a obra fosse embargada até o julgamento do STJ. Primeiro, o recurso é remetido ao STJ. Se não houver provimento, o recurso extraordinário (que também foi apresentado), é examinado pelo STF.Se o recurso não for acatado agora, ainda existem alternativas para impedir o avanço das obras?
Sim. Se por acaso o recurso não for admitido, estou preparando um agravo pedindo o julgamento imediato. O processo ainda não transitou em julgado, então ainda existem alternativas.(com Mariama Correia)
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Ativistas do Ocupe Estelita começaram a chegar ao local no final da manhã, logo que o movimento das escavadeiras se tornou visível no Cais. No começo da tarde, um número razoável de pessoas já estava no local.
A construtora já havia colocado cerca de 80% dos tapumes quando ativistas se sentaram entre as estacas, impedindo a instalação. Houve um primeiro momento de tensão entre os ativistas e os seguranças da construtora, que também estavam com cachorros da raça Rotweiller. Não houve confronto físico nesta ocasião.
Quando as escavadeiras voltaram a trabalhar, por volta das 15h, ativistas continuaram na frente dos galpões, o que forçou a construtora a continuar a demolição na parte interna.
Por volta das 17h30, ocorreu o momento mais tenso do dia. Ativistas tentaram impedir que funcionários da Moura Dubeux colocassem mais um tapume em frente à entrada que dá acesso ao maquinário. Houve confronto entre seguranças da obra e os ativistas, como é possível ver no vídeo desta reportagem. A polícia interveio, se colocando entre os dois grupos. Um segurança foi revistado e ficou comprovado que ele estava desarmado. A ocupação, que acontece entre os tapumes e a parede dos galpões, deve seguir durante a noite.
Além dos integrantes do Ocupe Estelita, moradores das redondezas também protestaram hoje em frente ao terreno. Líder comunitário das 1.200 famílias que ocupam a linha férrea sul, José Cirilo se mostrou preocupado com o projeto Novo Recife. “O nosso dever é lutar por moradia para o povo. Aqui não vai ter habitação para pobres. Eles estão aqui agora, mas quando esse condomínio para ricos estiver pronto, quem garante que eles também não vão querer nos tirar do lado? Onde este consórcio vai nos colocar?”
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org