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Candidatura coletiva em Igarassu foi intimada a mudar de nome, mas mudança não foi aceita
A Justiça Eleitoral em várias cidades do Brasil está tentando barrar as candidaturas coletivas. Os argumentos são semelhantes: a iniciativa fere a legislação que fala sobre nome e foto na urna e pode confundir o eleitorado. Não há previsão legal para esse tipo de chapa, mas, por outro lado, também não há proibição.
Na mira desse vácuo estão minorias que têm nas iniciativas compartilhadas o principal caminho para chegar à política institucional. A maioria dessas chapas é formada por mulheres pretas e periféricas e pessoas LGBTQI+.
Na última quinta-feira (1), a Marco Zero Conteúdo mostrou o caso da candidatura Nossa Cara (Psol-CE) à Câmara de Fortaleza. Desde então, o número de casos não parou de crescer. Em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife, a Bancada Coletiva Igaraçuara (Psol-PE), formada por duas mulheres e um homem, também foi alvo da justiça.
Ministério Público do Ceará tenta impugnar candidatura coletiva de mulheres pretas
Na semana passada, a cocandidata Dricka Andrade, que fez o registro no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), foi convidada a comparecer ao fórum eleitoral da cidade e intimada a mudar o nome da candidatura por estar em desacordo com o artigo 25 da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) n°23.609/2019.
O que diz o artigo?
O nome para constar da urna eletrônica terá no máximo 30 (trinta) caracteres, incluindo-se o espaço entre os nomes, podendo ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual o candidato é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto a sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente.
O trio decidiu então mudar o nome para Dricka da Bancada Igaraçuara, mas a mudança também não foi aceita. Agora a disputa segue na Justiça e a pressão, dizem as chapas coletivas, seguirá também nas ruas. O Psol irá lançar esta semana uma campanha em prol das iniciativas compartilhadas.
“Eu particularmente entendo que a juíza não quer ver os três corpos representando essa candidatura coletiva dentro do legislativo de Igarassu. Esse é o meu entendimento, ela não quer que aconteça essa revolução na política em Igarassu, que é reacionária e patriarcal e uma política herdeira do coronelismo e do machismo”, protesta Dricka, negra, feminista, empreendedora local, produtora e articuladora cultural.
“Esse é um modo de as minorias e a população preta e periférica se organizar para conseguir ir além e ter suas vozes ecoadas com mais força”, complementa Lex Cavalcanti, cocandidata, feminista, pedagoga e educadora patrimonial. “Há, por exemplo, nomes como Eduardo da Ong e Jacó do Povo. Então não pode ter Dricka da Bancada Igaraçuara?”, questiona.
Otho Paiva, o terceiro cocandidato, é pai, estudante de direito e trabalha como assistente jurídico. Integrante do Coletivo Catucá, reitera que o trio irá recorrer nos próximos dias para manter o nome.
O mandato coletivo não existe juridicamente. De acordo com a legislação, apenas uma pessoa recebe o registro, disputa a eleição, presta contas e, em caso de vitória, é diplomada. A coletividade acontece por detrás da urna e da tribuna.
Por exemplo, só pode realizar atos parlamentares e votar nas sessões a pessoa que apareceu na urna eletrônica com nome e foto. É ela quem tem a posse do mandato. Se deixar o cargo, quem assume é o suplente, e não um membro do grupo.
Existe uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso (nº 379/17), da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), para legitimar os mandatos compartilhados, mas a matéria ainda está em tramitação.
No Recife, a candidatura Pretas Juntas (Psol-PE), formada por Elaine Cristina e Débora Aguiar, mães antiproibicionistas, também foi notificada para mudar o nome. Há casos também no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. No Crato, interior do Ceará, a candidatura coletiva Sementes também está sendo questionada.
Em Goiânia, a Mandata Coletiva Agora É Que São Elas, formada por quatro mulheres, se viu obrigada a mudar o nome para Cíntia da Agora É Que São Elas e, no momento, aguarda a avaliação da alteração.
“Pode um nome estranho, mas não pode o que a gente quer e está trabalhando?”, questiona Cíntia Dias, cientista social graduada, voluntária da educação popular, feminista, sindicalista e ativista de movimentos sociais. Ela já havia se candidatado em 2010 a deputada estadual e diz que só foi possível pensar numa disputa eleitoral novamente através de uma iniciativa coletiva para fazer frente a opressões, violências e o bolsonarismo que dominam a capital de Goiás.
Ela está junto com Beth Caline, mulher travesti, Cristiane Lemos, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG), e Valéria da Congada, defensora histórica das causas do movimento negro e das religiosidades.
Exemplos de experiências coletivas bem-sucedidas do ponto de vista da conquista do mandato e da quebra de barreiras são as deputadas estaduais Juntas (Psol-PE) e a Mandata Coletiva (Psol-SP). É também nesses casos que as defesas das chapas coletivas em 2020 estão se apoiando.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com