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Lei que muda regras das construções no Recife vai ser debatida em audiência pública

Maria Carolina Santos / 28/03/2025
A imagem apresenta uma vista aérea do Recife, repleta de prédios e casas. O destaque principal é o rio Capibaribe que atravessa o centro da cena, rodeado por áreas verdes. Ao redor do rio, há uma mistura de edifícios altos e baixos, desde apartamentos até casas mais simples. A cidade se expande até o horizonte, onde é possível perceber mais construções e áreas urbanas. O céu está parcialmente coberto por nuvens brancas.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

As regras urbanísticas do Recife devem mudar em breve. Desde 1996, a cidade do Recife usa a mesma lei de uso e ocupação do solo e, desde 1997, a mesma lei sobre o parcelamento do solo. No próximo dia 8 de abril, uma terça-feira, acontece a audiência pública para a apresentação e discussão da minuta do Projeto de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo – LPUOS proposta pela Prefeitura do Recife. A audiência será no Teatro do Parque, das 14h às 17h. Qualquer pessoa interessada pode participar. 

Nas últimas semanas, a prefeitura tem feito apresentações do conteúdo da futura lei em universidades e eventos. Na noite desta quinta-feira (27), o secretário de Política Urbana e Licenciamento do Recife, Felipe Matos. fez a apresentação no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil em um evento promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU/PE), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (Crea-PE) e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-PE). 

O secretário começou mostrando números do Censo Demográfico de 2022 para apresentar a teoria da prefeitura de que o Recife perdeu mais de 48 mil moradores porque não tem imóveis acessíveis para quem não é rico, nem muito pobre. E, por conta disso, é preciso construir mais unidades habitacionais na cidade e aumentar, ainda mais, a densidade demográfica. O Recife tem, segundo o mesmo Censo, 6.803,60 habitantes por quilômetro quadrado, sendo a 12ª cidade mais densa do Brasil.

A imagem mostra um auditório com muitas pessoas sentadas, prestando atenção em uma apresentação. Na parte frontal do auditório, há um palco com uma mesa comprida onde estão seis pessoas sentadas. Uma delas está de pé, falando ao microfone, enquanto outra pessoa, ao lado, segura papéis. Atrás do palco, há três bandeiras: a do Brasil, a de Pernambuco e uma com o logotipo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Na parede, encontra-se um painel de madeira também com o logotipo da OAB Pernambuco. Sobre a mesa, há arranjos de flores brancas.

Secretário Felipe Matos apresentou a minuta da lei

Crédito: CREA-PE

A nova lei segue o Plano Diretor do Recife, aprovado em 2021. Uma das principais mudanças é a redução do lote mínimo de construção de 250 m2 para 125 m2 – seguindo a legislação federal, em vigor desde a década de 1970 –, o que aumenta bastante o potencial construtivo da cidade. A nova lei também vai abarcar os artigos da Lei dos 12 Bairros, que será revogada, deixando tudo em uma lei só.

O presidente do CAU/PE Roberto Salomão afirmou no evento que a minuta da lei apresenta um descompasso entre a intenção normativa e infraestrutura existente na cidade do Recife. “A proposta prevê aumento da densidade em certas áreas, mas nem sempre a infraestrutura urbana – transporte, saneamento, energia, etc – está preparada para isso. A implementação deve ser articulada com investimentos em infraestrutura”, afirmou, citando o bairro do Rosarinho como um mau exemplo dessa densidade sem infraestrutura. “O bairro teve um dos maiores crescimentos de população no Recife, justamente porque estava nas franjas dos bairros da Lei dos 12 bairros e sofreu toda a pressão do mercado imobiliário. Poço da Panela, Monteiro, Casa Amarela, Madalena foram outros bairros que também sofreram essa pressão”, enumerou Salomão, já após a apresentação do secretário.

A minuta da lei traz várias soluções para deixar a cidade menos sitiada entre prédios e ajudar na caminhabilidade do Recife, como a proibição de muros fechados, o aumento das calçadas a depender do tamanho da construção, a obrigação de jardinagem entre prédio e calçada. Porém, só são válidas para novas construções. Imóveis de uso misto também serão incentivados, como prédios residenciais com lojas no térreo. Como bem pontuou uma arquiteta presente no auditório da OAB-PE, Recife é uma cidade bastante consolidada, e falta na minuta soluções direcionadas às construções já existentes.

Entre outras propostas da prefeitura do Recife estão incentivos ao retrofit (reforma com mudança de uso) no centro do Recife. Um deles é que cada metro quadrado reformado nos bairros da Boa Vista, Santo Antônio, São José e Bairro do Recife para uso habitacional equivale a um metro quadrado de construção em Boa Viagem, na aquisição mediante Outorga Onerosa do Direito de Construir. Esse instrumento é usado quando, por exemplo, é preciso pagar para construir acima de certa metragem. Se a reforma no centro for para habitação social, o potencial construtivo em Boa Viagem é dobrado, passando de 1 para 2 m2

“Basicamente, significa que se você entregar mil metros quadrados de área privativa para a residência de um imóvel retrofitado na avenida Guararapes, você vai ganhar mil metros quadrados para acrescentar no seu empreendimento lá em Boa Viagem. E a gente está fazendo com que isso seja transferível.  Então, a empresa que faz o retrofit não precisa necessariamente ser a mesma empresa que vai desenvolvê-lo em Boa Viagem”, afirmou Matos. De acordo com o secretário, o sistema só valer na outorga onerosa de construções em Boa Viagem é uma conformidade ao Plano Diretor do Recife. 

Flexibilização excessiva e falta de fiscalização

Após a apresentação, o presidente do CAU/PE Roberto Salomão enumerou pontos positivos e pontos de atenção sobre a proposta de lei da Prefeitura do Recife. Nos pontos positivos, destacou a nova setorização da cidade, que traz uma abordagem territorial mais precisa (para ver a nova setorização, acesse o mapa no anexo II da minuta), ainda que seja de difícil operacionalização.

Elogiou as alterações para melhorar a sustentabilidade, como a taxa de contribuição ambiental, e a as melhorias na fruição pública, como as fachadas ativas. Também destacou que a lei fortalece as zonas especiais, que ganham maior detalhamento dos critérios urbanísticos próprios, e a busca pela requalificação de imóveis ociosos e incentivo à habitação de interesse social.

Entre as críticas, além do cuidado em relação ao incentivo à densidade, os representante do CAU e do IAB-PE consideraram a minuta excessivamente flexível para áreas preservadas. “Apesar das boas intenções em permitir transformações sustentáveis em ZEPH (Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural), a margem para interpretação pode fragilizar a preservação do patrimônio cultural caso não haja controle rígido e transparência nos critérios adotados”, disse Salomão.

A necessidade de mecanismos mais claros de monitoramento e avaliação e a falta dedefinições técnicas também chamou a atenção dos conselhos profissionais. “A minuta carece de mecanismos definidos de avaliação contínua da efetividade das normas no tempo, especialmente em relação aos impactos no adensamento, mobilidade, infraestrutura e mudanças climáticas. Muitos elementos cruciais, como critérios para classificação de imóveis especiais, ficam condicionados a regulamentações futuras. Isso pode atrasar ou limitar a efetividade da aplicação da lei”, disse o representande do CAU/PE.

Representando o Crea-PE, Tácito Quadros Maia levantou um ponto importante, que é a adequação do retrofit às exigências da Caixa Econômica para financiamento de imóveis do Minha Casa, Minha Vida. Ele também citou um instrumento urbanístico adotado em Brasília para diminuir a especulação imobiliária. “Na hora que a prefeitura divulgou que estava mudando o plano diretor, alguns terrenos já subiram 30%, 40%, 50%. Quem fica com esse dinheiro? O dono do terreno? Por quê? Então, lá em Brasília há uma lei que estabelece que quando há uma valorização imobiliária por conta de uma operação legislativa, o dono do terreno vendido paga para a prefeitura a diferença da valorização. É importante que a lei traga essa questão social”, sugeriu. 

Serviço

Audiência pública para apresentação do Projeto de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo – LPUOS

Quando: 8 de abril, das 14h às 17h.
Onde: Cine Teatro do Parque (R. do Hospício, 81 – Boa Vista, Recife – PE, 50060-080).
Transmissão online: Canal do Youtube da Secretaria de Política Urbana e Licenciamento do Recife, sem limite de participantes (https://www.youtube.com/c/TVUrbanaRecife).
Inscrição para a audiência e acesso aos documentos: https://conselhodacidade.recife.pe.gov.br

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org