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A súbita adesão de vereadores do PSB e demais partidos da bancada governista na Câmara Municipal a projetos de lei da extrema direita tem um significado político oculto, subordinado às pretensões eleitorais do prefeito João Campos em 2026. Com a aprovação de projetos como o que autoriza os chamados “intervalos bíblicos” e o da inclusão da “Semana de Conscientização da Síndrome Pós-Aborto” no calendário oficial de eventos do Recife, o prefeito tenta fazer um aceno para agradar ao PP em Pernambuco.
De acordo com um integrante da base do prefeito na Câmara e um dirigente do PSB ouvidos pela Marco Zero, a ideia é oferecer argumentos ao deputado federal Eduardo da Fonte, que comanda o PP no estado, para convencê-lo a se afastar da governadora Raquel Lyra (PSD) e passar a integrar a chapa do socialista na eleição para o governo em 2026. Dessa forma, é praticamente certo que João Campos sancione sem vetos nem constrangimento os dois projetos aprovados esta semana.
“Nada disso se passou sem a concordância do prefeito. É uma busca de votos da direita, que é conservadora nos costumes”, explicou o parlamentar. O dirigente partidário — que não ocupa cargos na prefeitura — detalhou que atrair o PP de Eduardo da Fonte se tornou fundamental depois que a federação partidária formada por União Brasil e PP rompeu em definitivo com o governo Lula.
Parece um paradoxo, mas dá para explicar: o ex-prefeito de Petrolina Miguel Coelho, aliado de Campos e filiado ao União Brasil, não tem força política para se impor internamente em seu partido e bancar a presença como candidato ao Senado no palanque PSB-PT. Com Eduardo da Fonte é diferente: ele tem poder suficiente para estar ao lado de quem quiser em Pernambuco, sem ter de prestar contas à direção nacional do PP.
Por isso, a investida dos aliados de João Campos em favor da pauta reacionária na Câmara de Vereadores. Dos 16 a favor do projeto que criou a semana da Síndrome Pós-Aborto — uma doença que sequer é mencionada na Classificação Internacional de Doenças —, metade veio da bancada governista. Votaram contra Cida Pedrosa (PCdoB), Eduardo Mota (PSB), Jô Cavalcanti (PSOL), Kari Santos (PT) e Rinaldo Júnior (PSB). Osmar Ricardo faltou à sessão e Liana Cirne está de licença médica.
Se o movimento pode aproximar o PSB do PP local, afasta ainda mais as organizações feministas. “A aprovação desse projeto foi muito ruim do ponto de vista dos direitos das mulheres, das crianças, das pessoas que gestam, porque ele não tem nenhuma evidência científica. A OMS (Organização Mundial da Saúde) não reconhece isso”, protesta Natália Cordeiro, educadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia.
Integrante da Frente Pernambuco pela Descriminalização e Legalização do Aborto, ela reforça que a iniciativa é “mais uma forma de dificultar, de vulnerabilizar e de violentar as pessoas que têm direito ao aborto legal”. “Sem dúvida, é uma derrota e uma violação de direitos. Uma gravidez levada adiante por uma criança tem muito mais impactos do que uma inexistente síndrome pós-aborto”, lamenta.
A Frente defende que, para muitas mulheres, a realização de um aborto é, na verdade, um alívio, vem acompanhada de uma tranquilidade e de uma perspectiva de futuro. Sob essa perspectiva, Natália lembra o caso da menina de 10 anos do Espírito Santo, vítima de estupro, que declarou recentemente que voltou a sorrir após conseguir acessar o aborto legal.
Para a Frente, diz Natália, não resta dúvida de que parlamentares estão agindo em bloco para confrontar diretamente a questão do direito ao aborto. “Os direitos das mulheres e o feminismo têm estado no centro da atuação da extrema direita, que defende um modelo de família heteronormativo, branco, de classe média, cristão”, diz.
O projeto de Gilson Machado Filho tinha sido pautado na semana passada, mas teve a votação adiada a pedido do próprio parlamentar, após a derrota de seu colega de Casa, Felipe Alecrim (Novo).
Alecrim viu, no dia 26 de agosto, seu PL de número 147/2024 ser derrotado. Apelidado pela Frente Pernambuco pela Descriminalização e Legalização do Aborto como “PL da Tortura”, o texto instituía, entre outros pontos, que mulheres, meninas e pessoas que gestam que podem acessar o aborto legalmente fossem obrigadas a ouvir o batimento cardíaco de fetos. Relembre aqui:
Jornalista e escritor. É o diretor de conteúdo da MZ.