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Pesquisa aponta as necessidades dos terreiros de jurema no Recife

Resultados do estudo foram apresentados em audiência pública na Câmara Municipal

Maria Carolina Santos / 27/03/2024

Tradição afroindígena, o culto da jurema ainda é pouco mapeado em Pernambuco. Uma pesquisa encomendada pelo gabinete do vereador do Recife Ivan Moraes (PSOL) visitou oito terreiros de jurema em todas as seis Regiões Político Administrativa (RPAs) da capital e revelou que faltam políticas públicas que atendam às populações de terreiro na capital. A pesquisa foi apresentada na terça-feira (26) em uma audiência pública na Câmara de Vereadores do Recife.

O levantamento dos terreiros de jurema foi realizado com o objetivo de aumentar a visibilidade e a importância desses espaços, para orientar a implementação de políticas públicas. “Não tem como cobrar política pública sem dados. E a falta de dados não é um acidente. É um projeto. Um projeto político de negligência. Se não conseguimos mapear minimamente os temas que envolvam povos e comunidades tradicionais, como os povos de terreiro, não conseguimos ver as demandas que esses povos necessitam. No último mapeamento realizado, o maior contingente de povos de terreiro no Recife eram os povos de jurema”, diz Henrique Falcão, um dos pesquisadores do estudo, ao lado de Ariana Nuala e Karla Fagundes.

O levantamento a que ele se refere é o Mapeando o axé, feito ainda em 2010, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Foi a maior pesquisa sobre os terreiros com recorte nos municípios e aconteceu em quatro cidades do Brasil, sendo Recife a única no Nordeste. Na época, foram identificados 1.216 terreiros na capital pernambucana, de várias identificações afroindígenas.

“Nesta nossa pesquisa, mudamos a perspectiva. Porque ao invés da gente fazer o mapeamento pelas casas de candomblé, demos prioridade às casas que cultuam a jurema. E é uma forma também de valorizar a Jurema e conhecer como é que está a situação da jurema hoje”, diz Falcão. É comum que haja um hibridismo nos terreiros com o mesmo local – ou o mesmo grupo religioso – cultuando tanto os orixás quanto os caboclos.

A RPA2, onde fica o bairro de Água Fria, historicamente se destaca com mais terreiros de jurema e, por isso, teve duas casas visitadas na pesquisa. Em 2017, o geógrafo Bruno Maia Halley identificou a presença de 35 terreiros na região, que já foi chamada de “Catimbolândia” ou “cidade dos catimbozeiros”. Utilizado de forma pejorativa, o termo Catimbó foi sendo substituído por Jurema a partir dos anos 1980.

Foto colorida de Karla Fagundes e Henrique Falcão em uma mesa com placas com seus nomes à frente. À esquerda, Karla está vestida com uma blusa amarela e tem um lenço colorido na cabeça. À direita, Henrique veste uma camisa vermelha e tem contas ao redor do pescoço. Há um copo descartável branco visível na mesa em frente à pessoa à direita. O fundo da imagem é indistinto, mas parece ser o interior de um edifício, durante evento.

Karla Fagundes e Henrique Falcão realizaram a pesquisa

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

A pesquisa ouviu principalmente as lideranças dos terreiros aplicando um questionário com 34 questões e também fazendo escutas e mapas conjuntos das casas. Os questionários revelaram a precaridade estrutural de muitos terreiros, localizados nas periferias da capital.

“É uma questão estrutural, de racismo ambiental também. Houve esse deslocamento da população que morava no centro da cidade, nos mocambos, para áreas como Afogados e bairros da zona norte, como Água Fria. Isso também vai ter reflexos em uma relação estrutural na questão de acessos. Vimos que boa parte da periferia da zona norte tem pouco acesso à água. Ou quando tem, falta bastante. A questão da coleta de lixo também é outro ponto crítico”, diz a pesquisadora Karla Fagundes.

O racismo religioso, apesar de presente em alguns terreiros, não foi algo majoritariamente relatado nos oito terreiros visitados. “As casas têm uma importância muito grande para a comunidade. É uma relação em que elas operam não só no campo da espiritualidade, da religião, mas no campo comunitário, pensando em educação, pensando em saúde, pensando em questões políticas. Nas comunidades, os terreiros têm uma importância que pessoas que são de outras religiões também conseguem reconhecer” diz Ariana Nuala, também pesquisadora do estudo.

“Mas é claro que entendemos que isso não é uma totalidade. Outros terreiros têm problemas. Por exemplo, terreiros que ficam em Boa Viagem, terreiros que ficam em outros lugares onde a maior parte da população não é uma população negra, nem indígena. Nesse sentido, e aí acaba tendo uma relação de classe também muito forte, há um estigma ligado a um processo também de elite que faz com que esses terreiros não sejam tão bem recebidos dentro do próprio território”, completa a pesquisadora.

Entre os encaminhamentos da audiência pública, que contou com a presença de representantes de três secretarias da prefeitura do Recife, foi recomendada a conscientização de agentes de saúde e de endemias para atender sempre aos terreiros, já que houve relatos de preconceito religioso. Também foi destacada a necessidade de orientação para que os terreiros aproveitem a imunidade tributária garantida por lei a templos religiosos.

O estudo traz nove recomendações. Além das citadas acima, a necessidade de um amplo mapeamento dos tempos de religião afroindígenas na cidade do Recife, a geração de oportunidades, empregos e a inclusão dos sábios e sábias do povo de santo no sistema educativo, entre outras recomendações.

O que é a jurema

A jurema tem como um marcador de sua identidade o uso de uma bebida – chamada também de jurema, jurema sagrada ou vinho de jurema – que leva ervas e a casca ou outras partes da árvore. A receita da bebida pode variar de terreiro para terreiro e é mantida em segredo.

O uso dos cachimbos e da fumaça também é um ritual inerente à jurema. E uma forma de se entrar em contato com a ancestralidade e a cosmologia da religião. “A fumaça é um dos oráculos da Jurema e o principal meio de limpeza espiritual e comunicação, não à toa que o culto também é chamado de Catimbó, referente a kaati’mbó, fumaça de mato; o maracá como instrumento de compasso e invocação dos espíritos nas reuniões, sendo o único instrumento presente em todas as modalidades de Jurema; as danças circulares como ato de comunhão e força, como o toré e as giras nos terreiros; por fim, a oralidade das narrativas e cânticos como instrumento de salvaguarda, pedagogia e manutenção da memória dos mais velhos e dos encantados; esse complexo compreende o sistema religioso catimbozeiro”, diz trecho da pesquisa.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com