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Projeto de bolsonarista pode dificultar participação de pessoas trans em concursos públicos

Raíssa Ebrahim / 03/07/2024

Crédito: Amaro Lima/Alepe

Ele é evangélico fundamentalista, ex-policial militar e a favor do projeto de lei 1904/2024, que equipara aborto a homicídio após 22 semanas de gestação. Em 2020, foi para a porta do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam) tentar impedir que uma menina de 10 anos, grávida após ser estuprada pelo tio, fosse submetida ao procedimento de aborto. Nas redes sociais, incentiva seguranças e vigilantes a coibirem o uso de banheiros por pessoas de acordo com a identidade de gênero. A militância contra direitos sexuais e reprodutivos e os posicionamentos transfóbicos não são novidade quando se trata do deputado estadual Joel da Harpa (PL). Agora o parlamentar lançou mais uma: na semana do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, comemorado em 28 de junho, ele protocolou um projeto de lei que determina o sexo biológico como o único critério para definição do gênero em concursos públicos.

Para efeito da lei, Joel da Harpa considera “sexo biológico o determinado pelos cromossomos sexuais XX (feminino) e XY (masculino) presentes no material genético do indivíduo”. O PL 2110/2024 ainda não chegou a ser distribuído e, portanto, também não passou por nenhuma comissão da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) — nem irá, ao menos até o fim de julho, por conta do recesso parlamentar.

No texto da proposta, o deputado diz que “fica determinado o sexo biológico como o único critério para definição do gênero em testes de aptidão física ou provas práticas das etapas de concursos públicos, para provimento de vagas em órgãos estaduais no Estado de Pernambuco”. Isso inclui empregos públicos da administração direta, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Justificando “compromisso com a transparência, a ética e a legalidade”, Joel da Harpa acredita que, ao fixar o sexo biológico como critério exclusivo, o Estado estará garantindo uma avaliação dos candidatos “de forma imparcial apenas entre concorrentes do mesmo gênero biológico”. Assim, argumenta o parlamentar, seu projeto de lei estaria “assegurando a integridade das competições e evitando possíveis distorções”, “levando em consideração as diferenças fisiológicas entre homens e mulheres que podem impactar o desempenho e reflexamente o resultado do certame” e “promovendo um ambiente mais justo e igualitário”.

Defensor da castração química de estupradores, o que também resume a violência sexual a uma questão biológica, Joel da Harpa tenta deslegitimar o movimento feminista em seus discursos que envolvem direitos sexuais e reprodutivos de meninas, mulheres e pessoas que gestam. Aliás, ele chama de “coisa bizarra” a denominação “corpo de quem pariu” ou ainda “pessoa que pariu” usada pelo Ministério da Saúde. “Eles querem tirar o direito das mulheres de serem chamadas mães”, distorce. Assim como distorce a narrativa ao defender o PL 1904 na Alepe, dizendo que movimento de mulheres estaria propondo que “a criança tem que morrer e o estuprador tem que ficar vivo”.

Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental dos Pernambucanos, Joel da Harpa tem como aliados os pastores Júnior Tércio (PP) e Cleiton Collins (PP), donos de comunidades terapêuticas. Ele é um parlamentar que também milita pela evangelização em presídios. Quando o Governo Federal barrou este ano grupos religiosos de fazerem conversão de detentos, ele foi para as redes reforçar o apelido que dá ao PT, “partido das trevas”.

“Teor claramente transfóbico”

A Marco Zero procurou a presidente da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Alepe, a deputada Dani Portela (PSOL); o líder da oposição, deputado Diogo Moraes (PSB); e o líder do governo Raquel Lyra (PSDB), Izaías Régis (PSDB), para saber o que acham da proposta de Joel da Harpa. Apenas Dani se posicionou — ela deixou a liderança da oposição no mês passado para se candidatar à Prefeitura do Recife nas eleições de outubro. Diogo disse que vai aguardar o projeto ser distribuído e discutido nas comissões da Alepe. Já Izaías avisou que não irá comentar o assunto.

Na visão de Dani, o pl “tem um viés claramente transfóbico em seu teor”. “O autor da proposta faz, propositalmente, uma confusão entre as definições de gênero e sexo biológico para justificar a natureza excludente de sua proposta. Essa é uma tática antiga usada pelos fundamentalistas para tentar cercear os direitos da população trans. Sexo biológico e gênero não se confundem, assim como gênero e identidade de gênero também não”. E criticou: “Tentar impor, através de lei, algo que não corresponde à realidade, além de não ser novidade, é, muitas vezes, um recurso para o parlamentar levantar falsas polêmicas para ter alguma repercussão, sobretudo em anos eleitorais, quando os direitos das populações mais vulneráveis sempre sofrem investidas dos fundamentalistas que tentam barganhar com isso”.

Entenda a diferença 

  1. Identidade de gênero: está atrelado ao relacionamento individual da pessoa consiga mesmo, e não necessariamente às características biológicas tipicamente atribuídas ao masculino e ao feminino. Quando a pessoa se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento, diz-se cisgênera. Quando não, diz-se transgênera.

Saiba mais:

O indivíduo pode se identificar como não binário, quando não se percebe como pertencente a um gênero exclusivamente.

Há ainda as pessoas intersexo, que nasceram com características biológicas que englobam tanto o gênero feminino quanto o masculino.

Orientação sexual: diz respeito a com quem alguém se relaciona sexualmente, se com indivíduos do mesmo gênero (homossexual), do gênero oposto (heterossexual) ou com mais de um gênero (bissexual).

A pessoa também pode ser assexual, quando não possui atração sexual por outras pessoas, independente do gênero, ou ainda pansexual, quando há atração por pessoas independente de sexo biológico ou identidade de gênero.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com