Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Projeto de lei para suspensão de despejos ficou 13 meses parado na Assembleia de Pernambuco

Laércio Portela / 27/05/2021
Acampamento Bondade do MST

A última semana de maio foi marcada pelo despejo violento realizado pela PM de 259 famílias do Acampamento Bondade, do MST, no Engenho Bonfim, Amaraji, Mata Sul de Pernambuco. Crédito: Yane Mendes

A ação violenta da Polícia Militar, na terça-feira (25), contra 259 famílias de agricultores que ocupavam o Engenho Bonfim, em Amaraji, na Mata Sul, podiam ter sido evitadas se a Assembleia Legislativa tivesse aprovado o PL-1010, protocolado em março de 2020, para suspender os mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extra-judiciais durante situação de emergência de saúde pública no estado.

De autoria das codeputadas Juntas (PSOL), o PL só entrou na pauta da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Alepe no dia 3 de maio deste ano, quando foi aprovado com um substitutivo  que garante a renovação da suspensão na medida em que os decretos de emergência e calamidade do Governo do Estado forem sendo atualizados.

Segundo levantamento da Campanha Despejo Zero – articulada por movimentos sociais, de direito à moradia e ONGs de assessoramento na área de direitos humanos -, 725 famílias foram despejadas no estado desde o início da pandemia, em março de 2020, até maio deste ano. Outras 9.399 famílias de 44 ocupações estão sob ameaça de serem retiradas das terras que ocupam.

Depois de passar pela CCLJ da Assembleia, a expectativa era que o projeto de lei fosse aprovado dois dias depois pelas comissões de Administração Pública; de Saúde; e de Direitos Humanos, mas a deputada Clarissa Tércio (PSC) pediu vistas na da Saúde.

Na sequência, o deputado, William Brígido (Republicanos) apresentou substitutivo na Comissão de Direitos Humanos para que a suspensão valesse para toda situação de “pandemia” decretada pelo Governo Federal.

Como não existe a figura legal da “pandemia”, mas sim de estado de emergência e de calamidade, por exemplo, as Juntas precisaram apresentar uma subemenda ao substitutivo de Brígido para nova apreciação na CCLJ. O temor era de que o PL aprovado com a nova redação abrisse uma brecha para que ele fosse descumprido.

A subemenda das Juntas vincula a medida à vigência de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) declarada pelo Governo Federal com base no Decreto Federal 7.616, de 2011.

Na segunda-feira desta semana (24) – um dia antes do fatídico despejo em Amaraji – foi a vez dos deputados Aluísio Lessa (PSB) e Antônio Coelho (DEM) pedirem vistas do projeto em nova sessão na CCLJ.

A expectativa é que, dirimidas todas as dúvidas dos parlamentares, o PL seja finalmente aprovado nas três comissões até a próxima quarta-feira (2) e vá à votação em plenário na quinta (3).

Regime de urgência

As Juntas protocolaram um requerimento de quebra de interstício (para reduzir o prazo de tramitação do PL) e querem garantir que as votações em primeiro e segundo turnos em plenário aconteçam no mesmo dia e o projeto siga então para a sanção do governador Paulo Câmara (PSB).

“O que aconteceu em Amaraji foi muito truculento. Policiais fortemente armados, helicóptero, balas de borracha. Foi muito desumano com famílias que já trabalhavam ali há dois anos, eram exploradas pela usina, ficaram sem indenizações e ainda não tinham para onde ir num momento desses de calamidade pública”, critica Joelma Carla, codeputada das Juntas.

Joelma está otimista com a aprovação do PL, especialmente com a articulação dos movimentos sociais de pressão sobre os parlamentares.

A Marco Zero Conteúdo entrou em contato com a assessoria do deputado Isaltino Nascimento (PSB), líder do Governo Paulo Câmara na Assembleia, para saber se a gestão estadual e a bancada governista na Alepe apóiam o projeto. O deputado se comprometeu a falar com a reportagem, mas ainda não deu o retorno. Quando se manifestar, a reportagem será atualizada.

PM despeja 200 famílias de agricultores sem-terra em Amaraji

Câmaras municipais

Integrante da campanha Despejo Zero, Melayne Macedo, do Coletivo de Mulheres da Central de Movimentos Populares (CMP), explica que as entidades têm realizado uma série de articulações para barrar situações de despejo em Pernambuco. Esta semana estão divulgando uma carta pública de apoio ao PL 1010, em tramitação na Assembleia.

Também têm se articulado e apoiado vereadoras e vereadores de várias cidades no encaminhamento de projetos de suspensão dos despejos nas câmaras municipais. Já há iniciativas desse tipo em Recife (Ivan Moraes-Psol), Olinda (Vinicius Castello-PT) e Paulista (Flávia Hellen-PT). Em  Garanhuns, projeto de autoria da vereadora Fany das Manas-PT foi aprovado.

A campanha pediu audiência com a presidência da Câmara de Jaboatão para apresentar a proposta, mas ainda não recebeu retorno.

“A nossa expectativa é a de termos um mês de junho já sem despejos em Pernambuco. Vamos lutar pra isso. Estamos nos organizando nos diferentes coletivos pra fazer essa pressão. Os movimentos de moradia estão indo pra rua neste sábado, no ato do dia 29, que tem uma pauta nacional do Fora Bolsonaro, mas nós temos pautas estaduais também, como essa do fim dos despejos”, explica Melayne.

Supremo Tribunal Federal

Enquanto a Alepe deixou o PL paralisado, a Assembleia do Rio de Janeiro aprovou, em abril do ano passado, a Lei 9.020/2020 que suspendeu os despejos e remoções durante o estado de calamidade pública por conta do coronavírus. A lei foi integralmente vetada pelo então governador Wilson Witzel, mas os deputados cariocas derrubaram o veto e promulgaram a lei em setembro do ano passado.

A suspensão dos mandados de reintegração de posse, despejos e remoções somente pode ser aplicada às situações de litígio, que estão pendentes de decisão da justiça, em relação a ocupação de imóveis que antecedem a data de publicação da medida.

A lei também suspende a cobrança de multas contratuais e juros de mora em casos de não pagamento de aluguel ou das prestações de quitação dos imóveis residenciais.

A decisão foi contestada na Justiça pela Associação de Magistrados do Rio e chegou ao Supremo Tribunal Federal depois que a Defensoria Pública do Rio recorreu da decisão do Tribunal de Justiça do estado que se pronunciou pela inconstitucionalidade da Lei, reivindicada pela AMERJ.

Primeiro o ministro Ricardo Lewandovski e, depois, o colegiado da 2a turma do Supremo deram sentenças reconhecendo a constitucionalidade da Lei, contra o argumento de que ela alterava o Processo Civil e, portanto, seria uma prerrogativa federal.

Para os ministros, a lei é do âmbito da saúde e os estados possuem competência concorrente para adotar as providências necessárias ao combate da pandemia provocada pela Covid-19, conforme entendimento anterior do próprio Supremo.

Congresso Nacional

No último dia 18, a Câmara dos Deputados aprovou, por 263 votos contra 181, o PL 817/20 que proíbe o despejo ou desocupações de imóveis até o fim de 2021, suspendendo os atos praticados desde 20 de março, à exceção daqueles que já tenham sido concluídos. A aprovação veio depois de intensa mobilização da Campanha Despejo Zero.

Ficam suspensos efeitos de qualquer ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, com fins de moradia ou produção. A lei é de autoria das deputadas Natália Bonavides (PT-RN) e Professora Rosa Neide (PT-MT) e do deputado Janones (Avante-MG). O projeto agora segue para o Senado Federal.

“Se você não tem leito disponível e não tem política de habitação estabelecida pelo Governo do Estado, não há outra explicação, os despejos, como o que aconteceu no Engenho Bomfim, são um instrumento de genocídio da nossa população”, critica Melayne, enfatizando que grande parte das vítimas dessa violência são mulheres, e famílias chefiadas por mulheres.

“Estamos falando de mulheres negras. Dentro da campanha nos articulamos como grito feminista, dando protagonismo a essas mulheres nos espaços de ocupação e resistência”, conclui.

MST rompe com o Governo do Estado após desocupação violenta

Seja mais que um leitor da Marco Zero

A Marco Zero acredita que compartilhar informações de qualidade tem o poder de transformar a vida das pessoas. Por isso, produzimos um conteúdo jornalístico de interesse público e comprometido com a defesa dos direitos humanos. Tudo feito de forma independente.

E para manter a nossa independência editorial, não recebemos dinheiro de governos, empresas públicas ou privadas. Por isso, dependemos de você, leitor e leitora, para continuar o nosso trabalho e torná-lo sustentável.

Ao contribuir com a Marco Zero, além de nos ajudar a produzir mais reportagens de qualidade, você estará possibilitando que outras pessoas tenham acesso gratuito ao nosso conteúdo.

Em uma época de tanta desinformação e ataques aos direitos humanos, nunca foi tão importante apoiar o jornalismo independente.

É hora de assinar a Marco Zero https://marcozero.org/assine/

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República