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Pandemia em transição: quatro pontos para avançar no combate à covid-19

Maria Carolina Santos / 03/05/2022

Crédito:Michel Corvello/Wikimedia commons

Apesar das festas, shows e ruas lotadas, não é de um dia para o outro, nem com um decreto, que a pandemia da covid-19 vai acabar. Com indicadores em queda ou estabilizados em patamares baixos na maioria dos estados brasileiros, a pandemia está em um momento de transição. Mas para onde?

Ainda que não dê para descartar o hipotético surgimento de uma nova variante de preocupação que escape da imunidade das vacinas, a maioria dos pesquisadores tende a acreditar em uma transição para uma convivência mais previsível com o Sars-Cov-2. Se antes isolamento, quarentena e distanciamento social eram palavras-chave para lidar com a covid-19, agora outras preocupações despontam.

Como lidar com a covid longa e as sequelas da covid-19? Como as vacinas contra a doença vão se incorporar ao calendário vacinal? Como as cidades e estados podem se preparar para possíveis novas ondas ou até novas pandemias?

Foi para debater e apresentar esses questionamentos que Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) preparou três seminários virtuais no mês passado e durante neste mês. Abaixo, os principais tópicos para entender o momento atual da pandemia e o que pode e deve ser feito para uma transição para um convívio seguro com o Sars-Cov-2.

Planejamento para as próximas fases

Carlos Machado Freitas. Credito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Brasil é um dos países mais atingidos pela covid-19. Mais de 6 milhões de pessoas morreram no mundo todo e o Brasil é responsável por aproximadamente 10,7% desses óbitos, mesmo com apenas 2,7% da população mundial. Erros não faltaram na condução da emergência, mas a falta de uma coordenação nacional, de protocolos e de planejamento estão entre os principais apontados pelos especialistas.

Para essa atual fase, de provável esmorecimento, planejamento segue sendo uma necessidade. “A pandemia ainda não acabou e os riscos permanecem. As transições devem ser acompanhadas de planejamento para as fases seguintes, proporcionando uma passagem segura para as próximas realidades”, afirmou o coordenador do Observatório covid-19 da Fiocruz, Carlos Machado Freitas, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (ENSP/Fiocruz).

“Uma transição segura para o fim da pandemia não pode deixar de lado um plano de ações, o fortalecimento do SUS e instâncias participativas, mas também a ampliação de investimentos na indústria da saúde e na capacidade de produção de vacinas”, completou.

Para o pesquisador Daniel Vilela, do Observatório Covid-19, estamos em transição graças às vacinas. “Mas carecemos de campanhas. A transição é uma fase de convivência com o vírus. As pesquisas colocam que temos uma imunidade híbrida, de vacinação e de contato com o vírus. Mas ainda não sabemos a duração dessa imunidade”, pondera.

Avançar na vacinação

O Brasil tem uma cobertura baixa para a terceira dose: apenas 52% da população elegível. A vacinação das crianças de 5 a 11 anos também está abaixo do necessário, com apenas 54% dessa faixa etária vacinada com a primeira dose. Com a segunda, é ainda pior: somente 21%. Avançar na vacinação é essencial para que a pandemia continue em queda. “É importante avaliar a cobertura analisando as doses de reforço”, disse Daniel Vilela. Pessoas com comorbidades também precisam da segunda dose de reforço, assim como idosos acima dos 60 anos.

Mesmo com as doses em dia, o uso das máscaras ainda não deve ser abandonado em algumas situações. Isso porque as vacinas que existem hoje protegem contra o agravamento e morte, mas não tanto contra a infecção em si. E mesmo pessoas vacinadas podem desenvolver covid longa e sequelas. “A máscara deve permanecer principalmente em lugares fechados e com aglomeração, como é o caso de transporte público. E também diante de qualquer sinal de recrudescimento de casos”, alertou Vilela.

O pesquisador Eduardo Hage, da Fiocruz Brasília, ressaltou que a maioria dos países africanos não chegou ainda nem na metade da população com o esquema inicial de duas doses. “Com doses de reforço, então, é muito baixo. Isso traz muitos desafios para o fim da emergência mundial do Sars-cov-2”, afirmou. A meta de vacinação da Organização Mundial de Saúde é de pelo menos 70% de toda a população mundial com 2 doses. “É um direcionamento que está sendo atualizado para incluir a dose de reforço”, ressaltou Hage.

Além do avanço da vacinação, é preciso também o desenvolvimento de novas vacinas. Principalmente de vacinas pan-sarbecovírus, ou seja, capazes de cobrir todas as variantes do Sars-cov-2. “A ideia seria de se adiantar a uma nova variante, ao invés de estar sempre correndo atrás”, explicou Vilela.

Fazer uma vigilância robusta

Para a epidemiologista Ethel Leonor Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a dificuldade maior para saber quando será declarada o fim da pandemia está no fato de ser um vírus novo, e não se ter parâmetros para estabelecer o que seria um patamar de endemia para o Sars-Cov-2. “Não há um consenso internacional ainda em torno desses números. O que vamos considerar aceitável em número de casos de covid-19? E de óbitos? Comparado com o quê? Ainda não temos esse consenso, está sendo construído”, afirmou.

Ethel Leonor Maciel. Crédito: Acervo pessoal

Na apresentação, Ethel criticou o desmantelamento da vigilância epidemiológica e a prioridade dada à abertura de leitos de alta complexidade durante a pandemia, uma estratégia muito mais custosa. “Esse foi o grande investimento feito no Brasil. Que vai em oposição ao que a OMS pregou desde o início, que era teste precoce, isolamento, rastreamento dos contatos. Até hoje não temos um protocolo de testagem”, afirmou. Outro erro foi a falta de estratégia para a educação. “A educação foi a última a voltar, não houve planejamento do Ministério da Educação”, completou a epidemiologista.

Para Eduardo Hage, é necessário uma vigilância genômica que vá além dos testes laboratoriais. “Tem que ser integrada com a vigilância epidemiológica e com a rede de atenção à saúde”, disse. Investigações epidemiológicas sobre a interface homem-animal, para identificar potenciais reservatórios e hospedeiros do Sar-Cov-2 também são importantes nessa fase de transição da pandemia, destacou.

Investimento constante

Antes da covid-19, outra doença que atingiu fortemente o Brasil e também recebeu um alerta de emergência da OMS foi a zika. Passado o auge da pandemia, virou uma doença negligenciada. “Não podemos ter um status de doença negligenciada para a covid-19 porque isso pode impactar populações menos assistidas”, comentou Vilela.

Ethel Maciel defendeu que serviços e programas sejam criados no Sistema Único de Saúde (SUS) para o atendimento de pessoas com síndrome pós-covid e covid longa. “Crianças com sequelas do zika vírus não têm acompanhamento porque não foram criados serviços específicos para esse atendimento. A emergência da zika foi revogada e essas crianças ficaram desassistidas. Então precisamos de uma política que incorpore serviços de atendimento para as sequelas da covid-90”, afirmou.

Carlos Freitas ressaltou que a covid-19 longa e as sequelas da doença tendem a pressionar SUS nos próximos anos. Há também as consultas, exames, procedimentos e cirurgias que foram adiados durante a pandemia. “Deixaram um passivo imenso para o SUS, que necessitará certamente de mais investimentos nos próximos meses e anos. E tudo isso inclui a necessidade de decisões baseadas em dados e indicadores”, afirmou.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, destacou na abertura do seminário que nada da resposta à pandemia ocorreu sem um histórico, sem investimentos anteriores. “Isso se aplica também na vacina totalmente nacionalizada na Fiocruz (a desenvolvida pela AstraZeneca e Oxford)”, afirmou. “Temos a ilusão de que a resposta é rápida. E a resposta precisa ser rápida, mas ela não vem do nada, vem de uma base”, concluiu.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com