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Rio do Aterro visto do alto

Potiguaras concluem limpeza do Rio do Aterro

Foi na manhã de um sábado de janeiro que eu, Inês Campelo e, Sérgio Miguel Buarque, repórteres da Marco Zero, estivemos mais uma vez nas terras da aldeia Alto do Tambá, Baía da Traição, na Paraíba. Um retorno motivado pelo trabalho dos indígenas Potiguaras, que, há quatro anos, iniciaram a abertura do rio do Aterro com as próprias mãos e a concluíram por esses dias de janeiro de 2025.

Se você, leitor, chegou aqui nesse texto e ainda não está entendendo ou não recorda muita coisa, os indígenas criaram o projeto Águas Potiguara, que tem como objetivo limpar os rios do território, discutir políticas para os povos indígenas e reconstruir a mata ciliar. O trabalho iniciou pelo rio do Aterro, afluente do rio Sinimbu, que corta as duas aldeias, Alto do Tambá e Forte. Pra quem quiser ler ou recordar aqui está nossa primeira reportagem Um rio aberto com as próprias mãos.

Começo a história já me explicando! Dessa vez, não conseguimos chegar pertinho da água. Meu zero preparo físico para uma trilha pesou. Além de uma longa descida em um caminho estreito, por dentro da mata, mas com bastante pedras e um calor excruciante, já deixou trêmula as pernas e dolorido os pés, que calçavam um chinelo inadequado para o local. Tendo como outra opção, pior, uma bota de borracha sete léguas, carregada por Sérgio. Não bastasse o desgaste pessoal, sobre o corpo, que já não é tão leve, carregava os equipamentos de imagem.

Ao meio do caminho, uma parada na cozinha improvisada para respirar cinco minutos do ar puro de uma reserva indígena. Era a hora de calçar “as belas” sete léguas para a travessia de um trecho de mais ou menos um quilômetro em um paul – que vem a ser um terreno semelhante a um pântano. A cada pisada afundava 20, 30, 40 centímetros e tremia igual uma vara verde com medo de afundar completamente e molhar todo equipamento. Um décimo do percurso e resolvi voltar. Por sorte carregava um drone.

Caminho pelo paul. Crédito: Inês Campelo/MZ

O espírito de coletividade continua sendo o norte do Águas. Ficamos na cozinha improvisada, que nada mais é que um frondoso cajueiro, com uns poucos assentos em sua sombra, uma mesa, água gelada, frutas frescas, um empilhado de tijolos criando um fogão a lenha com um caldeirão de peixada fervendo e perfumando. Foi de lá que subi o drone para sobrevoar Jessé e sua filha, que estava pela primeira vez acompanhando o pai, até o ponto de trabalho do dia.

Integrante do Águas Potiguara desde o início e também um dos entrevistados na nossa primeira reportagem, Jessé Viana da Silva, conversou com a gente e contou um pouco sobre sua experiência.

“Foi um trabalho muito difícil. A verdade é essa! Mas também foi uma emoção muito grande quando conseguimos abrir quase cinco quilômetros do rio, então foi gratificante. E a tendência agora é a gente permanecer fazendo a manutenção, pois as raízes das aningas crescem muito rápido”. Além de trazer vida novamente ao rio, a comunidade resgata costumes ancestrais com uso social do rio. “Nos finais de semana sempre estamos lá. Passando o dia. Tomando banho. Brincando. E, hoje você já consegue até pegar alguns peixinhos”, comemora.

Crédito: Ju Potiguara/Águas Potiguara

Para o futuro a ideia é de reflorestar as margens do rio. “Planejamos fazer uma agrofloresta. Plantar diversos tipos de árvores. Garantir a nossa agricultura familiar com a roça. Mantendo o rio com seu fluxo normal podemos aproveitar principalmente quando os pauis – sim, esse é o plural de paul – baixarem”, explicou Jessé.

Aproveitamos nossa volta e tiramos algumas dúvidas que nossos leitores e seguidores das redes sociais levantaram quando postamos a primeira matéria.

A pergunta mais feita foi: por que não usaram uma máquina? “A gente está todos os finais de semana no rio. Limpando, cortando. Até correndo perigo de ser mordido por alguns animais, especialmente cobras. Tentamos parceria com a secretaria do Meio Ambiente do Estado. Infelizmente nos prometeram uma máquina para o trecho mais estreito do rio do Aterro. Já que o Sinibu é muito largo. E para lá tem que ser uma dragagem de fato. Prometeram dar uma resposta. Até hoje a gente espera”, explica Jessé.

Outro questionamento constante foi sobre a identidade indígena do povo potiguara. Para Jessé o desrespeito começa pela maneira pejorativa a qual algumas pessoas se referem aos povos indígenas. “O termo correto é indígena. A gente tenta reeducar as pessoas. Outra coisa, por exemplo que nos questionam muito é por que índio tem celular? Índio tem relógio? Índio tem carro? Índio tem casa de tijolo? O indígena tem tudo isso. O indígena é um cidadão como qualquer outro e que chegou aqui bem antes dos invasores. O povo Potiguara foi guerreiro para poder resistir até hoje. Não é uma questão de aparência. É questão de sangue. De história”, ressalta.

Para não alongar, uma última pergunta: será que vocês estão ‘enxugando gelo’? “Não necessariamente. Porque em parte do rio o problema não é o assoreamento. O que fechou o rio na verdade foi a própria vegetação natural dele. A aninga cresceu de uma forma que ela atravessou totalmente o caminho do fluxo normal do rio”. O reflorestamento das margens será fundamental para manutenção do rio aberto. “Fizemos uma ação em busca de sementes nativas de sucupira, pau-ferro, maçaranduba para fazer mudas e sair plantando, distribuindo no nosso território já com essa mentalidade de proteger também aquelas margens”, concluiu.

E assim terminamos a manhã do sábado, 25 de janeiro de 2025. Como ainda precisávamos percorrer outros pontos do rio, não ficamos para almoçar a peixada que é feita coletivamente pelas mulheres indígenas e saboreada após a manhã de ação que integra, valoriza, resgata e une o povo potiguara.

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AUTORES
Foto Inês Campelo
Inês Campelo

Formada em Jornalismo pela Unicap. Apaixonada pela fotografia, campo que atua profissionalmente desde 1999. Atualmente é freelancer e editora de imagens do Marco Zero.

Foto Sérgio Miguel Buarque
Sérgio Miguel Buarque

Sérgio Miguel Buarque é Coordenador Executivo da Marco Zero Conteúdo. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou no Diario de Pernambuco entre 1998 e 2014. Começou a carreira como repórter da editoria de Esportes onde, em 2002, passou a ser editor-assistente. Ocupou ainda os cargos de editor-executivo (2007 a 2014) e de editor de Política (2004 a 2007). Em 2011, concluiu o curso Master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.