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Para entender 77% dos votos do Piauí em Lula

Marco Zero Conteúdo / 01/11/2022
Em primeiro plano, mais à esquerda da imagem, cisterna de placas de cimento (construção em forma de pequena pirâmide ligeiramente acima do solo), ao lado de casa de taipa, com bananeiras e outras árvores de médio porte ao fundo.

Crédito: Ana Lira/ASA Brasil

por Sabrina Lorenzi, da Agência Nossa

A empreendedora Maria do Carmo soube aproveitar bem mais que os R$ 90 que recebia do Bolsa Família em 2006, na comunidade quilombola Tanque de Cima, em Acauã, no sul do Piauí. Fez um dos cursos que integravam o pacote de ações do programa e aprimorou ensinamentos que herdou da família: a manipulação de medicamentos a partir de plantas medicinais da região. Passou a fornecer, em uma região isolada, sem farmácia, remédios para alergias, anemia e doenças renais.

Outras 15 mulheres de Acauã costuravam na oficina de artesanato; seis faziam doces e salgados e três fabricavam produtos de higiene – tudo no âmbito do Bolsa Família, que também promovia capacitação para geração de renda.

Era dia de festa quando as conheci. A ideia era contar os efeitos dos primeiros anos do Bolsa Família naquela que era a cidade com a maior cobertura no Brasil. Quase 90% da população de Acauã recebia o benefício segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social.

Cheguei de surpresa na cidade. E foi justamente no dia em que se comemorava o avanço da luz elétrica, com a chegada dos eletrodomésticos tão aguardados. Crianças saudáveis, mães sorridentes, todo mundo arrumado para a festa. A alegria da primeira geladeira, nunca vou esquecer.

Instalada em um uma hospedaria muito simples na cidade vizinha, passei noites no escuro em meio às quedas frequentes de energia. Naquela região de solo rachado que até a década anterior produzia algodão. Segundo relatos, uma praga interrompeu a principal atividade econômica. A chegada de programas sociais antecedidos pelo Fome Zero devolveu o vigor e a comida no prato.

Acabei esbarrando em outro programa social para o qual eu tinha contribuído antes de se tornar uma super política pública. Dezenas de cisternas do centro da Acauã até Tanque de Cima, num percurso de 40 minutos de carro.

Presenciei cenas bem parecidas em cada casa onde parei. No alto das paredes, sobre prateleiras, grãos armazenados em garrafas pet. Agricultores de subsistência que conseguem plantar graças à água armazenada pelas cisternas. Todas as famílias guardavam alimentos, em quantidade suficiente para alguns meses de consumo.

A adoção de políticas públicas massivas na Acauã tão castigada pela seca, pela decadência econômica, pela fome, é uma amostra do que aconteceu no estado nos idos dos anos 2000. Não à toa 76,8% da população do Piauí votou em Lula para presidente em 2022, o maior percentual entre os estados brasileiros.

Foi no Piauí que a pobreza despencou, de cerca de 67% para 29% em dez anos de governo petista.

Já Bolsonaro teve apenas 23,1% dos votos no estado. Ele acabou com o Bolsa Família no ano passado, substituindo-o pelo Auxílio Brasil, que, segundo especialistas, não se trata de programa social, mas um benefício financeiro com data para terminar. Porque não há contrapartidas nem ações de geração de renda, tampouco previsão orçamentária para sua continuidade.

É também no governo Bolsonaro que o programa das cisternas tem sido gradativamente eliminado. Em 2003, quando o governo Lula assumiu o programa, foram entregues 6,5 mil cisternas, número que foi aumentando a cada ano até atingir a marca de 130 mil unidades, em 2014. No ano passado, foram construídas apenas 4,3 mil.

Lula recebeu 4.694 votos em Acauã, o equivalente a 89,77% do total da cidade no segundo turno das eleições. Jair Bolsonaro (PL) teve 10,23% dos eleitores e recebeu 535 votos.

No Nordeste, Lula teve 69,3%, ante 30,6% de Bolsonaro.

O candidato petista foi eleito com 50,9% dos votos em âmbito nacional.

O Nordeste que definiu as eleições viu a mortalidade infantil recuar a mais da metade, o saneamento passar de 39% para 51% das residências e a luz saltar de uma cobertura de 75% para 98%, ficando acima da média nacional.

Presenciei uma revolução social na comunidade quilombola do sul do Piauí. Anos mais tarde, repeti a dose no Maranhão, quando solicitei mais uma vez ao governo federal os dados que me levaram à cidade número um do Bolsa Família. E lá fui eu percorrer milhares de quilômetros para reportar as transformações sociais de Junco do Maranhão.

O Maranhão foi o terceiro estado com o maior percentual de eleitores em Lula, com mais de 71%, atrás do Piauí e da Bahia.

A desnutrição, que afetava 25% das crianças menores de 2 anos antes do Bolsa Família chegar na cidade, foi quase eliminada ao longo do governo lulista.

Conheci nesta outra grande reportagem que realizei em campo no interior do Brasil a agricultora Francidalva Ferreira da Rocha, então com 24 anos. Ela quebrou a tradição forçada da família ao aprender a ler e a escrever. Mas não avançou no ensino fundamental porque ajudava os pais na lavoura.

Foi assim também com a maioria dos irmãos. Os mais velhos sequer pisaram na escola. Já as irmãs adolescentes, que foram contempladas pelo Bolsa Família ainda crianças, fazem parte de uma nova geração – que trocou a enxada por livros e cadernos no interior do Maranhão.

Junco do Maranhão deu a Lula 80% dos seus votos.

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