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Mulheres da América Latina trocam experiências sobre eleições e luta política

Maria Carolina Santos / 09/05/2022

Crédito: Arnaldo Sete/MZ.

Cinco mulheres de países da América Latina. Cinco experiências com violência política, machismo e racismo. Histórias de mulheres que juntaram suas comunidades, lutaram e lutam para serem ouvidas e fazer a diferença em seus países e territórios. Na sexta-feira passada, o evento “+ Representatividade”, do Instituto Update, recebeu cinco mulheres de quatro países da América Latina para compartilhar um pouco das experiências delas com mobilização política e representatividade com o público na Livroteca Brincante do Pina.

Para Alejandra Parra, do Instituto Update e mediadora do encontro, o panorama da América Latina é fundamental para a troca de experiências entre ativistas e possíveis candidatas. “As lutas dos povos indígenas, por exemplo, é muito maior do que as fronteiras dos países. Os povos originários da América Latina têm uma história muito antiga e há lutas iguais nos últimos anos, em vários territórios. Esse intercâmbio de experiências mostra como os povos indígenas e o povo negro podem lutar contra o atual sistema político que não os contempla e que não é feito para que esses povos sejam reconhecidos. Pelo contrário: hoje o sistema eleitoral é feito para excluir essas populações, mas em todos os países há pessoas resistindo e se organizando de forma inovadora, a partir de congressos, coletivos, plataformas, iniciativas”, falou à Marco Zero.

Conheça abaixo os caminhos que essas cinco mulheres e suas organizações apontam para uma política mais paritária e inclusiva.

  • Mijane Jiménez, Mujeres Afromexicanas en Movimiento y Aúna, Capítulo Guerrero (México)

Não é com naturalidade que Mijane Jiménez conta que sua segurança pessoal hoje é feita por pessoas ligadas ao narcotráfico. Uma série de abandonos do estado a levou para essa situação. Candidata a um cargo equivalente ao de vereadora em Guerrero, Mijane conta que recebeu ligações de WhatsApp com ameaças de morte. Sabiam onde morava e a observavam. Uma semana antes e uma semana depois das eleições ela foi proibida de sair de casa. Na província onde mora, ficou em segundo lugar nas votações. O primeiro lugar – segunda ela, um mafioso – não permitiu que ela fizesse campanha nas semanas que antecederam as eleições.

Ao denunciar o caso às autoridades mexicanas encontrou descrédito e silêncio. Teve, então, que aceitar a proteção de uma pessoa que faz parte do narcotráfico. “A violência política de gênero permanece antes, durante e depois do processo de eleições. No México, não há segurança para as mulheres que querem entrar na política devido ao contexto de machismo, racismo e misoginia e também do crime organizado que domina quase todos os territórios. No contexto rural, que é de onde eu venho, não existem mecanismos de proteção”, contou Mijane.

Uma das formas de lutar contra essa situação foi se juntar com outras mulheres. A Aúna é uma plataforma para impulsionar as candidaturas de mulheres, oferecendo acompanhamento emocional e político. É por essa iniciativa que Mijena e outras mulheres querem mudar a falta de representatividade no congresso mexicano: das 500 pessoas que compõem o congresso, há apenas uma mulher negra.

  • Jessica Cayupi, Red de Mujeres Mapuche (Chile)

Foi sobre o momento que o Chile vive, de organização de uma nova constituição, que Jessica Cayupi centrou sua fala, tendo como base a história de luta do povo Mapuche. Criada em 2012, a Red de Mujeres Mapuche nasceu com a premissa de não permitir mais que outras pessoas falassem por elas. “Houve um tempo que diziam que o Chile era um país moderno e que crescia muito. Mas aos olhos de quem? Os pobres continuavam a sofrer”, disse.

Jessica lembrou que mais de 80% da população chilena votou em 2020 para que o país tivesse uma nova constituição. “Era vergonhoso seguir vivendo com a constituição ditatorial do ditador e assassino Augusto Pinochet”, disse. Para a assembleia constituinte chilena, os movimentos se organizaram para ter representações. Resultado: uma mulher Mapuche conseguiu a primeira presidência da convenção constituinte.

No próximo dia 4 de setembro o Chile vai decidir se aprova ou não a nova constituição. Para Jessica Cayupi, os desafios dos povos originários permanecem. “Fazer e manter alianças estratégicas e organizar os movimentos continuam sendo pontos decisivos”, afirmou.

  • Amanda Hurtado, Processo de Comunidades Negras (Colômbia)

Há 14 anos atuando na política colombiana, Hurtado contou que a primeira ação do Processo de Comunidades Negras foi criar uma escola de formação política para as mulheres. “E depois começamos a incentivar as companheiras a saírem candidatas, independentemente do partidos”, afirmou. “Como disse uma ativista brasileira: tanto para a esquerda quanto para a direita, o meu corpo é negro. Então nós indicávamos as que tinham que chegar ao poder. E o que significa para uma mulher negra ocupar a política? Justiça, preparação e abertura de novos caminhos”, enumerou.

Hurtado destacou a importância de criar seus próprios meios de comunicação, como rádio, sites e jornal. “Não é para nos fecharmos entre nós, mas sim criar oportunidades para que outras companheiras não tenham as barreiras que nós tivemos”, disse. “Escutamos muito na América Latina que precisamos de paridade e de lei de cotas, que são instrumentos necessários, mas não são garantia de representação”, pontuou, defendendo as formações políticas nos territórios.

Amanda Hurtado também falou sobre o forte racismo na Colômbia e de Francia Márquez, a ativista que pode se tornar a primeira vice-presidente negra da Colômbia. As eleições acontecem no final deste mês e Francia concorre na chapa com Gustavo Petro, pela coligação Pacto Historico. Na semana passada, ela foi teve seu perfil publicado pelo The New York Times.

  • Juanita Francis Bone, Mujeres de Asfalto (Equador)

O Equador não é muito diferente do Brasil quando o assunto é compra de votos. Por lá, a organização Mujeres de Asfalto elaborou várias estratégias para que os políticos não comprem os votos e os direitos das comunidades. Uma delas é a conscientização para que ninguém venda seu voto. Outra, é a fiscalização no dia da eleição, com denúncias contra quem tentar comprar voto. Outra estratégia é mais heterodoxa. “Deixar que os eleitores recebam dinheiro para votar em um candidato, mas convencê-los a votar em outras pessoas, comprometidas com o território”, explicou Juanita Francis Bone.

Ela contou que a população negra no Equador é de quase 8% do total, mas há apenas dois representantes negros no congresso, um homem uma mulher. “É um sistema pensado para legitimar o poder dos brancos”, critica. Juanita defendeu uma política que seja representativa e inteiramente ligada às comunidades. “Não podemos ser políticos sem o sentimento de pertencimento”, afirmou.

  • Wilma Esquivel Pat, Congreso Nacional Indígena (México)

A trajetória da candidatura da porta-voz do Conselho Nacional Indígena, Marichuy, foi contada por Wilma Pat, que integra o Congresso Nacional Indígena, uma organização independente, à margem da institucionalidade mexicana. Quando Marichuy foi sair candidata à presidência do México houve certo ceticismo, já que o Conselho Nacional Indígena não busca participar de eleições. Mas Wilma conta que foi importante para dar visibilidade aos indígenas mexicanos, que representam 10% da população.

Com o apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), Marichuy iniciou em 2017 uma viagem pelo México para colher as mais de 800 mil assinaturas que seriam necessárias para validar a candidatura dela. “Passou por vários povoados em que não havia internet e era difícil validar as assinaturas pelo aplicativo do Instituto Eleitoral”, afirmou Wilma.

Mais do que uma busca por assinaturas, a viagem se tornou um palco para o debate dos direitos das mulheres e dos indígenas na sociedade mexicana. Ao final, Marichuy não conseguiu as assinaturas necessárias para sair candidata. “Mas quase todas as assinaturas que conseguimos foram validadas, o que não aconteceu com os candidatos de partidos tradicionais, que tiveram várias denúncias de fraudes”, contou Wilma.

As imagens desta reportagem foram produzidas com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com