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Hospitais do sertão estão perto do colapso, mas prefeituras ainda apostam na ivermectina

Raíssa Ebrahim / 10/03/2021

Crédito: Mufid Majnun/Unsplash

Em 2020, a interiorização da pandemia aconteceu de forma gradativa e numa velocidade menor do que nas capitais. Agora é diferente. As unidades de saúde estão lotando todas ao mesmo tempo e os pacientes se agravando mais rapidamente.

“Lotando não tem saída. Fica complicado conseguir vaga em outro lugar, além de que transferir pacientes em estado grave é muito complicado”, relata o médico intensivista Pedro Diniz, que trabalha no hospital universitário da cidade que é o principal polo do sertão de Pernambuco e referência para a região nas áreas de traumatologia, neurologia e cirurgias.

No último domingo (7), a UTI de covid-19 em Petrolina atingiu 100% de ocupação. O percentual baixou depois, está agora em 93,2%, segundo o boletim mais recente, desta terça, 9 de março. Há apenas três das 44 vagas nos hospitais de uma cidade que é referência para 53 municípios, sendo 25 de Pernambuco e 28 da Bahia, o que soma cerca de 2 milhões de pessoas.

Muitos municípios pequenos dependem dessas assistência para casos moderados e graves. “Como os recursos ainda são escassos, vamos ter que fechar 10 leitos de UTI ‘comum’ para abrir leitos de UTI covid. É uma faca de dois gumes”, diz Pedro.

O governo do estado já anunciou que entregará, nos próximos dias, mais 20 leitos para Petrolina e Araripina, que também chegou a 100% de ocupação no início da semana e precisou transferir pacientes para Serra Talhada, também no sertão. Acontece que a velocidade de contágio tem superado a capacidade de abertura de novas vagas, investimento que, como já disse o secretário estadual de Saúde, André Longo, tem um limite.

Pedro atua na linha de frente desde o início da pandemia. Além dele, somente a coordenadora e outro colega estão no posto há tanto tempo. Os profissionais de saúde estão “exaustos”, nas palavras do médico, o que aumenta ainda mais o drama da situação.

A sensação, complementa ele, é de “remar contra a maré”. Os hospitais nunca deixaram de ter pacientes durante a pandemia, mas os plantões têm ficado cada vez mais pesados. Na última segunda (8), por exemplo, Pedro precisou ficar paramentado por 12 horas seguidas. Isso significa que, durante todo o plantão, ele não comeu, não bebeu água nem foi ao banheiro.

Ou porque os médicos passaram em outras seleções ou porque realmente não estão mais aguentando o desgaste físico e emocional, há dificuldade em fechar as escalas de plantão. “Quando a escala estava cheia, costumávamos ter dois médicos para cada dez pacientes, mas agora estamos com um para dez”.Apesar de as recomendações de UTI serem realmente nessa proporção de um para dez, são dez pacientes em estado grave demandando atenção, diferente, portanto, de uma UTI cotidiana.

Mais jovens e mais graves

Assim como médicos em todo o Brasil, Pedro detalha que os pacientes na UTI agora são de um perfil mais jovem e com quadros que complicam em menos tempo. “Normalmente os pacientes vinham para a UTI já com muitos dias de sintomas, entre 10 e 12. Agora o que estamos notando é que essa piora está chegando antes, com sete ou oito dias”, diz.

Acredita-se que a mudança é consequência da variante do vírus, mas, por enquanto, é somente uma hipótese, ainda sem comprovação científica. Outra possibilidade, cita Pedro, é que as pessoas relaxaram nas medidas de distanciamento e uso de máscaras, por isso estão expostas a uma carga viral maior e, consequentemente, desenvolvem quadro mais intensos da doença.

Outra hipótese é a demora que os jovens comumente têm, não só em casos de covid-19, de procurar o sistema de saúde quando adoecem, sobretudo os homens.

Para o médico, o que mais tem marcado as últimas semanas é a forma como essa nova fase da pandemia chegou. “Na outra, a UTI foi enchendo aos poucos, foi se adaptando. Dessa vez, foi muito rápido, num dia estávamos com uma lotação razoável e, em questão de 48h, lotou”, conta.

Ele defende a necessidade de um lockdown completo por pelo 15 dias para reduzir a circulação do vírus e, assim, diminuir as contaminações e as superlotações na rede de saúde. Para ele, é a “única saída nesse momento”.

Municípios ainda prescrevem ivermectina

Além de Petrolina, a oitava Gerência Regional de Saúde (Geres) de Pernambuco abarca Afrânio, Cabrobó, Dormentes, Lagoa Grande, Orocó e Santa Maria da Boa Vista. A Marco Zero Conteúdo conversou com as secretárias de saúde dos municípios de Dormentes e Cabrobó e em ambos ainda há protocolo de prescrição do vermífugo ivermectina caso o médico queira receitar.

Nesta quarta (10), a FDA (Food and Drug Administration), a agência sanitária dos Estados Unidos, emitiu um alerta em que não recomenda o uso da ivermectina para o tratamento ou prevenção da covid-19. Segundo o comunicado, não se trata de um antiviral e tomar grandes doses é perigoso e pode causar danos à saúde, como náuseas, vômitos, diarreia, queda de pressão, reações alérgicas (coceira e urticária), tonturas, ataxia (problemas de equilíbrio), convulsões, coma e até morte, além da possibilidade de interferir na eficácia de outros medicamentos, como os anticoagulantes.

Em informe oficial no início deste mês, a própria farmacêutica norte-americana MSD (Merck Sharp and Dohme), que produz a ivermectina (mas não vende o produto no Brasil), veio a público dizer que, até o momento, não há evidências de que a medicação tenha efeitos terapêuticos contra a doença.

Gestores temem colapso

Entre os municípios do sertão, a preocupação é a mesma: não ter para onde correr em caso de agravamento de quadros. Dormentes, com população de cerca de 18 mil habitantes, acumula 945 casos confirmados da doença e dois óbitos. No momento, existem, segundo a secretária de saúde, Talita Mirele Rodrigues, quatro casos ativos, sendo um grave, que precisou ser transferido para Petrolina.

Por enquanto, a situação não está fora de controle, mas o município conta com apenas sete leitos de enfermaria para covid-19.

“Minha preocupação é chegar o dia em que vamos precisar solicitar um leito para um paciente e não vamos ter como prestar esse atendimento. Sabemos que temos um limite de até onde conseguimos ir”, afirma Talita. “Jamais queremos que isso aconteça, mas não sabemos o dia de amanhã”, complementa.

Em Cabrobó, com aproximadamente 34 mil habitantes, a prefeitura tem investido na “Caravana covid” para tentar desafogar as unidades de saúde e também evitar a circulação de pessoas contaminadas. De acordo com a secretária de saúde, Gilca Moraes, o programa tem dado certo.

Em 1º de janeiro, havia 150 casos ativos. Hoje são 58. A caravana circula à noite pelos bairros e também na zona rural fazendo testagem rápida e levando informações. Um profissional de saúde avalia e classifica os pacientes a depender dos sintomas. Ao mesmo tempo, o carro vai passando pelas ruas informando a população e um agente de endemias visita os domicílios.

O custo, calcula Gilca, é praticamente irrisório, pois os profissionais fazem hora extra à noite e depois são compensados com folga.

Caravana covid em Cabrobó (crédito: Prefeitura de Cabrobó)

Da oitava Geres, Cabrobó é o município com mais casos acumulados, atrás somente de Petrolina. São 1.217 confirmações e 14 óbitos. Além de 15 leitos de enfermaria, a capacidade instalada é de apenas dois leitos com ventiladores mecânicos e quatro leitos que conseguem manter o pacientes com oxigenioterapia por algum tempo.

Apesar da relativa estabilidade, Gilca comenta que “toda a situação é angustiante”. “Nosso município de pequeno porte, não tem capacidade de atender casos moderados e graves. Meu medo é porque vai chegar um momento que Cabrobó vai ficar como cidade intermediária”, acrescenta.

Por exemplo, Orocó, pequeno município vizinho, tem uma capacidade hospitalar instalada ainda menor e por isso não tem condições de dar suporte adequado em caso de alta demanda.

O presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Pernambuco (Cosems-PE), Edson de Souza, de Gravatá, no Agreste, lembra que “a dificuldade é generalizada, principalmente a medida que se afasta do litoral, onde leitos e acesso à capital fica mais escassos”.

Segundo ele, os municípios já vêm tendo dificuldade em adquirir materiais e equipamentos e a tendência é que isso piore. Ele reforça que a população tem relaxado nos cuidados. Sobre o lockdown, Edson afirma que os secretários municipais estão divididos. Alguns acham que é preciso um fechamento mais rígido, outros, sobretudo os de cidades de maior parte, há resistência por temor também de desabastecimento.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com