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Crédito: Acervo pessoal
No dia 14 de novembro, a Folha de S. Paulo bradava, em um editorial histriônico, que o Governo Federal estava “gastando muito e mal”.
Pouco antes, “Licença para gastar” foram as palavras de efeito da capa da edição 2867 da revista Veja, no dia 10 de novembro, seguidas do alerta de que o governo Lula não estaria preocupado com o controle das contas públicas, o que seria “um risco para o crescimento da economia”.
Em 2022, logo após a vitória petistas nas eleições presidenciais, as manchetes dos veículos da mídia tradicional batizaram de “PEC da gastança” a iniciativa do futuro governo de, por meio de uma emenda constitucional negociada com o Congresso, se livrar do orçamento preparado por Bolsonaro.
É extensa, a lista de exemplos dos esforços conjuntos de parte do empresariado brasileiro, de economistas, operadores do mercado financeiro e donos de veículos de comunicação para exigir cortes de despesas públicas e redução do papel do Estado na economia. Talvez a mais bem sucedida dessas “campanhas” em que as opiniões divergentes são silenciadas tenha acontecido em 2016, com os veículos do grupo Globo à frente, para garantir a aprovação do Teto de Gastos ainda nos primeiros meses sob Michel Temer.
Para justificar as manchetes e opiniões dos seus articulistas, repórteres e apresentadores entrevistam “especialistas”, professores universitários ou profissionais do mercado financeiro – supostamente isentos ou desinteressados -, que tratam as regras da austeridade fiscal como aquilo que é “normal”, quase como um fenômeno natural. O que está fora disso, seria coisa de “esquerda” ou “irresponsável”.
Provavelmente por essa razão, o escocês Mark Blyth jamais foi entrevistado por qualquer um dos veículos mencionados nos primeiros parágrafos deste texto. Professor de Economia Internacional e Ciência Política da Universidade Brown, nos Estados Unidos, Blyth é um dos mais notórios críticos das políticas de austeridade fiscal e das teses de “Estado mínimo” adotadas por políticos, economistas e jornalistas mundo afora.
Autor do livro Austeridade: a história de uma ideia perigosa, publicado no Brasil em 2017, quatro anos depois de lançado, Mark Blyth costuma ser fonte dos principais veículos de mídia dos Estados Unidos e Europa. O New York Times pediu a “13 figuras públicas suas previsões sobre o melhor e o pior” que pode acontecer até 2030. Ele foi um dos convidados a dar opinião.
Procurado pela Marco Zero, Blyth aceitou o pedido de entrevista, realizada por e-mail, sem hesitar.
Marco Zero Conteúdo – Quem ganha com a austeridade? Em Austeridade: a história de uma ideia perigosa, onde fica claro que os Estados soberano precisam cortar despesas para ter dinheiro suficiente para salvar os bancos. Esta conclusão também se aplica a países como o Brasil ou há outras pessoas que ganham com a austeridade?
Mark Blyth – Em países como o Brasil, e na América Latina em geral, o problema está relacionado com o que os economistas chamam de “conta corrente”. Isto é, quanto os países “pagam” pelas suas importações de produtos que não produzem e o que recebem com as suas exportações ( as coisas que eles fazem). Se você tem uma moeda “suave”, que não é reclassificada como um ativo de poupança global, que é a maioria das moedas além do dólar americano e do euro, você precisa pagar por suas importações em dólares que precisa ganhar com suas exportações . Ninguém quer reais como forma de pagamento. Eles querem dólares. Então você precisa ganhá-los.
Agora, se a economia brasileira sofrer um golpe como em 2014 e 2016, as exportações caem, o Real cai de valor, as importações custam mais e você terá inflação e uma crise no balanço de pagamentos. Para gerir isso, o governo tenta equilibrar as contas cortando gastos e aumentando as taxas de juros para manter o dinheiro no país e defender a taxa de câmbio ou, no caso da Argentina em 2001, deixa de pagar seus credores externos. De qualquer forma, há muita dor. O que varia é quem sente. Os ricos e estrangeiros, com a inadimplência, ou os pobres e locais com as políticas de austeridade.
Depois da pandemia a austeridade voltou a ser imposta como uma fórmula mágica ou “manual de instruções”, como o senhor diz no livro?
Não foi reimposto em todos os lugares. Pelo contrário, o que vimos foi o regresso da inflação e a política padrão para lidar com isso é aumentar as taxas de juro. Isso aumenta o custo do empréstimo de dinheiro e desacelera a economia. Portanto, é uma espécie de austeridade por outros meios.
O livro foi publicado em 2013. No ano seguinte, o senhor escreveu um posfácio que está disponível na edição em forma de e-book. Desde então, a extrema direita e os neonazistas ganharam força nos EUA, Brasil, Argentina, Alemanha, Espanha, Itália. Como é que as políticas de austeridade contribuíram para este crescimento dos fascistas?
Eu fiz um livro inteiro sobre isso com Eric Lonergan chamado Angrynomics. Basicamente, temos anos de baixo crescimento e maior desemprego devido à austeridade. O aperto prejudica aqueles que mais dependem das transferências e subsídios estatais. Eles tendem a estar localizados em áreas de baixo crescimento do país. Depois, o banco central tenta melhorar as coisas através de uma política chamada flexibilização quantitativa, que consiste basicamente em recomprar títulos do governo e trocá-los por dinheiro. Mas esse dinheiro acaba nas mãos daqueles que têm ativos e não dependem de transferências governamentais, de modo que os ricos ficam mais ricos enquanto os pobres permanecem pobres. Isto é facilmente transformado em arma por populistas de todos os tipos.
Jair Bolsonaro aprovou a independência do Banco Central com o apoio entusiástico de deputados, senadores de direita e da mídia brasileira. Hoje, o presidente do Banco Central, indicado por Bolsonaro para um mandato de quatro anos, enfrentou o presidente Lula e manteve a taxa de juros bastante elevada. Por que os defensores da austeridade criaram a ideia de bancos centrais independentes e como isso afeta a vida das pessoas?
Como já mencionei, se temos um problema de inflação, e o mundo inteiro o tem graças à pandemia e à guerra na Ucrânia, então a política habitual é o banco central aumentar as taxas para abrandar a economia e matar a inflação. A ideia aqui é aumentar o nível de desemprego para que os salários moderem ou alterar o que os economistas chamam de “expectativas de inflação”, para que as pessoas deixem de esperar que os preços subam e esperar para que isso não aconteça. Isto é mais um “truque mental Jedi” do que uma política. De qualquer forma, as mesmas pessoas pagam e isso se torna austeridade por outros meios.
Qual seria o “manual de instruções” que deveria ser adotado pelos políticos de esquerda e progressistas? Como escapar à “normalização” ou “obrigatoriedade” da austeridade?
As opções se você for um país fortemente dependente de importações (o Brasil não é isso) e tiver uma moeda fraca, por isso não pode tomar empréstimos em sua própria moeda, são limitadas. O Brasil é um país grande e bastante fechado em relação ao resto da América Latina. Tem mais espaço para se movimentar. Isso pode ser feito de duas maneiras. A primeira é com os impostos. A maioria dos sistemas fiscais é ineficiente e tributa as coisas erradas. Os impostos sobre o trabalho independente, os impostos extraordinários sobre empresas que se beneficiam de posições de monopólio ou da inflação, os impostos sobre novos fluxos de receitas (petróleo e gás, por exemplo) podem fazer a diferença. Mas o principal é o investimento. Ninguém percebe aquela escola que não é construída até que a velha escola caia. Desde que o investimento que o governo faça tenha um retorno positivo (pense na eletricidade proveniente da construção de parques eólicos), então poderá contrair empréstimos com um retorno inferior ao esperado e aumentar o crescimento, ao mesmo tempo que reduz a dívida através do crescimento. A melhor maneira de reduzir a dívida é crescer. Para não encolher.
Por fim, seu livro mais recente, Angrynomics, será lançado em português?
Como falei acima, nesse livro trato das raízes econômicas do populismo. Mas ainda não há tradução para português.
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Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.