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Agremiações e moradores do Sítio Histórico de Olinda se reúnem para avaliar o Carnaval 2020
O que o tombo de Paul McCartney tem a ver com a manutenção da tradição do Carnaval de Olinda? Calma, não é uma pergunta sob os efeitos da embriaguez do Carnaval. A ressaca passou, mas a memória ficou. Se você brincou a folia este ano nas ladeiras do Sítio Histórico, percebeu facilmente a dificuldade de circulação de agremiações e bonecos gigantes. O do integrante dos Beatles tombou em meio à multidão próximo à sede da prefeitura.
A cada ano, mais gente vai curtir a Festa de Momo na cidade. Foram 3,6 milhões de foliões neste ano, segundo a prefeitura. Mas a tradição tem precisado disputar cada vez mais espaço com paredões de som – com direito até a gelo seco -, veículos e desorganização do comércio informal (cujo ordenamento é de responsabilidade do poder público, que fique aqui negritado).
O som mecânico em Olinda é proibido por lei justamente para não prejudicar a evolução de orquestras de frevo e a passagem dos blocos e também por questão de conservação do patrimônio. Isso sem falar de outros pontos como falta de iluminação, sujeira, truculência policial e camarotização. Neste ano, a Prefeitura de Olinda não repassou informações sobre as casas camarote e prejudicou a fiscalização antes da festa.
Em 2020, a situação chegou ao extremo e foi um dos destaques da reunião de avaliação do Carnaval realizada pela sociedade civil para pensar estratégias para os próximos anos. O encontro aconteceu na sede da Sociedade Beneficente de Artistas e Operarios de Olinda (Sbaoo), utilizado pela Sociedade Olindense de Defesa da Cidade Alta (Sodeca).
Do jeito que está, avaliam, não vai dar para continuar. O argumento do grupo é que o patrimônio imaterial e material do século XVI não aguenta.
O encontro da última quarta-feira (4) à noite contou com representantes de agremiações importantes, moradoras e moradores da Cidade Alta. A Pitombeira, que é dos Quatro Cantos, hoje em dia mal consegue passar pelo cruzamento mais tradicional das ladeiras.
“Quando chega a sexta de Carnaval, a prefeitura some das ruas. Na segunda, procuramos, mas não tinha ninguém no desfile. As troças vão se acabar se a Prefeitura de Olinda não der suporte”, reclamou Aprígio Trajano, vice-presidente da troça, fundada em 1947 e uma referência do Carnaval de rua de Olinda.
Na Rua do Bonfim, outra passarela natural da folia, foi difícil circular. Segundo os depoimentos, a iluminação estava ruim e a impressão que deu é que não houve ordenamento para organizar os ambulantes, que, apesar de pagarem uma taxa, precisam se virar como podem.
Famílias inteiras acampam nas ruas durante toda a festa, em meio à sujeira e ao mau cheiro. De dia, o retrato do Carnaval de Olinda brilha. À noite, a realidade pesa. É um lado B da folia que o folião não vê.
“Nossas agremiações tradicionais estão sendo expulsas, precisando encontrar rotas fora do Sítio Histórico para conseguir desfilar”, provocou Juliana Serretti, do Elefante de Olinda, fundado em 1952 e que assina o hino extraoficial de Olinda. Foi ela quem abriu as falas elencando a série de reclamações que listamos no começo da matéria.
Juliana também sugeriu que é necessário educar o folião sobre a dinâmica específica do Carnaval de Olinda, informando, por exemplo, o que pode, o que não pode e a importância de respeitar o patrimônio.
O Eu Acho É Pouco, que arrasta uma multidão no Sábado de Zé Pereira e na Terça Gorda, parou de divulgar local e horário da concentração por conta dos problemas de circulação. “Este ano foi o pior”, desabafou Maria Chaves.
Ela disse que ofertas e convites não faltam para o EAP desfilar em outros lugares. Mas o grupo quer manter a tradição, não quer sair de Olinda. “Nunca vi nada igual à quantidade de carros circulando pelo Sítio Histórico neste Carnaval”, comentou.
“Fico triste porque estamos voltando 25 anos no tempo. Eu não sei por que a lei não sai da gaveta e vai para a rua. Voltou a esculhambação na cidade. Duvido que o trade turístico esteja satisfeito, isso não é modelo de festa. O controle urbano liberou geral. Quem quer investir numa bagunça dessas?”, alfinetou Sílvio Botelho, artista plástico e criador dos bonecos gigantes.
Geraldo Lima Jr., do Minha Cobra, bloco da torcida do Santa Cruz, relatou que às 10h da segunda havia um caminhão de cerveja entre o Largo do Amparo e o Bonsucesso. “Ouvimos relatos de som mecânico que quebrou e foi ser consertado no meio da rua. Depois parou em frente à prefeitura para tocar a pedido da uma emissora de TV”, contou.
“O frevo madruga lá em São José. Depois em Olinda na praça do Jacaré”. Plínio Victor, do bloco da Ema, lembrou a música de J.Michiles para dizer que antigamente as agremiações desfilavam nas avenidas largas debaixo, na Sigismundo Gonçalves, da Praça do Jacaré, no Varadouro, até a Praça 12, no início do Bairro Novo.
Era lá também que os comerciantes informais colocavam suas vendas. “Depois que abriram para a circulação de trânsito, tudo isso se aglomerou na parte de cima do Sítio Histórico”, rememorou para mostrar o aperto.
O pessoal que se reuniu ainda está tentando chegar a um consenso sobre alguns pontos debatidos, sobretudo a questão do som mecânico. Isso porque algumas agremiações usam aparelhos para amplificar as vozes, com volumes não tão potentes quanto os paredões.
A respeito do comércio informal, a sugestão é rever a locação dos conjuntos de tabuleiros e também exigir melhor controle sobre sua implantação, pois há indícios de venda de pontos além da capacidade do Sítio Histórico e também da venda ilegal do locais para permissão de utilização. Outra ideia é evitar barracas e tabuleiros nas esquinas e proibir implantação em frente a portas e janelas das casas.
Alguns participantes sugeriram estudar a implantação de um cinturão de comércio de alimento na parte baixa, entre a Rua do Sol e o Varadouro, semelhante ao implantado no Carnaval do Recife, até para evitar que pessoas sofram acidentes com brazeiros e fogões no meio da multidão.
Um mapa com pontos críticos em relação ao comércio baseados nos registros fotográficos dos moradores deve ser elaborado. O Conselho de Preservação também irá se encontrar, no dia dia 13 de março.
O grupo irá finalizar um relatório sobre o Carnaval e encaminhar à prefeitura, à Câmara Municipal e ao Ministério Público. Também irá pedir uma audiência pública para tratar do Carnaval e das prévias, a pedido dos moradores.
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A Marco Zero Conteúdo entrou em contato com o secretário de Patrimônio, Cultura, Turismo e Desenvolvimento Econômico de Olinda, João Luiz, para saber qual a avaliação dele em relação às críticas e quais os planos para o próximo Carnaval. O gestor, no entanto, disse que “não tinha muito o que falar” por não ter recebido qualquer documento oficial das agremiações com as reclamações.
“Se era para avaliar o Carnaval, seria importante que a prefeitura tivesse sido chamada para prestar esclarecimento. Mas, quando a sociedade que se diz defensora da Cidade Alta não se propõe a chamar o poder público, não tenho o que falar sobre o assunto”, argumentou.
Alguns dos moradores e representantes das agremiações presentes na reunião da Sodeca criticaram o fato de a Prefeitura de Olinda não ter sido convidada. Acharam que seria importante a presença do poder municipal para ouvir e avançar no debate.
Segundo João Luiz, que polemizou sobre a reunião ter servido de palanque contra o prefeito Professor Lupércio (SD), cotado para a reeleição, a avaliação do Executivo municipal é outra, completamente diferente, e foi apresentada durante coletiva de imprensa.
Segundo os dados divulgados, a cidade recebeu 3,6 milhões de foliões durante os quatro dias de Carnaval, quando 400 orquestras circularam, e movimentou R$ 295 milhões com a hotelaria tendo chegado a 98% de ocupação. Ao todo, 100 mil empregos foram gerados e 120 toneladas de lixo foram recolhidas. A aprovação do público foi de de 92%, de acordo com pesquisa realizada pela prefeitura.
Atualizado às 16h54
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com