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PM e tráfico impõem dupla lei do silêncio a moradores e comerciantes de Porto de Galinhas

Giovanna Carneiro / 05/04/2022

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Eram 9h30 da manhã quando chegamos a Porto de Galinhas. Na entrada da cidade, três rapazes negros com trajes de praia tinham deixado as bicicletas de lado e estavam sendo revistados pela polícia. O primeiro de muitos baculejos que vimos acontecer. O perfil dos abordados seguia um padrão: homens negros vestidos com bermudas e chinelos.

Uma semana após a morte da menina Heloysa Gabrielle, de seis anos, baleada na porta da casa de sua avó no dia 30 de março, o principal destino turístico de Pernambuco ainda vive sob vigilância policial e seus moradores, assustados, temem mais violência. Na comunidade de Salinas, local onde a criança foi assassinada, a sensação aparente é de calmaria, mas basta conversar com alguém para saber que, na verdade, trata-se de um silêncio instaurado pelo terror.

“Aqui agora é a lei do silêncio, ninguém fala nada”. Relatou um comerciante que preferiu não se identificar nem gravar entrevista. Assim como ele, todas as pessoas abordadas pela reportagem pediram para não ter seus nomes revelados. A justificativa é a mesma: “Se a gente falar a polícia pode ameaçar e até agredir, e também tem os traficantes”. A presença dos policiais é tão constante e intimidadora que até nós, repórter e fotógrafo, fomos aconselhados a não usar nossas credenciais e equipamentos fotográficos, a fim de evitar uma abordagem violenta da PM.

Durante a nossa visita à cidade, que durou pouco mais de cinco horas, vimos ao menos 15 viaturas policiais em diversos pontos. Os relatos que escutamos denunciavam os diversos abusos cometidos pela polícia: invasão a residências, agressão aos moradores, constrangimento público, violação da privacidade com policiais tomando celulares para checar as mensagens nos telefones das pessoas. O clima é de ameaça constante.

A presença e as ações ostensivas da PM são tão frequentes que os moradores já naturalizaram o baculejo. “Quando eu saio de bermuda eu já sei que vão me parar, tem que andar com os documentos”, afirmou um comerciante entrevistado. Enquanto conversávamos, o comerciante recebeu uma mensagem de sua mãe pedindo para que ele tomasse cuidado pois soube que haveria uma operação na cidade. “Ela quer que eu vá dormir com ela para ficar mais seguro”, disse.

População não apoia os traficantes

Os trabalhadores que moram nas comunidades, explicam que o problema não é a realização das abordagens, mas sim como elas são feitas. “Quando eles [policiais] chegam na gente aqui no centro dão até boa noite, mas quando estamos lá na comunidade a abordagem é ‘encosta, vagabundo’”, desabafou um líder comunitário de Porto de Galinhas. O “centro” ao qual ele se refere é área onde os turistas costumam circular, repleto de operadoras de turismo, lojas, galerias, cafés e restaurantes

De acordo com os moradores, as ações policiais violentas começaram a acontecer com mais frequência há cerca de seis meses e elas estão ligadas ao aumento do tráfico de drogas na cidade. “O tráfico aqui está sério mesmo e precisa ser combatido, nós não somos contra isso. O que nós questionamos é porque sempre que tem operação policial aqui tem corpo estirado no chão, eles não dão chance para que os traficantes se entreguem, eles já chegam atirando”, declarou o líder comunitário. Ainda segundo ele, as ações mais violentas são comandadas pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). “Eles não diferenciam quem é morador e quem é bandido, para eles é tudo a mesma coisa”, disse.

Dados da Secretaria de Defesa Social (SDS) apontam que em janeiro e fevereiro deste ano, 10 pessoas foram assassinadas no município de Ipojuca, onde está localizado o distrito de Porto de Galinhas. O que os moradores alegam, no entanto, é que houve mortes que não foram notificadas pela polícia, pois, por se tratar de pessoas envolvidas com o tráfico, as famílias preferem não denunciar.No entanto, os dados do Fogo Cruzado, plataforma digital que monitora a violência armada nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e Recife, não confirmam essa hipótese e são ainda menores do que os números oficiais.

Além disso, os moradores relatam que a escalada de assassinatos aconteceu em março, após a morte de três adolescentes na comunidade de Salinas, no dia 17 de março. “Depois desses assassinatos a população queimou um ônibus e a polícia começou a fazer mais operações, o BOPE começou a vir aqui com mais frequência”, explicou o líder comunitário.

Polícia em Porto de Galinhas no caso Heloysa Gabrielle

Moradores contam que Pms se comportam de maneira diferente no centro e na periferia de Porto. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.