Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Nova Russas (CE) – As mulheres da comunidade de Irapuá se animaram quando viram que o algodão orgânico produzido pelos seus primos, maridos e irmãos estava indo bem. Um grupo delas decidiu então se juntar: conseguiram com um primo um pedaço de terra para plantar o algodão. Dividiram as tarefas e os dias em que cada uma iria cuidar da roça. Oito mulheres de várias idades participaram daquela empreitada.
“Em 2018 uma colega nossa foi em uma formação e viu que em outras localidades as mulheres já plantavam e vendiam algodão, e aqui não. Passamos mais de um ano amadurecendo a ideia. Até que o Esplar (organização não-governamental de assistência técnica e pesquisa) nos incentivou”, lembra Vanusa Carvalho, conversando no terraço da casa onde mora.
A plantação começou em março, quando o indicado é fazer o plantio em janeiro, nas primeiras chuvas. “A vontade de experimentar era tão grande que a gente embarcou”, conta Vanusa. Não colheram nem um quilo de algodão naquele ano.
Mas no ano seguinte fizeram como se deve: plantaram na época certa. Colheram menos de quatro quilos. “Se eu não estiver enganada, a venda do algodão rendeu R$ 3 para cada uma das oito mulheres”, ri Vanusa. “A gente brincava que só dava para comprar uma agulha”.
Em 2020, decidiram que iriam plantar em uma área maior. Conseguiram um terreno que era distante das casas, tanto que elas tinham que atravessar um riacho para chegar até lá. Ainda assim, não desistiram. “A gente tinha a curiosidade e o desafio de plantar algodão. E a vontade de ganhar uma renda extra”, completa Maria da Paz do Carmo, também moradora de Irapuá.
Era complicado chegar no roçado e, como a área era grande, ficava ainda mais difícil fazer a limpeza do terreno e o plantio correto. Mais uma vez, a colheita foi mínima.
Até que as mulheres de Irapuá perceberam que nem sempre a união faz a força. Era melhor cada uma plantar no seu quintal. “O que ficou coletivo foram as reuniões, quando a gente faz os defensivos orgânicos e compartilha nossas experiências”, conta Vanusa. A separação deu muito certo: no ano passado Vanusa, sozinha, colheu 75 quilos de algodão em rama e espera colher 100 quilos na safra de 2024.
Plantando no quintal das suas casas, as mulheres ganham tempo, já que não precisam se deslocar, e ficam mais próximas das plantações, podendo fazer os cuidados necessários sempre que têm um tempinho. Como o plantio em Irapuá é baseado na agroecologia, não é só algodão que é plantado no terreno: tem feijão, jerimum, melancia, milho…
Junto do plantio do algodão, que é para fazer uma renda extra, as mulheres de Irapuá montaram um grupo com as interessadas em agricultura e se deram o nome de Abelhas Lutadoras do Sertão. Esse grupo aderiu ao sistema dos quintais produtivos, o que garante uma enorme diversidade de alimentos e colheita o ano todo.
Com a implantação do projeto, as mulheres aprenderam a reaproveitar quase toda a água que usam em casa, aprenderam a adubar a terra, a fazer compostagem e a cultivar. E a lutar pelos seus direitos dentro e fora de casa. “A gente teve assistência durante uns 12 anos do Esplar, em um projeto que se chamava Educação para a Liberdade. A gente aprendeu negócio de gênero, né? Os direitos das mulheres. Participamos de várias formações. E aí nos deu mais autonomia, mais liberdade”, diz Vanusa.
Para Maria da Paz do Carmo, as mulheres de Irapuá ficaram mais livres. “ Antigamente eu tinha medo de sair de casa e não deixar tudo arrumadinho. Parecia que o marido não tinha mão. Agora não. Se eu quiser ir pra onde eu for, eu vou. Eu vou pras feiras, eu já fui em Fortaleza várias vezes pelo projeto. E ele não diz nada. Ele chega e vai fazer as coisas da casa feliz da vida”, conta.
O dinheirinho que ganham com o algodão ajudou nessa autonomia. “Antes a mulher não trabalhava. A mulher ajudava. E depois disso que a gente conseguiu plantar o algodão, o dinheiro que a gente ganha com algodão é nosso. Antes a gente ia como ajudante do marido, né? E hoje não. Eles que são o nosso ajudante. E o que a gente planta e colhe é da gente. A gente pode vender, pode dar, pode comer…”, comemora Vanusa.
Em casas e sítios do interior é bem comum plantar ervas, árvores frutíferas, hortaliças e legumes nos quintas. Mas nem sempre esse plantio é feito da forma mais efetiva. Os projetos que trabalham com quintais produtivos de base agroecológica atuam junto com as famílias para deixar esses quintais mais úteis, com o reúso da água das casas, o aproveitamento de adubos naturais e a diversificação das plantações, o que garante alimento para as famílias ao longo do ano todo.
Diversas ONGs e órgãos dos governos ajudam as famílias a implementar os quintais produtivos. Em agosto de 2023, a 7ª edição da Marcha das Margaridas reivindicou ao Governo Federal a criação de um programa de quintais produtivos para as mulheres rurais. O pedido foi atendido ainda no ano passado, com a criação de um programa a nível federal. A meta do governo é que, até 2026, haja 90 mil quintais produtivos em todo o Brasil.
Antônia Jacinta (foto no alto), que também faz parte da associação de crochê, não planta algodão. Mas faz parte do grupo de agricultoras da comunidade e cultiva mais de uma dúzia de diferentes plantas no seu quintal. Ela também não acreditava que era possível ter tantas variedades ali, no sertão do Crateús. Mas hoje o quintal da casa dela – que voltou do Rio de Janeiro para Irapuá quando se aposentou – é como um pomar.
“A assistência técnica é tudo para o agricultor, a agricultora. Eu aprendi a fazer adubo, aprendi a fazer defensivo natural para evitar lagartas, ou qualquer praga que dá nas plantas. A reaproveitar a água. Principalmente, aprendi a cultivar, que eu não sabia. A preparar a terra. Hoje eu tenho acerola, limão, goiaba, mamão, urucum, banana. Tenho minhas plantas medicinais: erva cidreira, alfavaca, capim santo, hortelã. Tem babosa, tomate, boldo, cebolinha, coentro. Tudo isso em quatro anos”, conta Jacinta.
Durante muitos anos Maria da Paz do Carmo também morou no Rio de Janeiro, onde trabalhava como faxineira. Quando voltou para Irapuá, achava que nada poderia brotar no quintal da casa dela. Era muito pequeno, não chegava nem a meio hectare, e era cheio de pedras. “Quanto mais eu varria, mais as pedras apareciam, mais ficava difícil. Quando eu comecei a participar das reuniões do grupo, eu entendi que aquelas folhas que caíam eram adubo. As cascas de legumes também não eram lixo, eram adubo. O pó do café, a cinza, o carvão. Eu pego tudo isso, misturo com o esterco, que eu pego do gado, e vou misturando”, diz.
A agroecologia foi uma mudança que veio de fora para dentro para as mulheres de Irapuá. “Se eu soubesse, eu tinha voltado antes do Rio de Janeiro. Hoje eu sou agricultora. Hoje eu me sinto, assim, importante. Porque antigamente era só eu. Não era nada. Hoje eu posso dizer que aprendi muitas coisas”, afirma, feliz, Maria da Paz do Carmo.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org