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Presidente da Alepe debocha de Raquel Lyra em áudio vazado e inflama crise entre poderes

Marco Zero Conteúdo / 01/02/2024
Foto colorida da governadora Raquel Lyra, com semblante sério, abrindo bandeira de Pernambuco na tribuna da Assembleia Legislativa.

Crédito: Roberto Soares/Ascom Alepe

por Jorge Cavalcanti*

Após a governadora Raquel Lyra (PSDB) deixar o plenário da Assembleia Legislativa, tudo indicava que a sessão de reabertura dos trabalhos terminaria de forma protocolar, na manhã desta quinta-feira (1º de fevereiro). A expectativa por conta da disputa entre Raquel e o presidente da Casa, Álvaro Porto (PSDB), havia se dissipado. Nas falas oficiais, frases de efeito, prestação de contas e chavões da política. Tudo previamente escrito pelas assessorias. Até vazar no sistema de som trecho de áudio do deputado debochando do discurso de Raquel. 

“No dela, não entenderam nada. Conversou merda demais e não disse nada”, falou, em conversa com colegas, ainda sentado na cadeira central da mesa diretora. O presidente da Assembleia demonstrou ter conhecimento que permanecia sendo ouvido no plenário. Quando um parlamentar disse que queria perguntar à governadora onde era aquele Estado a que ela se referiu em discurso, Álvaro prosseguiu: “eu também queria saber. Está aberto aqui o (microfone), posso até perguntar”. Em seguida, risos de alguns deputados.

A disputa que o presidente do legislativo e a governadora travam desde o primeiro semestre do ano passado vem subindo de tom. O que antes era restrito a conversas reservadas em gabinetes passou a ser visível também em eventos públicos, como no lançamento do programa Juntos Pela Segurança, em novembro, até ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Recentemente, a governadora entrou com ação na Suprema Corte contra dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024, aprovada pela maioria dos deputados no ano passado. Raquel vetou os trechos questionados, mas a Assembleia derrubou os vetos, num movimento que contou com a articulação de Álvaro Porto.

O discurso mais esperado da sessão de retomada dos trabalhos legislativos era o da governadora. Ela chegou acompanhada da vice Priscila Krause (Cidadania) e de uma comitiva de secretários. Assim que chegou à tribuna, estendeu sobre a estrutura uma bandeira de Pernambuco que carregava dobrada consigo. 

Antes de cumprimentar, nominalmente, os deputados e deputadas presentes à sessão, Raquel disparou: “não é simples ser mulher na política, muito menos com filho pequeno”. Ela se dirigia à líder da bancada de oposição, Dani Portela (PSOL), que deu à luz há 20 dias, mas o recado tinha outro destinatário. A governadora não quis deixar passar a oportunidade de frisar a questão de gênero e fez a declaração acima, que não estava prevista no discurso que levou impresso.

PSDB se posiciona ao lado de Raquel

À tarde, a executiva nacional do PSDB postou em seus perfis nas redes sociais uma nota se colocando ao lado de Raquel Lyra, condenando a fala do presidente da Assembleia, considerando que a governadora foi agredida: “Nós, tucanos, temos muito orgulho de termos eleito uma jovem e competente mulher como governadora de Pernambuco e não podemos tolerar manifestações agressivas contra ela venha de quem vier. Muito menos de um deputado do próprio PSDB. O Conselho Nacional de Ética e Disciplina do PSDB está pronto para avaliar eventuais medidas disciplinares contra o deputado Álvaro Porto.

Foi preciso a direção nacional do seu partido se posicionar duramente e a repercussão negativa do vazamento do seu áudio para que Porto se pronunciasse sobre o caso. E nem sequer pediu desculpas. Inicialmente, ele admitiu apenas o uso de “expressão não condizente com o contexto e local”, mas nos parágrafos seguintes da nota de esclarecimento preparada por sua assessoria em terceira pessoa, o presidente reitera que está disposto a manter o clima de guerra contra Raquel Lyra ao declarar que sua “reação é fruto de indignação em relação à falta de resultados do governo em questões sérias como saúde e segurança, por exemplo. Afirma ainda ter o direito e o dever de avaliar e criticar discursos que não correspondam à realidade observada”.

A governadora também demorou a se posicionar. Em entrevista a uma emissora de rádio na manhã desta sexta-feira, Raquel Lyra afirmou que a frase teria sido um “ato lamentável de violência política”. Na rede X, ela completou com críticas ao machismo do deputado estadual, mas sem mencionar seu nome: “parece que para alguns o que me condena é simplesmente o fato de eu ser mulher”.



Má relação desde a campanha eleitoral

Embora sejam do mesmo partido, o PSDB, o presidente da Assembleia e a governadora do estado não possuem um bom relacionamento desde o primeiro turno das eleições de 2022. Em algumas cidades do interior, o deputado subiu no palanque da candidatura de Miguel Coelho (União Brasil), alegando ser por conta de questões locais e características da eleição proporcional.

No segundo turno, Álvaro passou a estar mais junto à campanha de Raquel. Aliados da governadora dizem que isso só aconteceu quando o cenário passou a se mostrar favorável à então candidata do PSDB, que disputava o cargo com Marília Arraes (Solidariedade).

Com Raquel já empossada governadora, o primeiro grande desentendimento ocorreu depois do Carnaval de 2023, quando Álvaro encontrou dificuldades para emplacar em lugar de destaque no Executivo seu sobrinho Felipe Porto, ex-prefeito de Quipapá, município do Agreste pernambucano.

O deputado não conseguiu convencer nem “dobrar” a governadora. Meses depois, articulou uma outra função para o parente. Em novembro do ano passado, Felipe Porto assumiu o escritório em Pernambuco da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), já na gestão do ministro pernambucano Silvio Costa Filho (Republicanos) à frente do Ministério dos Portos e Aeroportos.

De lá para cá, a disputa entre Álvaro Porto e Raquel Lyra seguiu cada vez mais tensionada. Por conta de uma mudança no regimento da casa, o presidente da Assembleia sabe que ficará no cargo até o final do mandato da governadora, o que permite a leitura de que novos capítulos estarão por vir. 

A reportagem fez contato com as assessorias da governadora e do deputado. Ambas informaram que não vão comentar o vazamento do áudio ao final da sessão de reabertura dos trabalhos legislativos.

Clima amistoso do início deu lugar a deboche no final da sessão na Alepe. Crédito: Roberto Soares/Ascom Alepe

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

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Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.