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Primeira senadora em PE, Teresa Leitão quer levar pautas dos municípios para o Senado

Giovanna Carneiro / 28/12/2022
Teresa Leitão: mulher branca, cabelos claros, de óculos, usando blusa na cor preta, sentada com as mãos pousadas sobre a mesa.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Professora aposentada, sindicalista e ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação de Pernambuco (Sintepe), aos 70 anos, Teresa Leitão (PT), se prepara para assumir o cargo mais importante de sua carreira política. A partir de 1º de fevereiro de 2022 ela será senadora de Pernambuco, eleita para o assento que, hoje, é ocupado por Fernando Bezerra Coelho (MDB).

Após cinco mandatos na Assembleia Legislativa de Pernambuco, onde foi líder da bancada petista, Leitão foi convidada pelo presidente Lula para coordenar a equipe de transição de seu governo na área da Educação, tema cujas discussões em seu partido era realizada no setorial coordenado por ela. Com a primeira missão no âmbito da política nacional concluída, o relatório com dados e diretrizes para as ações de investimento no Ministério da Educação do próximo governo foi entregue a Lula, a senadora eleita reafirmou que a educação seguirá sendo a pauta prioritária do seu mandato. “Não é nem mais pauta, é a causa da minha vida”, disse Teresa Leitão.

Em entrevista à Marco Zero Conteúdo, a primeira mulher eleita senadora em Pernambuco com pouco mais de 2 milhões de votos (46% do total de votos válidos), fala sobre os desafios e expectativas de seu novo mandato, a educação no Brasil, e a relação com o governo estadual sob a gestão de Raquel Lyra (PSDB).

Marco Zero – Depois de cinco mandatos na Alepe e com uma extensa carreira política no estado, a senhora agora vai partir para um cargo majoritário se tornando a primeira mulher eleita senadora em Pernambuco. Como tem encarado esse desafio e quais são as principais dificuldades que espera enfrentar?

Teresa Leitão – Eu acho que a minha maior dificuldade vai ser esse enfrentamento político, e eu preciso estar muito preparada pra isso, porque,apesar da vitória de Lula, o governo Bolsonaro investiu muito na eleição para as casas legislativas, tanto no Senado quanto na Câmara de Deputados. Mas, felizmente, existe uma condição que vai me ajudar bastante que é a bancada do PT, que elegeu quatro senadores nessas eleições e ampliou a bancada, então, nós vamos conseguir trabalhar em unidade e acredito que isso vá ajudar bastante, afinal ser parlamentar da base do governo demanda muito estudo e muita dedicação para defender os programas e projetos desenvolvidos. Eu espero que os bolsonaristas não levem para o Senado um debate antidemocrático como o que eles estão defendendo agora, espero que eles reconheçam a vitória, porque divergências vão existir e não tem como não existir diante do que a gente viu nessa eleição e do perfil político da base de Bolsonaro no Senado, mas para haver o mínimo de governabilidade é preciso que respeitem a democracia e o espaço institucional do Senado.

Professora aposentada, fundadora e ex-presidenta do Sintepe, a senhora sempre manteve a educação como sua principal causa política. Além dessa, quais serão as demais pautas prioritárias na sua atuação no Senado?

A primeira pauta que eu quero dar conta é ajudar a recuperar a boa imagem da política no Brasil. Bolsonaro ocupou o maior cargo da república sem ter nenhuma liturgia do exercício, é uma bizarrice, uma coisa totalmente fora dos padrões, um presidente que não respeitou o Poder Legislativo porque ou barganhava com o centrão ou o barganhava com orçamento secreto por não ter condições de realizar um debate republicano. A relação com o Judiciário então, nem se fala. Vivemos uma verdadeira vulgarização da atividade institucional e acredito que ela precisa ser recuperada. A segunda pauta é a educação. Eu acho que se essa pauta já era pra mim prioritária e agora, depois do GT da transição em que participei como coordenadora executiva, se tornou mais ainda. O diagnóstico que a gente fez é um diagnóstico de terra arrasada e vai exigir muito trabalho do executivo e do legislativo para recuperar. Por isso, essa é e vai continuar sendo a causa da minha vida. Por outro lado, também quero fortalecer a pauta do direito das mulheres. No senado tem uma organização de mulheres, uma bancada feminina, que hoje é coordenada pela senadora Eliziane Gama, e eu acredito que isso também é uma questão importante para se dedicar Além da pauta dos serviços públicos, porque, como eu disse na campanha, serei uma senadora municipalista, vou me dedicar muito às necessidades e as demandas dos municípios de Pernambuco.

Com quem a senhora tem dialogado na articulação de uma frente de apoio ao governo Lula no Senado?

Já começamos a nos articular e dialogar com outros senadores e senadoras. Temos a bancada do PT e podemos ter uma composição ainda maior com alguns outros partidos que apoiaram a candidatura do presidente Lula, entre eles o PSD e o PSB. Já tivemos duas reuniões para discutir os espaços políticos e os líderes, mas só com aqueles partidos que apoiaram Lula.

Nos dois turnos das eleições para o governo de Pernambuco o PT não apoiou a candidata eleita Raquel Lyra (PSDB), mas a senhora sinalizou disposição para dialogar com ela em suas redes sociais. Assim, o que podemos esperar da relação entre o Governo Federal e o Governo Estadual? A senhora já se reuniu com a governadora eleita?

Ainda não nos reunimos. Eu participei de um almoço que Raquel realizou com todos os deputados e deputadas estaduais e eu fui na condição de deputada estadual, cargo que ocupo até o dia 31 de janeiro de 2022. A Assembleia Legislativa de Pernambuco tem três deputados do PT que vão estar acompanhando a atuação da governadora mais de perto e poderão dar o tom da oposição. Da minha parte, eu quero analisar para onde o PSDB vai nacionalmente. Acho que não vai apoiar Lula. Pelo menos a primeira declaração de Bruno Araújo, que é o presidente nacional do partido, foi essa, mas ainda não sabemos o posicionamento do PSDB no cenário nacional e isso é uma coisa que vai ter repercussão em todos os estados que o PSDB governa. Por outro lado, Raquel fez o movimento de se reunir com todos os prefeitos, independente se apoiaram ela ou não, e eu acho que isso é um ponto importante na relação institucional porque o diálogo federativo não existiu no governo Bolsonaro, a União não estabeleceu diálogo com governadores e prefeitos de maneira proativa. Como senadora, tenho um cargo majoritário e não proporcional, mas eu sigo tendo obrigações com o povo de Pernambuco e se houver necessidade de dialogar com a governadora evidentemente que vou fazê-lo sem nenhum problema, inclusive, já me coloquei à disposição.

Teresa Leitão: mulher branca, idosa, cabelos claros, de óculos e usando casaquinho preto sobre blusa com estampada com bolas pretas sobre fundo branco. Ela fas gesto com as duas mãos como se estivesse enumerando algo.

Senadora eleita coordenou grupo de trabalho da educação na equipe de transição. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Existem dois debates ambientais que são bem importantes para o estado de Pernambuco, que é o caso da Ilha de Cocaia em Suape, um paraíso natural e que é fonte de renda para centenas de famílias que vivem da pesca, que está ameaçada pela construção de um terminal de exportação de minérios que ligaria o litoral pernambucano ao estado do Piauí, e o caso da Escola de Sargentos de Armas, a ser instalada ao sul na Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe, que é considerada um santuário da Mata Atlântica. Ambos os casos envolvem a esfera federal além da estadual, sendo assim, gostaríamos de saber o posicionamento da senhora sobre esses casos.

O PT está totalmente envolvido no caso da Ilha de Cocaia, e sendo contra isso, porque não só é uma área de preservação como o que vai ser produzido lá faz mal ao meio ambiente a longo prazo também. Já a escola de sargento está em processo, não é? A Assembleia Legislativa fez uma audiência pública e deve fazer outra. Eu acredito que a questão da política ambiental agora vai ter que ter uma atenção muito especial, a transição já indicou isso. Os órgãos e as autarquias de fiscalização ambiental como o Ibama, que existe nos estados e que precisa dialogar com o federal e o estadual não podem ter uma ação isolada do governo do estado e das prefeituras. O que a comissão de transição indicou para o governo Lula é bem preocupante, porque pelo que a gente viu, a tal da boiada passou e fez estrago, e as ações dos estados são peças chave para recuperar o meio ambiente, por isso, é fundamental que haja um diálogo sobre essas questões também.

O Estatuto do Nascituro é um projeto de lei que prevê a instituição de direito à vida desde a concepção, ou seja, proteção integral ao nascituro. Essa é uma pauta extremamente importante para as mulheres porque põe em risco o direito ao aborto, inclusive em caso de estupro. Como representante feminina no Senado, qual a sua opinião sobre o Estatuto do Nascituro?

O diálogo está sendo muito duro na Câmara de Deputados. Muito duro, inclusive, com homens que querem mandar na autonomia das mulheres e querem ter direitos sobre nossos corpos. OEstatuto do Nascituro não é só uma legislação contra o aborto é um estatuto a favor do estuprador, e inclusive é inconstitucional, porque no Brasil nós temos três casos de aborto legal e o que está sendo proposto é acabar com a legalidade da garantia do aborto nesses casos que já estão aprovados em lei. Uma mulher que é estuprada e deseja por conta disso interromper a gravidez, porque a lei lhe garante, tem muita dificuldade em realizar o procedimento, principalmente se ela for pobre. Então, a gente não pode recuar de uma coisa que já é de fato assegurada por lei, há muito que se fazer em relação ao aborto desde que a gente coloque essa questão no âmbito das políticas públicas de saúde da mulher, da saúde sexual reprodutiva da mulher, pois, enquanto a gente tratar isso sobre o aspecto da opinião religiosa e da opinião moral, a gente não avança. Uma mulher que é estuprada, uma jovem, uma criança, ela precisa ter o direito de fazer um aborto seguro e assistido por uma equipe médica de qualidade, e o que acontece hoje em dia é que só mulheres ricas conseguem ter acesso a esse serviço, a questão social também está refletida nisso. Todas essas contradições estão escancaradas no Estatuto do Nascituro, por isso, a gente precisa denunciar e combater, não podemos colocar uma questão de saúde pública em um contexto de escolha do fundamentalismo religioso.

Quais foram os pontos críticos encontrados pela equipe de transição e quais ações foram apontadas como fundamentais para promover melhorias na Educação?

O que vimos é terra arrasada. O MEC teve um primeiro ministro que não se comunicava com ninguém e introduziu a disputa ideológica na educação [Ricardo Vélez Rodríguez]. O segundo a ocupar o cargo introduziu uma disputa ideológica na educação com escolas sem partido, com escola cívico-militar, com ideologia de gênero, falta de liberdade de cátedra, tudo que ele pôde fazer para recuperar o fundamentalismo nas escolas ele fez [Abraham Weintraub]. Depois veio aquele que praticou falsidade ideológica, foi anunciado mas não foi nomeado porque o currículo não era dele [Carlos Alberto Decotelli]. Em seguida veio o pastor das barras de ouro [Milton Ribeiro]. E depois veio o atual [Victor Godoy] que é um técnico e que, na reunião que a gente teve com ele, parece que ele não está no Brasil não, ele acha que está na Finlândia, porque está tudo correndo muito bem na educação, segundo a exposição que ele fez pra equipe de transição. Então, um dos principais problemas encontrados pela equipe de transição do governo Lula é a guerra ideológica, uma guerra cultural, que a gente não vence se a gente não tiver uma concepção de educação libertadora, emancipadora, laica e inclusiva. Por isso, precisamos recuperar o plano nacional de educação com esses princípios e valores. Outro problema é a disputa pelo orçamento, o governo Bolsonaro propôs um orçamento de 11 bilhões de reais. É insuficiente. É preciso, no mínimo, R$ 12 bilhões, mas o ideal mesmo seriam 15 bilhões no próximo ano para começar o plano de recuperação, porque existem muitas dívidas e verbas congeladas. Há atrasos na questão do transporte escolar, no livro didático. Os cortes e bloqueios orçamentários atingiram a educação básica, sobretudo a educação infantil, que aparentemente não existe para esse governo, além disso há os cortes orçamentários para as universidades e os institutos federais de educação.

O governo Bolsonaro também extinguiu algumas estruturas importantes do MEC como a Secadi [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão], secretaria que tratava da diversidade, da inclusão, da política de gênero nas escolas, da política LGBTQIA, da política antirracista, e da saúde e prevenção nas escolas, tudo isso foi acabado, e deu lugar a uma secretaria para tratar só das relações fundamentalistas na educação, então, essa vai ter que ser extinta para que a Secadi possa voltar.

A orientação de Lula é que a gente não crie novas estruturas nos ministérios, para criar uma tem que extinguir outra. Além disso,nós estamos apontando para a revisão de alguns decretos e leis, entre eles, o decreto das escolas cívico-militares, a revisão do novo ensino médio e da BNCC [Base Nacional Comum Curricular], e também uma resolução do Conselho Nacional de Educação sobre as novas Diretrizes Curriculares para Formação Inicial de Professores. Tudo isso está indicado como o que a gente chamou de ‘pontos de atenção’ no relatório de transição. E a ampliação do orçamento é fundamental para a recuperação da educação no Brasil.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.