Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) está investigando uma denúncia de suposto nepotismo na Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPPE). A 25ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital instaurou uma apuração em setembro deste ano, já solicitou informações e fez notificações à DPPE. Em nota, o Ministério Público de Pernambuco afirma que o procedimento encontra-se em tramitação e, por isso, não pode comentar o conteúdo da investigação.
A Marco Zero teve acesso à denúncia que gerou a investigação. São pelo menos seis parentes de defensores contratados por uma empresa terceirizada desde 2023. É uma zona cinzenta da legislação brasileira – ou seja, não há legislação específica – mas pode configurar um tipo mais velado de nepotismo, já que se trata da contratação de parentes de defensores públicos em empresas que prestam serviços à Defensoria. Não se trata também de uma denúncia de funcionários fantasmas ou altos salários: os parentes efetivamente prestam expediente na DPPE e recebem salários abaixo dos R$ 3 mil.
As informações sobre os defensores e funcionários são públicas, disponíveis no próprio site da DPPE. Há casos óbvios, como o nome Geraldo Delmas Júnior na lista de empregados da Toppus Serviços no mês de outubro. Como o nome já diz, ele é filho de Geraldo Delmas, defensor público que foi aposentado compulsoriamente ao fazer 75 anos em setembro deste ano. O filho consta como auxiliar de escritório desde, pelo menos, janeiro de 2023, na lista de terceirizados mais antiga que consta no site da DPPE.
A defensora Maria Helane Malheiros César também teve, até recentemente, uma filha na lista de contratados da terceirizada Toppus. É Michellane Malheiros C. de Siqueira, que trabalhou como assistente administrativa até pelo menos agosto deste ano. Há ainda outro filho de defensor trabalhando como auxiliar de escritório nas listas dos terceirizados. É Renato Vinícius Caribé, filho do defensor Marcos Robertson da Luz Caribé.
Já o defensor José Fabrício Silva de Lima, que já foi defensor-geral, chegou a ter dois parentes empregados: a própria esposa, Ieda Fernanda Torrões Alves de Lima, constava como secretária executiva na lista de junho. Um homem, José Felipe Torres Alves da Silva, que é identificado por outros funcionários como irmão dela – ou seja, cunhado de José Fabrício – estava na lista de outubro também como secretário executivo, mas a MZ não conseguiu confirmar esse vínculo. Outro que não conseguimos checar, mas que o parentesco é dado como certo por pessoas que trabalham na Defensoria, é o da defensora Myrta Machado Rodolfo de Farias com a terceirizada Mylca Machado, que seria sua irmã.
Todos foram contratados pela mesma empresa, a Toppus. Depois do Fundo de aposentadorias e pensões dos servidores, a empresa é a maior despesa da DPPE. Neste ano, a empresa já recebeu mais de R$ 13,2 milhões (exatos R$ 13.273.385,33) da Defensoria, a maioria por conta de contratos de mão de obra terceirizada, locação de mão de obra e diárias. A empresa tem contrato com diversos outros órgãos do Governo do Estado e também da Prefeitura do Recife.
A carreira de defensor público tem sido mais valorizada ao longo das últimas duas décadas. O salário dos profissionais com mais tempo de serviço comumente ultrapassa o teto do funcionalismo público. isso porque, além das gratificações, há acumulações de locais de trabalho (como cidades, presídios, varas…) que entram nos contracheques como “verbas indenizatórias” e são livre de impostos e descontos.
No último contracheque disponível no site da DPPE, por exemplo, o defensor Marcos Caribé teve um salário bruto de mais de R$ 62 mil. Já o defensor José Fabrício Silva de Lima recebeu em novembro um salário bruto de R$ 70.988,75 reais.
Como foi dito no início desta reportagem, a contratação de parentes por meio de empresas terceirizadas é uma área cinzenta na legislação brasileira que proíbe a prática. A Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal, que uniformiza a jurisprudência sobre nepotismo, não menciona a contratação por empresas terceirizadas.
“Ao longo da história, tivemos uma administração pública patrimonialista, com um histórico de nomeações com critérios puramente pessoais. No mundo todo houve uma luta para mudar isso. Na reforma burocrática dos anos 1930 aqui no Brasil, por exemplo, busca-se tentar quebrar esse ponto. É difícil acabar com o nepotismo porque havia uma cultura de empregar familiares e amigos ao se assumir um cargo”, explica o advogado Adiel Ferreira Júnior, consultor-chefe do AFJR Advogados Associados e membro da comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados de Pernambuco (OAB-PE).
“Surgiram várias normas do Judiciário até que veio a Súmula Vinculante 13 do Superior Tribunal Federal (STF) que estabeleceu um padrão para todo o judiciário brasileiro e a administração pública”, acrescenta o advogado, que também é professor de Direito Administrativo na Uninassau.
“Mas a tendência nesse momento é de entender que nem todas as hipóteses de nepotismo estão sendo abrangidas nesta súmula. Há uma tendência para a observação do caso concreto. O decreto federal 7.203, de 2010, fala sobre o nepotismo no âmbito federal e o artigo 6º trata especificamente sobre a questão do terceirizado, mas não é batendo o martelo”, diz o advogado.
O texto do artigo diz que “serão objetos de apuração específica nos casos em que haja indícios de influência dos agentes públicos, referidos no artigo 3º, na contratação de familiares por empresa prestadora de serviço terceirizado ou entidade que desenvolva projeto no âmbito do órgão da administração pública”. O artigo 7º do mesmo decreto recomenda que nos editais de licitação já tenha uma cláusula vedando que o familiar do agente público que está exercendo uma função direta naquele contrato possa ter um familiar seu nomeado por aquela empresa.
“Foi a solução que a Administração Pública Federal adotou. E aqueles tribunais que admitem essa forma diferente de nepotismo trazem essa visão de que você precisa analisar o caso concreto para verificar se há um dolo, se há realmente uma intenção, a total ciência de contratar parentes. E havendo esse dolo, verificar se aquela pessoa está debaixo da liderança do agente público. Esses são os pontos que os tribunais, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Tribunal de Justiça do Paraná, sempre analisam no caso concreto”, diz.
O advogado afirma que essa forma de analisar caso a caso é a mais sensata para uma administração pública tão complexa como é a do Brasil. “É necessário ter muito zelo, muito cuidado para tornar uma decisão de uma vedação expressa que seja aplicada para todas as situações. Porque, em breve, a gente iria encontrar situações onde uma norma geral para a nação inteira não poderia ser aplicada. Principalmente, por exemplo, em municípios pequenos ou em áreas de atuação mais restritas”, explica.
Alguns órgãos públicos ampliam suas próprias normas para além da Súmula Vinculante 13, como é o caso do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que tem resoluções que vedam o nepotismo e a contratação de funcionários terceirizados com parentes de membros ou servidores do MP. “Alguns órgãos vão ser mais exigentes, outras vão ser menos exigentes. Mas ainda é uma construção. Creio que, nesses últimos 20 anos, tivemos um avanço muito grande contra o nepotismo. E acredito que, havendo um nível de conscientização maior, possamos definir melhor quais são as boas práticas para os diferentes setores da administração pública”, afirmou o especialista.
A reportagem da Marco Zero entrou em contato com a assessoria de comunicação da DPPE por e-mail, telefone e mensagens de WhatsApp questionando se o órgão considera a situação das seis pessoas pessoas que trabalham ou trabalhavam em terceirizadas como nepotismo, se a resolução sobre nepotismo mais recente é a que se encontra no site (e que não veda a contratação por terceirizadas) e se houve alguma mudança no quadro de funcionários terceirizados desde que teve inicío a investigação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Apesar dos vários contatos da reportagem, não houve resposta. Como se trata de um órgão público, que deve prestar esclarecimentos à sociedade, a MZ enviou os questionamentos também por meio de uma solicitação via Lei de Acesso à informação (LAI). O espaço segue aberto para uma resposta da DPPE.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org