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“Investidas como essas não vão nos parar, não vão nos calar”, diz Dani Portela após sofrer ameaças

Raíssa Ebrahim / 30/04/2022

Crédito: Tom Cabral

A vereadora mais votada do Recife nas últimas eleições, em 2020, vem sofrendo uma série de ataques e até ameaças de morte após grupos conservadores espalharem fake news na internet. Dani Portela (PSOL), pré-candidata a deputada estadual, é a única mulher negra na atual legislatura, em que seu partido tem enfrentado dificuldades para aprovar projetos.

A parlamentar chega ao fim desta semana de denúncias, registro de Boletim de Ocorrência e pedido de providências reafirmando a postura em defesa da democracia e contra as opressões. “Investidas como essas não vão nos parar, não vão nos calar”, disse à Marco Zero após desembarcar, no início da noite desta sexta-feira, 29 de abril, para compromissos em Salvador, onde participará do “Encontro de mulheres negras: radicalizando o imaginário coletivo e político de esquerda”.

Dani teve um requerimento rejeitado por maioria da câmara no último dia 19, dia do Exército Brasileiro. A proposta previa a remoção do busto do general-ditador Humberto Castello Branco do canteiro central da ponte Castello Branco, na Avenida Caxangá, bairro da Várzea, zona oeste da cidade (saiba mais ao longo da matéria). Blogs e perfis bolsonaristas espalharam mentiras sobre a proposta da parlamentar, gerando reação tão violenta quanto rápida, com ameaças, xingamentos e palavras de ódio até mesmo no e-mail institucional.

O mandato de Dani pretende acionar Justiça nos âmbitos penal e cível para que os responsáveis por espalhar mentiras sejam identificados e responsabilizados e os conteúdos sejam retirados do ar. Sua assessoria jurídica também irá pedir indenização por danos morais e à imagem da vereadora. A equipe já solicitou que o texto do BO seja corrigido, pois, na oitiva, não foi inserida a questão da ameaça. Ficaram registradas as denúncias de calúnia, difamação e injúria.

“Historicamente no Brasil, as mulheres são vítimas de violência política em todas as instâncias. Nossa representatividade é pequena e nossos corpos são atacados de diversas formas. Quando recebo ameaças como as que estamos denunciando esta semana, chegando ao ponto de utilizarem o e-mail institucional da câmara, é a confirmação de que ainda há um longo caminho para que as mulheres, e mais especificamente, as mulheres negras, sejam reconhecidas nos espaços de poder. Vejam só, o Brasil tem menos mulheres na política do que países como o Afeganistão! Somos maioria nas ruas, minoria nos plenários”, colocou Dani.

Ela lembrou Marielle Franco (PSOL), assassinada há quatro anos, “vítima desse sistema de silenciamento, em um crime que até hoje não foi solucionado”. Na avaliação da vereadora, “o desafio é a transformação desse modelo de opressão. E para modificar esse sistema, precisamos ser mais na política. Quando uma mulher negra cai, muitas outras se levantam”.

O requerimento e as discussões

O tema do requerimento de Dani Portela não era novidade na Câmara de Vereadores do Recife. Ele já havia sido rejeitado na legislatura passada após proposta do vereador Ivan Moraes, também do PSOL. O assunto voltou ao debate na casa no último dia 19 e, após o vereador Renato Antunes (PSC), líder da oposição na casa, requerer votação nominal, a matéria foi rejeitada por 16 votos contra e apenas seis a favor, com uma ausência expressiva de um total de 16 parlamentares. O tema gerou discussões acaloradas que tomaram parte da sessão ordinária do dia.

Na justificativa do voto, Dani enfatizou que a iniciativa não era em favor do “vereador a ou b”, mas em defesa da democracia. “Essa não é uma disputa meramente ideológica, é uma disputa de que história a gente quer contar”, argumentou. “As duas décadas de ditadura militar brasileira são uma época de que nós não podemos esquecer. As instituições democráticas estão em constante ameaça. A democracia, que é uma palavra que nós falamos tanto, ela é jovem, ela é recente, ela é frágil e constantemente ela sofre ataques e ameaças”, defendeu ao dizer que esse “não é um tema qualquer”.

Dani disse respeitar a decisão democrática da câmara, mas lamentou: “A Casa José Mariano hoje (19 de abril de 2022) entra pela história não com revisionismo, mas defendendo torturadores, mas defendendo o pior período da história do Brasil.”

Por outro lado, vereadores que votaram contra o requerimento argumentaram pela questão legal da matéria. Renato Antunes (PSC) chegou a dizer que a proposta era de um “revisionismo histórico sem pé e sem cabeça”. É dele o Projeto de Lei (PL) 139/2020, aprovado pela câmara na semana anterior, que estabelece que “alteração, remoção e transposição de estátuas, bustos, monumentos históricos e outros símbolos tradicionais” sejam feitas apenas através de PLs.

“Não podemos fazer revisionismo histórico à base de requerimento, à base de decretos discricionários, à base do achismo de um grupo que sequer consultou o povo”, disse Renato. E emendou disparando: “Agora eu pergunto à vossa excelência, vai retirar o busto de Castello Branco e vai colocar o busto de quem lá? De Fidel Castro? Na Ponte Castello Branco?”.

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AUTOR
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Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com