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Profissionais de educação e saúde apelam, mas Governo de Pernambuco mantém escolas abertas

Raíssa Ebrahim / 05/03/2021

Profissionais da educação fazem ato para pedir suspensão das aulas presenciais em Pernambuco (Crédito: Ag. JCMazella/Sintepe)

Ainda sem data definida para serem vacinados, os profissionais da educação, com respaldo de profissionais da saúde, têm apelado para que o Governo de Pernambuco suspenda as atividades presenciais neste momento de aceleração da pandemia, novas variantes e lotação de leitos. Mas, por enquanto, sem sucesso. A gestão disse que só fechará as escolas em um possível lockdown.

Notificado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) – que inclusive já suspendeu as suas atividades presenciais –, o governo tem até esta segunda-feira (8) para se pronunciar sobre os pedidos do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe).

Para a vice-presidente da entidade, Ivete Caetano, há uma contradição nas ações estaduais: “Como convencer os jovens a ficarem a 1,5 metro de distância do colega quando eles passaram, no trajeto de casa até a escola, por ônibus superlotados?”.

“A escola não é uma bolha, não vive numa muralha inacessível à comunidade. As pessoas entram e saem, então o vírus transita livremente”, argumenta Ivete. “Sem distanciamento nem máscara, não adianta o prédio estar bem estruturado e repleto de álcool”, reforça.

“O Sintepe já alertou que a educação básica não cumpre os protocolos, os alunos tiram e botam a máscara, enxugam o rosto com máscara. É difícil controlar a juventude, eles gostam de se abraçar, de estar no colo um do outro”, complementa a vice-presidente do Sintepe sobre os desafios e a exposição que os profissionais têm enfrentado no ambiente escolar e que podem se espalhar também entre as famílias.

Ivete afirma que diariamente o sindicato recebe fotos e prints de estudantes sem distanciamento, além das denúncias de escolas com falta d’água, tendo que pedir caminhão-pipa. Vários municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR) vivem uma crise de abastecimento, com os níveis baixos das barragens, levando a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) a decretar racionamento no final de janeiro.

Na última quinta (4), o Sintepe realizou um ato público e pediu que, enquanto não houver vacina para toda a população e a pandemia de covid-19 estiver fora de controle, as atividades presenciais sejam suspensas na rede estadual.

Apesar de anunciar que, nos últimos dias, houve uma “piora do cenário, com rápida aceleração da doença, o que provocou uma grande pressão no sistema de saúde”, o secretário estadual de Saúde, André Longo, afirmou, em coletiva de imprensa nesta quinta (4), que o governo vem avaliando as escolas como “seguras” e “seguindo os protocolos”.

Secretário-executivo de Defesa Social, Humberto Freire (E), e secretário de Saúde, André Longo (D), em coletiva de imprensa (crédito: Hélia Scheppa/SEI)

A semana passada foi a pior do ano até agora em Pernambuco, com aumento de 14% e de 20% de notificação de casos graves em relação à semana anterior e há 15 dias, respectivamente, segundo os dados repassados por Longo.

Esta semana já aponta para um agravamento ainda maior. “Estamos no início de uma período que deve ser muito duro e de grandes dificuldades”, enfatizou o gestor pedindo conscientização da população.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) registrou, nesta sexta (5), mais 1.588 casos do novo coronavírus. Agora Pernambuco totaliza 306.320 confirmações. Também foram confirmados mais 29 óbitos, somando 11.119 mortes pela doença em Pernambuco.

A taxa de ocupação dos leitos de UTI está em 94%. Significa que só há, do total de 1.055 leitos, 63 disponíveis para todo o estado. Na enfermaria, a taxa de ocupação está em 79%.

Na avaliação de Longo, o aumento dos indicadores é fruto de um “somatório de fatores”, com destaque para a “recorrência da falta de cuidado de muitas pessoas, agravado possivelmente por ocorrências de confraternizações, festas invisíveis ao olhar do poder público, situações clandestinas ou mesma de viagens”.

Ele citou também a sazonalidade dos vírus respiratórios e a “muito provável circulação de novas variantes do vírus no nosso território”. O secretário, no entanto, não mencionou a superlotação de ônibus e metrô, que tem gerado revolta e medo entre a população que precisa se arriscar para trabalhar todos os dias tendo que encarar a frota reduzida e transportes lotados em horário de pico.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou, nesta semana, que a mutação E484K, uma das alterações identificada na variante P.1, a variante brasileira do novo coronavírus, já está presente nas amostras coletadas na maioria dos pacientes em seis dos oito estados analisados, incluindo Pernambuco. No estado, o índice de prevalência da mutação, suspeita de aumentar a transmissão do vírus, foi de metade (50%) das amostras coletadas em fevereiro.

Longo admite que a abertura de mais leitos tem um limite e pode não ser suficiente caso a situação se agrave. “O sistema de saúde está próximo do limite de sua capacidade máxima”, disse, apesar do esforço logístico do estado para abrir mais vagas na rede de atendimento. De sábado (27) para cá, foram inauguradas 72 novas vagas. Mesmo com mais leitos, a taxa de ocupação não está diminuindo.

Conselho pede fechamento das escolas

Em carta aberta, o Conselho Estadual de Saúde de Pernambuco se pronunciou por medidas mais restritivas de atividades no estado. O primeiro entre os nove pontos elencados, é a “imediata suspensão das aulas presenciais em todo o sistema de ensino de Pernambuco”.

“Há uma contradição entre a urgência dos apelos feitos à população e dos dados do sistema de saúde em Pernambuco e a manutenção da maioria das atividades e setores no estado em um patamar que simula uma quase ‘normalidade’, considerando que o toque de recolher alcança apenas os finais de semana e período noturno”, diz um trecho da nota.

O conselho pede também a “decretação de lockdown de 15 dias para recomposição da rede assistencial”, com “ações emergenciais de proteção aos mais vulneráveis, com garantia alimentar durante o lockdown de 15 dias” e que “após o lockdown haja imediata disponibilidade de 100% da frota de ônibus pelas empresas de transporte público”.

Em matéria publicada nesta semana pela Marco Zero Conteúdo, sobre avaliação de especialistas em relação às novas medidas de restrição do estado, a médica sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Bernadete Perez, chamou a atenção para o que ela diz ser uma “contradição”: as escolas permanecerem abertas, mesmo com relatos de surtos em turmas pequenas.

“Se coloca em circulação, numa situação que é a pior desde o início da pandemia, milhares de pessoas nas comunidades, no transporte público e nas sala de aula. Suspender as atividades presenciais é proteger famílias, crianças, professores e toda a comunidade escolar”, avalia.

Ainda no ano passado, a Rede Solidária em Defesa da Vida, grupo interdisciplinar de profissionais e especialistas criado no início da pandemia, já havia feito uma série de considerações sobre a flexibilização das atividades escolares.

Debate é grande entre infectologistas

Por se tratar de uma decisão difícil, o debate sobre as escolas está grande entre especialistas. Alguns acreditam que, com a piora do quadro, não será possível manter as portas abertas por muito tempo. Na rede privada, algumas famílias, com medo, já retomaram o ensino 100% remoto. A decisão de fato é complexa porque há outras atividades em funcionamento durante a semana, o que aumenta a circulação de pessoas.

Na avaliação do chefe do Serviço de Doenças Infecto-Parasitárias do Hospital das Clínicas (HC) da UFPE, Paulo Sérgio Ramos, que cita ser “uma decisão muito difícil”, “com todo o contexto que está sendo reportado pelo próprio Governo do Estado, parece ser uma decisão equivocada manter abertas as escolas para aulas presenciais”.

“Os jovens são elementos importantes na cadeia de transmissão, podendo levar o vírus para familiares, inclusive idosos e pessoas portadoras de doenças crônicas”, acrescenta.

Ele acredita que o governo deveria decretar lockdown. “Essa é uma questão neste momento bastante discutida entre nós infectologistas e médicos de terapia intensiva e temos a percepção que já estamos atrasados no decreto de um lockdown”, afirma.

Fim de semana de restrições e mais fiscalização

Na coletiva desta quinta (4), o secretário executivo de Defesa Social, Humberto Freire, prometeu mais fiscalização para conter a circulação de pessoas. As atividades não essenciais estão proibidas aos sábados e domingos, além dos dias de semana entre 20h e 5h. As atividades físicas e esportivas individuais estão liberadas.

A SDS dobrou o esforço de fiscalização, de acordo com Freire. Estão sendo empregados mais de 3,4 mil profissionais em postos extras de trabalho para a fiscalização necessária neste momento, um investimento de mais de R$ 720 mil.

Além disso, houve pactuação específica com municípios litorâneos para fiscalizar praias e parques. “Estaremos com equipes da Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros em conjunto com as equipes municipais e com secretarias estaduais, com Procon e Apevisa realizando essas fiscalizações”, anunciou.

Segundo o gestor, desde o início das intensificações, foram registradas 34 interdições de estabelecimentos comerciais e 21 conduções a delegacias de pessoas autuadas por descumprirem determinações.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com